CARTA DE DISCENTES DA UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO EM APOIO À ALUNA DA PÓS-GRADUAÇÃO VÍTIMA DE TENTATIVA DE ESTUPRO E RESPOSTA À CARTA DA PROPPG DA UFRRJ

Nós, discentes da Pós-graduação e graduação da UFRRJ, através de
representantes discentes, diretórios, coletivos e centros acadêmicos
infra-assinados, declaramos nosso total apoio e solidariedade à estudante da
Pós-Graduação que sofreu uma tentativa de estupro em seu alojamento feminino,
ocorrida no dia 28/03/2021.
Em tempos em que o patriarcalismo e a desigualdade imperam, causando
múltiplas crises, bem como frequentes medidas que atacam direta e
concretamente mulheres, negros, indígenas e diversos grupos sociais, surge a
necessidade de um novo nível de organização e luta de resistência.
Considerando que a violência de gênero está enraizada na estrutura institucional da
sociedade capitalista, é urgente falar desse assunto de forma assertiva. Desse
modo, nossas vozes precisam ser ouvidas, já que, infelizmente, a realidade não se
mostra tão simples como é apresentado na carta aberta escrita pela PROPPG e
emitida no dia 29/03/2021. Por isso, viemos tornar explícitas as nossas demandas
no que se refere ao alojamento em pauta. Visto que é importante somar forças na
luta contra a violência que ataca a vida feminina, o nosso objetivo é fortalecer
nossos laços para enfrentarmos as atitudes desumanas impostas às mulheres e
contribuir juntamente com a nossa Universidade, para que se construam
procedimentos específicos de acolhimento desses casos.
Primeiramente, reiteramos a importância de, em função do ocorrido, ter havido a
ação imediata realizada pelas alojadas (manifesto no dia 28/03/2021 e circulação de
um abaixo-assinado on-line). Afinal, ela é resultado de anos de angústia, desamparo
e impotência de reagir diante da falta recorrente de segurança, da qual estão
cientes a comunidade acadêmica e a comunidade externa à Universidade Rural
Compreendemos o momento político delicado pelo qual esta instituição e o país
estão passando, bem como as limitações existentes quanto aos recursos financeiros
disponíveis, e sabemos que esta situação política e econômica afetou a ação da
UFRRJ de maneira imediata para atender às nossas demandas de falta de
segurança. Contudo, acreditamos que divulgar o caso e chamar atenção para as
nossas exigências é urgente no sentido de buscarmos ajuda fora da Universidade,
tendo em vista a incapacidade orçamentária que a abate.

Em função disso, apoiamos as seguintes ações das alojadas:
1) a divulgação das demandas de segurança pedindo ajuda à sociedade;
2) a criação de uma vaquinha on-line, onde foi apresentado o orçamento para a
construção de uma cerca no valor estimado de R$ 20.000,00 (vinte mil reais)1
contando com o apoio da sociedade como um todo.

É importante informar que após isso, mais suporte se somou, especialmente vindo
dos moradores e da Associação do Bairro Ecologia, que doaram câmeras e suas
devidas instalações, além de alguns mourões, arame farpado e mão-de-obra para
um dia. Visto que esses resultados foram alcançados em um dia após a divulgação,
temos a certeza do apoio à nossa universidade pela população local, sendo
importante continuar expandindo tal apoio;

3) Um abaixo-assinado de apoio as demandas das alojadas que já conta com
mais de 17.000 assinaturas on-line em apenas 6 dias.

