Covid-19: o isolamento ainda é o melhor remédio

Pelo mundo inteiro, o desafio de combater a pandemia de COVID-19 tem levado cientistas e pesquisadores a redobrar esforços na busca de uma vacina comprovadamente eficaz contra o vírus. Enquanto a ciência e governos correm contra o tempo, a doença já infectou mais de 5 milhões de pessoas, tendo levado 328 mil à morte, além de espalhar uma crise econômica que se projeta mais grave que a de 1929.

As notícias mais promissoras e recentes provêm da empresa norte-americana Moderna, que teria encontrado resultados positivos a produzir anticorpos em um pequeno grupo de pessoas testado, e da universidade inglesa de Oxford, que já tinha um estudo em andamento a partir de outro tipo de coronavírus, o causador da Mers. Contudo, ambas as tentativas já foram alvo de críticas da comunidade científica e não possuem, até o momento, certeza de eficácia.

Os melhores resultados nessa guerra continuam vindo do trabalho de prevenção e contenção do contágio, através de medidas de higiene e de isolamento social. O exemplo mais emblemático nesse particular talvez seja o do Vietnã, país pobre e populoso (quase 100 milhões de habitantes) do sudeste asiático, que se antecipou ao alastramento da doença e, já nas primeiras notícias de casos, adotou o lockdown como forma de quarentena.

Com dificuldades para construções de novos hospitais e expansão de leitos, o Vietnã recrutou milhares de pessoas para rastrearem em suas comunidades os possíveis infectados para promover o isolamento. De certa forma, é como se as equipes de estratégia de saúde da família do SUS, que conhecem e têm a confiança dos moradores de suas localidades, tivessem focado na detecção e contenção do vírus desde o primeiro momento. O resultado é assombroso: 324 casos detectados e nenhuma morte.

Outros países também têm obtido resultados exitosos em controlar a disseminação do vírus, como Taiwan (440 confirmados e 7 mortos), Coreia do Sul (11.122 e 264) ou mesmo vizinhos sulamericanos, como a Argentina (9.283 e 403) e Paraguai (833 e 11). Isso sem falar da própria China, que conteve o surto e ainda tem auxiliado outros países com equipamentos e profissionais.

Brasil, um case de fracasso

A realidade brasileira, infelizmente, é catastrófica: estão confirmados 291.579 casos e 18.859 mortos até 20 de maio. Os números oficiais, mesmo com a subnotificação, uma vez que não é realizada testagem em massa, colocam o Brasil como a terceira nação do mundo em número de doentes.

A estratégica do governo federal, que levou o Brasil a ser um case global de fracasso, combina o negacionismo anticientífico e a não aceitação dos protocolos da OMS, o conflito político permanente e a busca pelo fim do isolamento social a todo custo. Seguindo tal receita, Jair Bolsonaro consolidou a imagem de pária e é considerado um aliado do vírus por diversas publicações internacionais.

O cenário só não é ainda pior porque, segundo decisão do Supremo Tribunal Federal, cabe aos estados e municípios a competência para adotar ou relaxar a quarentena. Dessa forma, a maioria dos governos estaduais têm ignorado os apelos do presidente pela retomada das atividades.

Ao contrário, diversos locais passaram à adoção de medidas mais restritivas de circulação, até como resposta à decrescente adesão popular ao confinamento. A explicação é que, ao diminuir o ritmo de propagação do vírus – o tal “achatar a curva” -, torna-se possível ao poder público ampliar as redes de atendimento e o quadro de profissionais, construir hospitais de campanha, ampliar os leitos de UTI e adquirir equipamentos, sem o que o sistema entra em colapso.

Medidas restritivas e lockdown

Relatórios divulgados pela Fundação Oswaldo Cruz e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) recomendaram a adoção chamado lockdown ou fechamento total no território fluminense, medida que, segundo a FioCruz, deveria ser acompanhada de “reestruturação e instalação de serviços de saúde emergenciais em localidades populosas e com maior vulnerabilidade social; transferência de renda; ações de segurança alimentar e nutricional; proteção ao emprego; acesso a água e saneamento; apoio e reforço às medidas de limpeza e higiene”, entre outras indicações que contemplam inclusive a população carcerária, em geral desassistida antes e durante a pandemia.

No Maranhão, na região metropolitana de São Luís, o lockdown foi decidido pela justiça, em harmonia com o governador Flávio Dino. Os primeiros resultados se mostraram positivos. Em reportagem do Jornal Nacional, em 20 de maio, logo após o levantamento do bloqueio, a secretaria estadual de saúde afirmou que o número de casos, que vinha dobrando a cada 2 dias, agora o faz a cada 5; e que houve redução de 74% nas confirmações após o lockdown, de 9 mil casos antes para 2.400 após.

Em Fortaleza, no Ceará, o terceiro estado mais afetado no país, o bloqueio foi adotado e seguirá até o fim do mês de maio. A região de metropolitana de Recife, em Pernambuco, também aderiu à medida e atingiu índices de isolamento de 66%.

Em São Paulo, como forma de ampliar o isolamento social, a prefeitura da capital e o governo do estado aprovaram leis para antecipar feriados, o que fez com que os dias de 20 a 25 de maio virassem feriado prolongado. O prefeito Bruno Covas e o governador João Dória, no entanto, já afirmaram que se as medidas não forem suficientes para ampliar a reclusão, estão dispostas a decretar o lockdown, se assim for a orientação das autoridades sanitárias.

Por outro lado, há exemplos de cidades que voltaram à normalidade das atividades e experimentaram a alarmante ampliação dos casos de coronavírus. Ficou célebre o ocorrido em Blumenau, que reabriu o comércio – inclusive um shopping center com filas na entrada e saxofonista recepcionando os clientes – e dias depois contabilizou aumento de 173% nos casos da doença.

Já se passaram mais de 2 meses desde que o primeiro infectado foi registrado no Brasil. Agora, as autoridades sanitárias já especulam que o vírus circulava no país, sem ter sido detectado, desde fevereiro. Há divergência entre os especialistas se foi ou quando será atingido o pico de contágio, a partir do que se iniciaria a descida da ladeira. Mas há um consenso ao qual só não aderem os terraplanistas da medicina: contra a pandemia de Covid-19, por enquanto o isolamento ainda é o melhor remédio.

Fernando Borgonovi, jornalista

Fique ligado: A ANPG fará um debate sobre as evidências científicas na resposta ao coronavírus no dia 22/05, às 17h. Acompanhe pelo canal da ANPG no youtube (youtube.com/TVANPG).