Especial Mulheres na Ciência

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Especial Mulheres na Ciência

Pós-graduandas e pesquisadoras relatam as dificuldades enfrentadas pelas mulheres na academia e na Ciência.

A professora doutora em Letras pela PUC-RS, Inara Rodrigues, fala sobre a os desafios que as mulheres enfrentam ainda hoje na Ciência.
Viemos conquistando um espaço cada vez maior na Ciência. Mas, é claro, sem dúvida, em algumas áreas mais do que em outras ainda há uma certa dificuldade da mulher se inserir. Isso tem a ver, talvez, com algumas áreas historicamente mais masculinas. Na área da Educação, não temos tantos problemas em função daquela naturalização da ideia das professoras serem em sua maior parte mulheres. Talvez por isso, no universo da Educação, conseguimos hoje ter uma representação significativa. Mas, em outras áreas, como nas exatas, os espaços são bem mais reduzidos. Temos conquistados muitos espaços com a luta feminista, mas ainda há muito que conquistar.

Franciane Conceição da Silva, doutoranda em Literatura pela PUC-MG, nos conta sobre os desafios enfrentados pela mulher negra na Ciência.

Todas as mulheres vão acabar sofrendo discriminação de gênero, principalmente, para ocupar esses espaços que foram historicamente negados às mulheres, espaços de poder, que é estar na Ciência, na Academia. Então, o fato da mulher estar ocupando esses espaços é uma vitória, mas ao mesmo tempo, quando ela chega nesses espaços ela vai enfrentar diversas dificuldades. Para uma mulher negra na Ciência, a coisa é ainda mais complicada. A mulher negra, que não era nem considerada gente, estar na academia era ainda mais impensável. Você não era nem considerada ser humano, como você poderia produzir conhecimento? Então, existem as questões das barreira do racismo e, ainda, do classicismo, pois muitas dessas mulheres negras que entram na academia vêm de classes menos favorecidas. Há todas essas barreiras para a mulher negra produzir ciência, produzir conhecimento. As mulheres na ciência ainda são minoria, e as mulheres negras são um número mais reduzido ainda.

Gabrielle Paulanti, doutoranda em literatura pela USP e diretora da ANPG, comenta o fato de muitas mulheres mestres e doutoras na ciência brasileira ainda ganharem um salário inferior ao de homens pesquisadores; e como as dificuldades enfrentadas pelas mulheres em seus cotidianos acadêmicos afetam sua produção acadêmica, representatividade e reconhecimento.

Ainda há muitos desafios para o pleno desenvolvimento e participação das mulheres no fazer científico, principalmente no contexto brasileiro. Podemos trazer uma referência na ciência que é baseada em parâmetros completamente masculinos e que não abarca as necessidades específicas das mulheres, além das dificuldades históricas da desigualdade de gênero e estruturais para a plena participação das mulheres na Ciência e na pesquisa.

A representatividade das mulheres é uma necessidade da Ciência mais do que das mulheres, como uma representação da própria sociedade, já que as mulheres são maioria no mundo e no Brasil. Então, a ciência precisa desse olhar diversificado, não só em relação às mulheres, mas de todos os segmentos da sociedade. O fazer científico precisa ser repensado em outros parâmetros, de modo que tenhamos estrutura para abarcar as necessidades específicas das mulheres, como creche, licença maternidade para as pós-graduandas, e acabar com o assédio moral e sexual nas universidades, que nós sabemos que a maioria das vítimas são mulheres.

Para a doutoranda em história econômica pela UFG e presidenta da ANPG, Tamara Naiz, são várias as dificuldades enfrentadas pelas pesquisadoras na academia simplesmente pelo fato de serem mulheres. Ela ainda comenta como as relações hierárquicas e patriarcais na Ciência afetam a produção acadêmica das mulheres.

Primeiro não são só as relações na academia que atrapalham a vida acadêmica das mulheres. As mulheres têm que se desdobrar muito para exercer sua vida acadêmica. Precisamos partir da noção de que para a mulher estar na universidade, fazendo uma pós-graduação, ela precisa conciliar uma série de questões que se inserem no papel dela na sociedade. A mulher entrou para o mercado de trabalho, mas em contrapartida, os homens não assimilaram um papel e uma responsabilidade na vida doméstica na mesma proporção. Tarefas como cuidar dos filhos e da casa ainda pesam muito no ombro das mulheres. Isso é um fator que atrapalha muito a vida acadêmica da mulher. Muitas vezes, ela precisa colocar outra mulher para fazer essas tarefas domésticas, para que ela possa exercer sua vida acadêmica com mais intensidade.

Outra questão importante a se discutir sobre a entrada da mulher na academia é o preconceito institucional. As mulheres são maioria nas universidades, mas se observar os espaços decisórios, as chefias dos departamentos, diretorias de institutos e universidades não temos essa representação feminina num nível satisfatório. Isso inclusive contribui para a desigualdade salarial entre homens e mulheres. Outro aspecto é que há todo um ambiente formado há séculos pela presença masculina. Então as mulheres têm dificuldades como o desafio pessoal de deixar os filhos, até lidar com situações de machismo, situações em que muitos homens acham indesejável a presença de mulheres nos laboratórios. Muitos pesquisadores já chegaram a dizer isso, que a mulher no laboratório é uma distração para os homens, o que é algo muito desrespeitoso e até ofensivo a se dizer.

É uma cultura machista que está arraigada na sociedade, e na academia e na universidade não é diferente. Sem falar no assedio moral e sexual, que muitas mulheres sofrem. Todas essas questões são entraves cotidianos para que a mulher possa exercer de maneira mais livre e dedicada a sua pesquisa.

O principal desafio é o preconceito e a resistência que existe às mulheres em alguns espaços. Está mais do que provado que as mulheres têm as mesmas capacidades intelectuais que os homens e podem estar em qualquer espaço em que o homem esteja. Infelizmente, a sociedade ainda não conseguiu assimilar isso.

Há um ambiente em várias áreas hostil para as mulheres, claro que você explica por uma cultura machista de séculos e décadas em que essas mulheres não estiveram nessas áreas, mas nós já construímos uma outra cultura ao longo dos anos. Já era possível que as mulheres fossem grande número em diversas áreas como engenharia, física, astrofísica, mas ainda não são. Acredito que vão estar à medida que se rompa com esses espaços hostis às mulheres.

Da redação

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