Vida de pós-graduando bolsista – Parte 2

carteira de estudante

 

A ANPG está em campanha permanente pelo reajuste do valor das bolsas de mestrado e doutorado. Ações pelo Brasil durante a Jornada de Lutas no mês passado, audiências com a presidenta Dilma Rousseff e o Ministro da Educação, Fernando Haddad e o abaixo-assinado são iniciativas concretas da entidade para que a pauta seja atendida.

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Campanha de Bolsas: batalha estratégica para a ANPG

A Campanha de Bolsas da ANPG já mobilizou mais de 40 mil assinaturas através do abaixo-assinado online e a intenção é entregá-lo aos presidentes da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), duas maiores agências de fomento na área e responsáveis por conceder, juntas, mais de 110 mil bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado no ano de 2009. E também apresentá-lo ao Ministério da Educação (MEC), Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e à Presidência da República em audiências específicas sobre o assunto já solicitadas a esses órgãos.

Para mostrar que vida de bolsista não é fácil, entrevistamos 3 pós-graduandos pra saber como é ser bolsista e pesquisador no Brasil. Publicamos agora a 2ª entrevista da série "Vida de pós-graduando bolsista " (confira a 1ª entrevista com o doutorando da USP, Wilson Sparvoli). 

Alan, à esquerda, de camiseta branca, em seu laboratório na Unicamp. Foto: Arquivo pessoal

O relato é de Alan Godoy Souza Mello, 26 anos, doutorando em engenharia elétrica (área de concentração: engenharia de computação) na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e é bolsista do CNPq:

ANPG: A sua única fonte de renda é a bolsa?
Alan:
Sim, exceto nos semestres que eu faço estágio docente, nos quais eu tenho uma bolsa adicional (de cerca de R$600), mas é mais raro fazer esse tipo de estágio.

ANPG: E o valor da bolsa é suficiente pra viver? Não apenas estudar, mas sair, se alimentar, cobrir os gastos com transporte?
Alan:
Mais ou menos. Gastos com moradia consomem cerca de 1/3 do valor da minha bolsa, mensalmente eu gasto o valor completo da bolsa, de modo que não dá para guardar dinheiro para eventualidades. Eu tenho de planejar bem compras de roupa, por exemplo, para conseguir ter dinheiro.

Alimentação acaba sendo um problema menor, pois a Unicamp tem o bandejão (o custo da refeição é de R$2,00), mas se não fosse isso seria difícil me manter almoçando em restaurantes (já que seria impraticável fazer comida em casa).

ANPG: E você cogita a possibilidade de trabalhar ou isso atrapalharia seus estudos?
Alan: Pensei em dar aulas de noite, mas prepará-las decentemente tomaria muito tempo e atrapalharia bastante o meu doutorado. Como pretendo ser docente no futuro, minha prioridade no momento é o doutorado (obrigatório para ingressar nas universidades públicas paulistas). Pretendo ainda fazer alguma outra vez um estágio docente, mas deve ser só no ano que vem, pois quero também fazer um ano de doutorado – sanduíche.

ANPG: Quer fazer o sanduíche por conta da experiência ou o fator financeiro também está contando nessa decisão?

Alan: Pela experiência, mesmo. Até por que, dependendo de onde você for, o valor da bolsa da CAPES é bem baixo para cobrir o custo de vida no local

ANPG: O único auxílio direto da Unicamp aos pós-graduandos é o bandejão?

Alan:  Direto, sim. Alunos que tenham renda familiar baixa (inferior a R$1000,00) per capita podem se candidatar a outros programas de auxílio (como moradia, auxílio transporte e auxílio refeição), mas esses programas não são acessíveis à maioria dos bolsistas (exceto se eles sustentarem outras pessoas com o valor da bolsa).

A Unicamp também oferece recursos para viagens a congressos e atividades afins. Se não fosse por isso, seria impossível um bolsista da CAPES ir a muitos congressos, dados os preços de transporte, estadia e inscrição no evento. Mesmo bolsistas do CNPq, como eu, poderiam ir a muito menos eventos do que seria adequado em um doutorado.

ANPG: Você mora com quantas pessoas? É confortável, dá pra ter privacidade e estudar?

Alan:  Atualmente moro com mais 2 pessoas, finalmente com um quarto só para mim. Até ano passado morava em 5 pessoas e tinha de dividir quarto, o que, apesar do meu colega de quarto ser boa gente, acabava atrapalhando um pouco na hora de estudar (em certos casos eu preferia ficar no laboratório até a madrugada para evitar distrações). Mudar para essa nova casa teve alguns poréns, já que acabei tendo de ir para um bocado mais longe da faculdade (preciso agora pegar no mínimo 2 ônibus para chegar lá), mas foi melhor.

Durante o meu mestrado, no entanto, eu tinha de dividir uma casa com 10 pessoas, principalmente pessoal da graduação (senão não dava para pagar) e nessa época era quase impossível estudar em casa.

ANPG: O que você gostaria (ou precisaria) fazer mas não consegue por conta do valor da bolsa?

Alan:  Muitas coisas: fazer uma reserva para emergências, comprar uma moto ou outro meio de transporte (infelizmente o sistema de transporte de Campinas é bem deficiente), fazer um plano de saúde, entre outras coisas. De acordo com uma pesquisa feita pelo Centro Acadêmico da Computação daqui da Unicamp, uma pessoa formada há cinco anos no curso (meu caso) ganha de 5 a 8 mil reais mensais, então acaba que a disparidade do que eu ganho fazendo pesquisa (a bolsa de doutorado do CNPq hoje é de R$1800,00 ) para o que meus amigos ganham no mercado de trabalho é muito grande.


ANPG:  E mesmo assim você acha que compensa? Afinal, o salário dos professores também não é alto no Brasil.

Alan:  Financeiramente ou pelo próprio sentimento de valorização por parte dos órgãos governamentais não valeria nunca. Receber sem dia fixo, como ocorre na CAPES, é um sentimento de falta de respeito terrível. Mas eu gosto muito de dar aula e de pesquisar (além do ambiente acadêmico) e acho que é o jeito que eu posso melhor contribuir.

Pelo menos, depois de docente, a disparidade reduz um pouco


ANPG: E você nunca pensou em ir estudar (e ficar) fora do Brasil?

Alan:  Não é muito meu perfil. Mesmo viajando ao exterior por poucos dias para um congresso eu já sentia saudades do Brasil. Prefiro participar da mudança da valorização dos docentes e pesquisadores aqui e ver meu país evoluindo através do meu trabalho. Saber que os brasileiros vivem melhor e que eu tive uma parcela de responsabilidade (mesmo que pequena) acaba, em minha opinião, fazendo valer mais a pena ficar por aqui.

Particularmente, se eu puder atuar na Unicamp, que é onde me graduei, fiz meu mestrado e agora faço meu doutorado, eu ficaria mais feliz ainda.


Da Redação.