UFMA publica Carta sobre o desaparecimento dos estudantes da “Escola Normal Rural Raul Isidro Burgos”, no México

carteira de estudante

O programa de pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão publicou nota sobre a operação militar e o desaparecimento dos estudantes da “Escola Normal Rural Raul Isidro Burgos”, de Ayotzinapa, Guerrero, México. Leia, abaixo, a carta na íntegra:

Carta de Solidariedade aos familiares e amigos dos estudantes da “Escola Normal Rural Raul Isidro Burgos”, de Ayotzinapa, Guerrero, México

Nós professores, funcionários e pesquisadores do programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, da Universidade Federal do Maranhão, Brasil, recebemos com indignação as informações relacionadas a operação policial-paramilitar, executado nos dias 26 e 27 de setembro de 2014, contra um grupo de 80 estudantes da “Escola Normal Rural Raul Isidro Burgos”, de Ayotzinapa, Guerrero, México.

Durante a operação foram gravemente feridos os estudantes Aldo Gutiérrez Solano e Édgar Andrés Vargas, além de serem assassinadas 6 pessoas, entre elas os estudantes Julio César Ramírez Nava, Daniel Solís Gallardo e Julio Cesar Mondragon. Este último foi torturado até a morte e o seu corpo abandonado numa rua próxima ao local dos ataques. Nesse mesmo dia, 43 estudantes foram presos e, até hoje, estão desaparecidos.

No dia 7 de novembro de 2014, o Procurador Geral da Republica, Jesus Murillo Karam, concedeu uma entrevista coletiva à imprensa e tentou mostrar aos mexicanos e à comunidade internacional que o “caso Ayotzinapa” estava resolvido. Segundo ele, os estudantes tinham sido presos pela polícia para depois serem entregues ao grupo de traficantes conhecido como “Guerreros Unidos”, os quais teriam assassinado e queimado os estudantes no lixão de Cocula.

Segundo as informações apresentadas pelo procurador, os restos humanos foram esmagados até virarem pó para depois serem guardados em sacolas e lançados no rio “San Juan”.
As únicas provas apresentadas pelo Procurador Geral foram os depoimentos de dois acusados, além de algumas imagens de restos humanos que, segundo ele, poderiam pertencer aos estudantes. O procurador nunca esclareceu por qual razão somente os depoimentos destes dois suspeitos estavam sendo considerados como chaves nas investigações (sendo que existem outros 72!) e por qual motivo as versões deles foram qualificadas como fidedignas, apesar de mostrarem contradições evidentes nos próprios vídeos apresentados durante a supracitada coletiva.

Em relação aos restos humanos, estes foram apresentados como provas do assassinato sem conter os testes antropológicos forenses que constatariam as respectivas identidades.

Consequentemente, parece impossível afirmar com certeza que tais restos humanos são dos estudantes desaparecidos, pois no México, infelizmente, abundam corpos sepultados em valas comuns por todo território nacional.

Por outro lado, com a versão do Procurador Geral tenta-se claramente apresentar o “caso de Ayotzinapa” como um crime cometido unicamente pelo prefeito de Iguala, Jose Luis Abarca, e grupos de traficantes. Não só. Tal versão visa informar ao mundo que o “caso de Ayotzinapa” foi um evento isolado. Assim, durante a semana posterior à coletiva do procurador, a mídia mexicana e internacional difundiu estas informações e afirmou que os traficantes tinham assumido a responsabilidade dos assassinatos, além de assegurar que o único governante responsável era o prefeito, José Luis Abarca.

Na verdade, depois de assistirmos a entrevista do procurador, temos claro que o único fato contundente em relação à versão oficial do governo mexicano e que foi difundida pela grande mídia internacional é que não existem provas suficientes para afirmar que os estudantes foram assassinados. O próprio funcionário do governo, antes de rejeitar mais perguntas da imprensa, pois estaria “muito cansado”, disse que a única coisa que se poderia afirmar é que: “nesse lugar (o lixão) foram assassinadas e queimadas muitas pessoas”. Finalmente, o próprio Procurador Geral afirmou que os resultados das perícias não eram concludentes e se comprometeu continuá-las até resolver o caso.

Neste sentido, é de se esperar que Governo Mexicano intensifique as investigações sobre o paradeiro dos estudantes e que declare publicamente que estes ainda estão desaparecidos. Outro aspecto com o qual deve comprometer-se é com o esclarecimento com o que aconteceu na operação policial-paramilitar, dos dias 26 e 27 de setembro, além de punir a “TODOS” os respons{veis. Para isso, acreditamos que os testemunhos de vários sobreviventes, os quais afirmaram que houve participação do exército mexicano no caso, devem ser levados realmente a sério.

Segundo os depoimentos, durante o ataque vários estudantes feridos se refugiaram numa clínica privada, onde membros do exército mexicano os espancaram e acusaram de terem invadido propriedade privada. Os referidos militares os detiveram durante vários minutos, quando os questionaram, tiraram fotos, roubaram seus celulares e disseram em tom ameaçador que as próprias vítimas tinham provocado o ataque e, por isso, deveriam assumir as consequências por seus atos. O que torna inaceitável a versão do governo mexicano quando tenta mostrar que só existe um único responsável pelo assassinato de 2 estudantes e o desaparecimento dos outros 43.

Face ao exposto, nós do programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, da Universidade Federal do Maranhão, Brasil, nos solidarizamos com os familiares e amigos dos estudantes da “Escola Normal Rural Raul Isidro Burgos”, de Ayotzinapa, ao mesmo tempo em que nos dirigimos ao governo mexicano para solicitar:
– que seja garantido o direito de todas as famílias das vítimas de conhecer a verdade e ter acesso à justiça;
– a punição de todos os responsáveis do ataque policial-paramilitar dos dias 26 e 27 de setembro.

São Luis, MA, 26 de novembro de 2014.