Link: http://chng.it/H77PJXyd
1 Disponível em:
https://www.vakinha.com.br/vaquinha/construcao-cerca-alojamento-pos-graduacao-ufrrj?fbclid=IwAR
3t076eJtqA-YaZnDYvLFGTKQ8t2J_2ADVnW069YB0VYwJI6VRbPRMIW1w

Isso não minimiza a importância da institucionalidade da nossa Universidade. Nós,
estudantes da pós-graduação e graduação, reconhecemos e agradecemos pelas
melhorias na estrutura interna do alojamento, através do setor de manutenção, por
meio de reformas da eletricidade, hidráulica e pinturas. O profissionalismo e
compromisso demonstrado através dos profissionais que estão realizando as
reformas são inegáveis.
Contudo, as providências apresentadas em carta pela Pró-Reitoria de Pesquisa e
Pós-Graduação da UFRRJ não contribuem para a solução efetiva dos problemas
apresentados, tampouco explicitam de maneira precisa acerca de como pretendem
cumprir tais propostas. Portanto, pontuamos aqui o que de fato se relaciona com
as demandas que já são exigidas constantemente pelas discentes em questão,
tendo por finalidade a garantia de segurança, acessibilidade e infraestrutura
específica para tal.

Do aspecto das ações tomadas pela PROPPG:

“2) A PROPPG informou que irá enviar nota as Coordenações, com vistas aos
Orientadores, no sentido de todo o suporte seja dado para que as discentes
possam suspender quaisquer atividades de pesquisa ou outras presenciais,
que estejam sendo executadas na UFRRJ e, desta forma estejam impondo a
sua permanência no alojamento.”
Em primeiro lugar, a suspensão das atividades de pesquisa dessa e de outras
alunas na mesma situação não deveria ser uma alternativa para solucionar um
problema que envolve violência, sendo antiga a demanda de todas nós por
segurança. É um direito exercer os nossos trabalhos como estudantes da
Pós-Graduação sem nos colocarmos nesse tipo de risco.
Em segundo lugar, é totalmente injusto e inválido que essa alternativa de
suspensão das atividades de pesquisa seja igualmente imposta para estudante
vítima, ou para as demais, de violência ocorrida no campus da UFRRJ, já que há
dados da realidade tanto da vida acadêmica quanto da vida de cada uma que
justificam a estadia delas (muito plausíveis, ainda que no contexto atual da
pandemia). Não queremos que o nosso direito de estudar e alcançar bolsas seja
institucionalmente negado e, muito menos, que os nossos corpos sejam violados.
Em terceiro e último lugar, ressalta-se que o calendário da universidade Rural e o
calendário da CAPES estão incompatíveis, uma vez que os prazos da CAPES não
levam em conta as medidas de lockdown tomadas pela universidade. Além disso,
há outro questionamento diante da alternativa de suspensão das atividades: a
bolsa dessa/dessas estudantes será mantida? Há um prazo? Sendo assim, é
preciso considerar que as estudantes de menor poder aquisitivo acabam
precisando dar continuidade aos seus trabalhos, por medo de que não se torne
possível no futuro.

“4) A PROPPG reiterou a disponibilidade de suporte para que as discentes
ainda alojadas retornem às suas residências de origem, na forma de
passagens e transporte terrestre, ressaltando mais uma vez a importância
desse retorno.”
Como dito anteriormente, a realidade não é tão simples como parece. De fato, o
aspecto financeiro impossibilita muitas discentes de retornarem às suas
residências de origem. Contudo, esse fator não é o único. Vale destacar que
muitas estudantes têm o alojamento estudantil da universidade como moradia
única, tendo em vista os diversos contextos que podemos encontrar na dimensão
da universidade, tais como: relação familiar que não dá espaço para o estudo ou
constitui relações abusivas; ou sentimento de não pertencimento ao ambiente
familiar; ou não aceitação da família no caso da comunidade LGBTQIA+.
Além disso, ainda há carências de ordem material, relacionadas aos aparatos
tecnológicos e de acessibilidade à internet, devido à vulnerabilidade econômica
que muitos discentes apresentam. É visível que as ações sugeridas pela PROPPG
não são verdadeiramente pensadas para SOLUCIONAR os problemas específicos
a que foi convocada nesse sentido e, muito menos, os relacionados a estupros,
tentativas de estupros, abusos, assédios e violências no geral contra as estudantes
da UFRRJ.

