Produção de Conhecimento: Renúncias e Filiações

Por Hercília Melo do Nascimento

O desenvolvimento tecnológico, artístico e cultural como prerrogativas importantes para a soberania de um país e emancipação humana, confere a necessidade de reconhecer o protagonismo dos pesquisadores e de exigir responsabilidades do Estado frente à ciência. A carta aberta à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) em defesa da liberdade acadêmica e das ciências humanas e sociais mobiliza reflexões acerca do processo de formação do pesquisador, inclusive na pós-graduação e constituição de sujeitos no processo de construção do conhecimento.

Ao tornar explícitosos acúmulos e percepções, o nascedouro de uma pesquisa carrega consigo afinidade investigativa e coerência com o universo vivido do pesquisador. Uma pesquisa é, sobretudo, uma opção intencional imbuída de questionamentos e anseios. Considerando “a formação uma tarefa socialmente necessária, ela deve guardar para com a sociedade compromissos ético-políticos” (CECCIM; FEUERWERKER, 2004, p. 49).

Nesse sentido, o caminho percorrido pode guardar relação com o pertencimento ao campo de pesquisa, a trajetória da formação inicial e,por conseguinte, a definição do temanão se estabelece de modo totalmente imparcial. É preciso compreender que a produção de conhecimento mobiliza diversos arcabouços teórico-metodológicos para circunscrever objetos, sendo necessárias filiações e escolhas. Kohl (2013) enaltece a relação de interdependência com o objeto de estudo, desde que se processe controle em meio a marcos conceituais de um arcabouço teórico para a compreensão das forças sociais.

As discussões nas ciências sociais e humanas contêm objetos científicos socialmente importantes e diversificados, dialogando com a realidade que precisa ser apreendida de ângulos imprevistos, inclusive, podendo ter suas abstrações convertidas em respostas práticas.

Desse modo, democraticamente, as filiações dos pesquisadores e grupos de pesquisa podem conter pressupostos epistemológicos marcados de subjetividade, na pretensão de buscar respostas e formular explicações, mesmo que provisórias, sobre modos com que se configuram as relações sociais.

Controlar a interinfluência da experiência para torná-la um guia de suas reflexões é imprescindível a todo cientista social no processo de modelagem como “artesão intelectual” (MILLS, 1959, p. 212), numa expressão de sabedoria ao aliar a vida de forma permanente no seu trabalho.

As ciências sociais e humanas, ao buscar a produção científica de diferentes abordagens metodológicas e defender investimentos para as diversas áreas de conhecimento, sugerem, ao mesmo tempo, achados empíricos e produtos teóricos quanto à superação de dicotomias, especialmente entre objetivismo e subjetivismo. Assim, as ciências sociais e humanas buscam rupturas com ideais tradicionais de ciência,numa luta pela renovação dos campos do conhecimento.

Na atualidade, pesquisadores “garimpeiros” estão sendo convocados à realização de trabalhos sem as amarras da formação e com desenhos teórico-metodológicos inovadores, no sentido de contribuir para a elevação do pensamento humano (SOUZA, 2009). A oportunidade de vivenciar a pós-graduação como locus de criação e experimentação responde aos desafios na formação de agentes com condições imateriais distintas, com apreensões do mundo a partir das relações estabelecidas, intensidade e experiência obtida.

Conferindo-se a educação permanente como desafio para gestores e instituições, os processos pedagógicos precisam, portanto, contribuir na construção de instrumentos que se contraponham à reprodução das hierarquias presentes nas áreas de conhecimento.Assim, através da valorização das abordagens escolhidas pelos pesquisadores em seus estudos e da formação de recursos humanos mais autônomos, será possível nos associarmos à recorrência de novas metodologias e a demanda por diversas formas de leitura da realidade, abrindo espaço não apenas para as ciências exatas e da natureza, mas reiterando que cada época deve realizar ciência concatenada aos seus próprios anseios. Renunciar amarras amplia caminhos.

Referências:

CECCIM, R. B; FEUERWERKER, L. C. M. O Quadrilátero da Formação para a Área da Saúde: Ensino, Gestão, Atenção e Controle Social. Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, V.14, n. 1, p. 41-65, 2004.

KOHL, Henrique Gerson. Educação e capoeira: figurações emocionais na cidade do Recife-PE-Brasil. 2012. 390 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2012.
MILLS, C. W. A Imaginação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1959.

SOUZA, E. F. Histórias e Memórias da Educação em Pernambuco. Recife: EDUFPE, 2009.

Hercília Melo do Nascimento é doutoranda em educação pela Universidade Federal de Pernambuco e ex-diretora da Associação Nacional de Pós-Graduandos – ANPG.

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