É DURO TER QUE DEFENDER O ÓBVIO: O CASO DA MENINA QUE LUTA PELO ABORTO

Raphaella Portes – Graduada em Geografia (UFU), Mestre em Geografia (UFG/RC)

Diretora de Formação da UBM Mineira

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Na última semana fomos surpreendidos, em meio a essa tragédia da pandemia de COVID-19, com a notícia de que uma CRIANÇA de 10 anos de idade se encontrar gestante (e desenvolveu nesse processo diabetes gestacional correndo risco de vida) em decorrência dos abusos sexuais sofridos ao longo de quatro anos por um tio de 33 anos idade, ou seja, ela sofre abuso desde os 6 anos! Isso deveria chocar qualquer ser humano, mas aparentemente o mais tem chocado a sociedade é o fato da justiça decidir pela interrupção voluntária dessa gestação, levando em consideração a opinião da criança que segundo os altos do processo entra em profundo sofrimento ao falar da sua condição.

Antes de entrar qualquer debate é importante lembrar que a Constituição Federal, lei soberana no Brasil, garante a interrupção da gestação em caso de estupro/violência sexual, risco para parturiente e quando o feto é anencefálico. Ou seja, considerando o caso dessa criança, é dever do Estado Brasileiro ampará-la, o que mesmo com todas as dificuldades tem ocorrido até o momento.

Entretanto os fundamentalistas tem feito da vida dessa menina um verdadeiro inferno, além de todas as violências enfrentadas por ela (aqui entendo que a além da questão sexual ela teve a infância violada, o que irá repercutir pelo resto de sua vida), a mesma foi exposta nas redes sociais ao ter o seu nome e endereço do hospital onde realizaria o procedimento divulgados, sendo que ambas as informações era segredos de justiça ( fundamental destacar que quem vazou esses dados deve ser punido na forma da lei)! Isso gerou um tumulto na portal do hospital onde religiosos foram fazer orações para que o procedimento não ocorresse e chamar o médico, responsável pelo procedimento, de assassino.

Não entrarei aqui na falsa polêmica de ser contra ou a favor do aborto, por entender que essa opinião é fundamentada de forma muito singular por cada pessoa e que envolve os seus valores, vivências e credos. No entanto os fundamentalistas acreditam que a opinião deles, que diga-se de passagem deveria valer apenas para o seus corpos, atuam de forma obscurantista, buscando impor o que acreditam como uma verdade absoluta e inquestionável, sem levar em consideração a condição e circunstância pela qual a criança passa.

É curioso como os que defendem a vida sequer levam em consideração a violência sofrida pela menina e que o corpo de uma criança de 10 anos de idade não tem nenhuma preparação fisiológica para gestar, atacando-a como se fossem fosse a vilã dessa história. O criminoso que a violentou está foragido, e nenhum fundamentalista organizou nenhum tipo de protesto para pedir a sua prisão! Ele além de abusador é um pedófilo e o lugar dele é na cadeia, será que alguém se atentou pra isso?!

A pergunta que fica é: qual vida importa para essas pessoas? A resposta é triste mas óbvia: não é a das mulheres! Nos tratam como chocadeiras, meros corpos perpetuadores de uma sociedade. Estão mais preocupados com o aborto do que com o estupro e as diversas violências sofridas por essa criança! Essa situação só mostra, mais uma vez, que a sociedade patriarcal objetifica as mulheres de diversas formas, e torna as pessoas incapazes de serem empáticas a dor dessa menina por que vale mais a vida de um feto do que a dela!

É por esse e outros motivos que nós mulheres devemos nos organizar para defender o nosso direito de tomar decisões sobre os nossos próprios corpos e proteger o das meninas que parimos, ocupando os espaços de poder. A interrupção voluntária da gestação é uma dívida que a democracia tem com as mulheres e devemos todos os dias cobrar essa conta em aberto.

Por último, mas não menos importante, desejo sinceramente que o desejo dessa criança em conformidade com a Constituição Federal seja cumprida, não somente o dela mas de todas as mulheres que um dia necessitarem utilizá-la. O direito dessa garota é inquestionável, surreal mesmo é termos que defender o óbvio!