Longa vida ao IUPERJ! : Artigo de Josué Medeiros

carteira de estudante

Longa vida ao IUPERJ!

Por Josué Medeiros

Vivemos uma era de grande fluxo de informações, sobre os mais variados temas. Ainda assim, alguns acontecimentos passam (quase) despercebidos pelo conjunto da sociedade, mesmo sendo de enorme importância para ela. É o caso da atual situação de crise financeira de um importante centro de pós-graduação em Ciências Sociais do Brasil, o Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), vinculado a Universidade Candido Mendes (UCAM).
 
A verdade é que a maioria do grande público sequer sabe da existência do IUPERJ. Isso não é culpa da instituição nem das pessoas, mas sim fruto do grande funil que se tornou a educação em nosso país, situação que vem se alterando nos últimos anos. Mas de fato, se ainda temos um numero reduzido de alunos nos cursos de graduação das Universidades e Faculdades brasileiras, imagina nos programas de pós-graduação? A maioria deles é desconhecida do conjunto da sociedade.
 
Voltando ao IUPERJ, um pouco de história. Esse instituto foi criado no ano de 1969, no auge do autoritarismo da Ditadura Militar. Logo de início, constituiu-se em um refúgio para intelectuais comprometidos com a democracia brasileira, não apenas no sentido de resistência aos arbítrios ditatoriais, mas também como espaço de reflexão sobre como construir em nosso país uma democracia consolidada e substantiva.
 
Não resta dúvida que o IUPERJ, em conjunto com outros programas de pós-graduação do Brasil, foi peça chave no processo de resistência ao regime militar e de construção da democracia brasileira, contribuindo com uma massa crítica intelectual para a mobilização que a sociedade civil e os partidos políticos empreenderam desde os anos 1970 e até os dias de hoje.
 
A importância do IUPERJ não se restringe ao passado. Ainda que vinculado a uma universidade particular, o caráter do IUPERJ é incontestavelmente público. Todos os serviços oferecidos aos alunos são gratuitos. O corpo discente é positivamente diverso, tanto no que se refere ao tema, quando à regionalidade e nacionalidade. Temos alunos de todas as regiões do Brasil e de diversos países latino-americanos.
 
Mais de 40% dos doutores formados no IUPERJ são hoje professores nas universidades públicas brasileiras, e muitos outros estão em centros de pesquisa aplicada como o IPEA e a FIOCRUZ, por exemplo, todos contribuindo com seu trabalho para a solução dos problemas mais urgentes enfrentados pela sociedade brasileira.
 
O mesmo pode ser dito sobre as linhas de pesquisa animadas no IUPERJ: do problema da distribuição de renda passando pela questão racial, da importância dos partidos políticos para uma democracia sólida até uma análise sobre o funcionamento do legislativo, executivo e judiciário brasileiro, das reflexões sobre os direitos humanos chegando à discussão sobre as conferências e a democracia participativa, do debate acerca da integração regional sul-americana até o levantamento das raízes históricas e sociais da política brasileira, enfim, todos temas que são caros para a construção de um país democrático e realmente justo.

Todo esse patrimônio, que não pertence a nenhum ente privado, a nenhum dono de universidade, hoje corre risco de se perder. A situação chegou no limite. Funcionários e professores não recebem integralmente seus salários há vários meses. Diversos direitos trabalhistas não estão sendo respeitados.

A importância do IUPERJ para os meios acadêmicos e universitários, políticos e governamentais ficou clara no processo de mobilização que a instituição lançou para buscar soluções definitivas para essa crise financeira que explodiu este ano, mas que já era latente há mais de uma década. Recebemos apoios de diversos programas de pós-graduação e de academias e sociedades cientificas, de inúmeros intelectuais, políticos e gestores de diversas esferas de governo.

Três soluções foram levantadas nessa caminhada para salvar o IUPERJ. A ideal seria a estatização do Instituto, com sua vinculação a alguma universidade pública. Infelizmente, essa solução foi rapidamente descartada, pelas dificuldades legais que geraria.
 
A outra, também já descartada, era sem dúvida a pior, pois implicava em “salvar” o IUPERJ aprofundando seus vínculos com o setor privado, instituindo cobrança de mensalidade, voltando totalmente sua produção para as demandas mercadológicas.

Por fim, a alternativa que se mostrou mais viável foi a de transformar o IUPERJ em uma Organização Social (OS) vinculado ao Ministério de Ciência e Tecnologia, o que viabilizaria o aporte de recursos provenientes das agências de fomento como o Capes e o CNPq, entre outras. Em contrapartida, o Instituto se comprometeria com metas públicas e a transparência e controle dos recursos seriam garantidos.

Esse não é um debate fácil para as forças progressistas. As Organizações Sociais fazem parte de um conjunto de reformas do Estado propostas no auge da hegemonia neoliberal no Brasil (anos 1990), e tinha como objetivo diminuir a presença do Estado nos diversos setores da vida nacional. O conceito de público-não estatal surge como forma de legitimar esse programa, que pretendia englobar áreas como saúde, educação, cultura, etc.

A resistência a essa proposta ainda é forte nos movimentos sociais das respectivas áreas, nos partidos políticos de esquerda, entre intelectuais e pensadores comprometidos com o público. As experiências em curso com OS nos estados e municípios são no mínimo controversas, muitas das promessas de melhoria nos serviços não vieram, a restrição dos serviços para a parte mais pobre da população é uma possibilidade sempre presente.

O caso do IUPERJ é exatamente o oposto. Na prática, trata-se de um movimento do Estado encampando um Instituto com regime jurídico privado. O caráter público do IUPERJ, que já existe de fato, passaria a existir de direito, pelo menos no que se refere ao vinculo estatal. Por isso, se a transformação do IUPERJ em OS se concretizar, será um avanço.

O caráter público de uma instituição não se encerra no seu atrelamento com o Estado. Mas esse é um primeiro e importante passo para institucionalizar as boas práticas do IUPERJ que já estão em curso. Outro passo  necessário é envolvermos a sociedade de forma ampla nesse debate, especialmente no momento de estabelecer as metas de pesquisa da futura OS, na cobrança de transparência dos recursos.

Por fim, não é demais frisar a importância desse debate acerca do IUPERJ para o recorte que nos interessa, que é o da juventude. As questões da pós-graduação, da ciência e tecnologia, da produção de conhecimento são momentos chaves de um projeto de desenvolvimento nacional, popular e democrático que de fato inclua a juventude, rompendo com o circulo vicioso estruturado pelo neoliberalismo de submeter os jovens ao desemprego e à violência.

Manter vivo o IUPERJ só vai ser uma tarefa exitosa se envolver um conjunto maior de cidadãos, ativistas, militantes, que pautem o problema da educação e do conhecimento de forma realmente democrática. E isso só ocorrerá com uma mobilização forte da juventude, principal setor interessado na ampliação e massificação desses direitos. De positivo, fica o registro de que essa mobilização já se iniciou. Os estudantes do IUPERJ estão intervindo nesse debate, a Associação Nacional de Pós Graduação (ANPG) e a União Nacional dos Estudantes (UNE) deram total apoio ao movimento para salvar o IUPERJ.

Josué Medeiros é historiador e mestrando do IUPERJ