Pós-Graduação à distância: insensibilidade, desigualdade e precarização na pandemia

Ana Carolina Murad Lima
Doutoranda no PPG Engenharia de Sistemas Agrícolas ESALQ-USP
Coordenadora Geral APG ESALQ-USP

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A situação da pandemia Covid-19 tem afetado a todas e todos brasileiros, impactos imensamente agravados por Bolsonaro e sua trupe. Impactos na rotina de quem entrou em quarentena, impactos na saúde física e mental daqueles que não tiveram esse direito garantido, fortes impactos financeiros para os autônomos, para mães e pais que agora tem seus filhos em casa o dia todo, para pessoas com parentes do grupo de risco. Além disso, a imensurável dor e tristeza daqueles que perderam pessoas próximas e mal puderam se despedir. Todos vivemos em uma atmosfera de medo, ansiedade e desconforto. Ir ao mercado exige planejamento e cuidado. Ir ao trabalho gera medo de contaminação. Ficar em casa gera preocupação com os que estão saindo por nós, além da ansiedade e melancolia do isolamento social.

E é em meio a esse cenário completamente aquém da nossa normalidade que se explicita, de forma cada vez mais escancarada, o descaso do Estado, a falta de suporte aos trabalhadores e às trabalhadoras que esperam sem retorno o pagamento do auxílio emergencial, àqueles que tiveram o auxílio recusado, àquelas que agora não tem mais a garantia dos seus empregos enquanto durar a pandemia e à falta de comprometimento com a qualidade e acesso à educação para os estudantes.
Algumas universidades interromperam as aulas e garantiram mais prazos aos estudantes de graduação e pós-graduação, mas mesmo estas já sinalizam retorno às atividades de forma remota. Como retomar as atividades remotas quando sabemos que as condições socioeconômicas não permitem a todos o mesmo acesso ao conteúdo, quando sabemos que muitos dos estudantes estão sem acesso à internet ou com uma conexão precária, quando entendemos que as situações colocadas no início deste texto afetam a todas e todos ainda que de formas diferentes? Nós sabemos a resposta. Essas decisões são tomadas de forma díspar, sem diálogo com o corpo discente e docente, com a única preocupação de atender a lógica produtivista, elitista e meritocrática. A mesma lógica que passa por cima das vidas perdidas para continuar enviando as massas ao trabalho, a mesma lógica que sucateia o SUS para privatizar leitos, a mesma lógica que resistiu ao adiamento do ENEM por que só quer que acessem a universidade aqueles mesmos que podem pagar por um ensino de qualidade enquanto o sucateamento da educação pública segue a todo vapor.
Essa lógica atinge os pós-graduandos já há muito tempo quando não reajustam nossas bolsas, nosso salário, e não fornecem recursos para nossas pesquisas de forma a justificar o financiamento privado que faz muito bom uso da nossa mão de obra qualificada e barata. A mesma lógica de mercado que em seguida não absorve grande parte dos mestres e doutores formados, deixando um quarto desses desempregados. É essa lógica que nos empurra para o ensino a distância sem garantir a qualidade do ensino. Que nos impele a continuar nossas pesquisas com a concessão de prazos, mas sem garantir a prorrogação das bolsas que viabilizam a nossa permanência na pós-graduação.
Portanto, quando nos posicionamos contra o dito “ensino a distância”, que muito tem de distância entre as possibilidades de acesso e pouco tem de ensino, nos posicionamos sim contra a disparidade no acesso, contra a falta de sensibilidade diante do momento em que vivemos e contra o sucateamento da educação, ciência e tecnologia no nosso país. Mas, principalmente, nos posicionamos contra a raiz de todos esses problemas, contra a lógica de produção capitalista.