BBB, racismo e debate público: uma conversa muito além do entretenimento

Josiel Rodrigues, Diretor de políticas de emprego da ANPG

Na última segunda-feira, assistimos ao início da 22ª edição do Big Brother Brasil, um dos maiores programas de entretenimento da televisão brasileira. É um programa que mobiliza milhões de reais em prêmios, comercialização de anúncios e ações publicitárias e, ainda, milhões de pessoas a acompanhar a rotina de participantes em uma casa vigiada por dezenas de câmeras. Essa “convivência” gera conversas, assuntos e temas que por muitas vezes se tornam pauta nos mais diversos espaços de socialização: sejam as rodas de conversas informais, sejam ainda opiniões disseminadas em plataformas de mídias digitais, de rádio e televisão.
Como é de praxe, o BBB acaba por desvelar e mobilizar a discussão de diversos temas na nossa sociedade – seja por atores de forma individual ou ainda por redes de sujeitos organizados. Seu potencial de alcance é muito potente em determinar o que é assunto nos diversos ambientes sociais – tanto físicos como digitais. E foi assim quando vimos, mais uma vez, reacender a discussão sobre racismo, a partir das participantes Naiara Azevedo (“nunca me ensinaram o que era loiro, ruivo, preto, pra mim é tudo igual sabe, eu não enxergo tons de pele diferente) e Natália Deodato (“sou preta e, realmente, tem a história que viemos como escravos sim, porque a gente era eficiente…), em uma conversa sobre esse tema.
São frases que não raramente ouvimos nos mais diversos espaços onde vivemos e convivemos. Mas a dimensão pública desse tema exige que não naturalizemos a ideia de que “somos todos iguais” e que o dia 20 de novembro deveria ser o “dia da consciência humana”. São ideias que invisibilizam a verdadeira problemática do racismo no nosso país, que é real e tem suas raízes fundadas no período da escravidão. Primeiramente, os negros africanos não “vieram” para o Brasil. Foram raptados, violentados e traficados para cá. Sobre isso, a literatura sobre a escravidão trata esse processo como “tráfico negreiro”. Segundo: esse tráfico negreiro foi fruto e consequência de uma necessidade econômica e ideológica da garantia de uma força de trabalho que pudesse ser facilmente explorada. E é aí que os negros africanos são traficados não só para o Brasil, mas para toda a América.
Não à toa, autores como Clóvis Moura e Sílvio Almeida identificam na escravidão a raíz da desigualdade racial que até hoje determina o lugar social das pessoas negras no nosso país. Lugar social que hoje é a violência, a pobreza e a morte. Clóvis Moura é extremamente certeiro ao explicar esse período como um modo de produção próprio (assim como foram o feudalismo e como é o capitalismo). Seu entendimento do “escravismo” é fundamental para o reconhecimento do “Racismo Estrutural”, tão brilhantemente pontuado por Sílvio Almeida. É essa estrutura racista que determina o “perfil” de quem morre pela mão do Estado e de quem não tem acesso a políticas públicas.
Essa contextualização sobre as raízes da discriminação racial no Brasil são necessárias pois é a partir desse entendimento que podemos perceber o quão público e necessário é essa discussão. E é nessa dimensão que mora, inclusive, a forma como a postura de ambas as participantes são tratadas de formas diferentes. Esse racismo faz com que o peso dado às falas de Natália (uma mulher negra, dissociada de consciência sobre a questão racial) seja muito maior do que a forma como a fala de Naiara é encarada, enquanto mulher branca.
Os meios de comunicação produzem enquadramentos relevantes para o debate público, condicionado aos procedimentos comunicacionais e o acesso às plataformas de mídias sociais e outros instrumentos de difusão de conhecimento. Mas enquanto seres e sujeitos que compreendem o racismo enquanto um problema é que nos cabe não apenas participar da discussão, mas ampliar o debate. Já obtivemos conquistas importantes fruto da discussão racial – e cita-se aqui dois exemplos: a Lei de Cotas (que permitiu a diversos grupos, como pessoas negras, o acesso ao ensino superior e a reserva de vagas em concursos públicos) e as Leis 10.639/03 e 11.645/08, que criam mecanismos para o ensino da história, cultura e das relações raciais no Brasil.
Precisamos fazer valer essas políticas públicas. Mas tão importante quanto isso, é preciso denunciar o racismo que ainda mata jovens negros em todo o país, que ainda encerra sonhos e ainda determina quem vive e quem morre pelas mãos do Estado. É preciso, também, que lutemos contra toda e qualquer forma de desinformação – seja ela por meio de notícias falas ou enquadramentos “convenientes” para o desinteresse em temas tão urgentes como o racismo!

REFERÊNCIAS E SUGESTÕES DE LEITURAS:

ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural? São Paulo: Letramento, 2018.

MOURA, Clóvis. Rebeliões da Senzala: quilombos, insurreições, guerrilhas. 5ª ed. São Paulo: Editora Anita Garibaldi, 2014.

WEBER, Maria Helena. Balizas do campo comunicação e política. Tríade: Sorocaba, v. 8, n. 18, p. 6-48, set 2020