“7) A PROPPG irá reiterar junto a DGV o pedido de vigilância, com maior
frequência, para a casa de hóspedes da CORIN e também o alojamento
feminino, bem como verificar a possibilidade de instalação de câmeras
externas na casa de hóspedes.”
É fundamental a presença da guarda universitária no alojamento feminino e na
casa de hóspedes da CORIN, apesar de tal função não ter sido cumprida mediante
a contratação nos quadros das universidades federais, tendo em vista a sua
extinção. Entretanto, é necessário mencionar a proteção da segurança das
discentes. Portanto, consideramos que rondas frequentes e a disponibilização da
guarda, com o devido treinamento, próxima ao alojamento em turnos extensos são
medidas essenciais para as alunas. Ressalta-se a indispensabilidade de vigilância
pelo percurso de 1,9 km entre o alojamento e o Pavilhão Central da UFRRJ (P1) e
os demais percursos realizados de forma alternativa.
No que concerne à aquisição e utilização de câmeras de segurança, tal medida se
mostraria eficaz com o devido acompanhamento da autoridade responsável, de
maneira que venha a garantir a vigilância e a qualidade de imagem necessárias.
Cabe frisar que os problemas de iluminação na universidade têm por consequência
a inutilização das imagens ou até mesmo a não gravação de diversos fatos,
constituindo um problema frequente na UFRRJ que reflete na insegurança do corpo
estudantil diante dos casos de violência no campus. Assim, é imprescindível dizer
que a iluminação é de suma importância para a preservação do patrimônio, mas é
de extrema importância em relação a segurança/ vida das discentes.
As mudanças mencionadas no tópico não devem ser executadas tão somente na
casa de hóspedes da CORIN, por se tratar de uma medida excepcional e temporária
tomada pela universidade. Deve-se, portanto, ser estendida ao alojamento da
Pós-Graduação, localizado no bairro Ecologia.
É primordial que a UFRRJ ofereça garantias para assegurar que o alojamento das
discentes da Pós-Graduação não será fechado, visto que o espaço destinado aos
hóspedes de mobilidade internacional não comporta a quantidade de vagas
necessárias para as estudantes de Pós-Graduação atualmente. Ademais, tal
providência é contrária à manutenção das estratégias de isolamento social para a
prevenção e a contenção do contágio por COVID-19.

“8) A PROAES irá auxiliar com apoio psicológico à discente vítima e também
as demais, bem como apoiar as ações de transporte para retorno das
discentes às suas residências.”
Aqui, surgiram vários pontos soltos e muita falta de esclarecimento. Afinal, apenas
apoio psicológico e de retorno a residências? Temos dentro da universidade a
deliberação N°58 de setembro de 2019, que fala sobre a Política de Acolhimento às
Pessoas em Situação de Violência na UFRRJ e com fixação de diretrizes sobre o
seu funcionamento. Será que a atuação da Universidade e a forma que lidou com a
“resolução” do problema condiz com a deliberação mencionada acima?
Qual o entendimento da PROAES em relação a acolhimento? Em ações políticas
durante as eleições para a gestão da UFRRJ/2021-2025 , foi campanha da atual
gestão a criação de uma Secretaria de Gênero e Diversidade para atuar mais
efetivamente no combate e no acolhimento de violências. Gostaríamos de saber se
já está atuando a Secretaria de Gênero e Diversidade? Se sim, porque se
ausentou? Se não, o que a Universidade está esperando para criar tal secretaria
que consideramos tão importante para ajudar em casos como o exposto aqui e que
foi promessa da chapa atual? Estamos tratando de circunstância mais que urgente!
Exigimos, portanto, posicionamentos assertivos e coerentes na tentativa de
minimizar e solucionar os casos de violência relatados contra as estudantes da
UFRRJ. As propostas apenas paliativas custam a nossa saúde física, mental e
emocional, uma vez que as tentativas de estupro são recorrentes quando
persistem as carências de segurança no acesso aos alojamentos. Vale destacar
que as nossas demandas urgentes por iluminação, câmeras de segurança e
equipes de guarda diurno e noturno antecedem o contexto da pandemia. Sendo
assim, exigimos que a PROPPG comprometa-se a solucionar a questão de
insegurança das estudantes alojadas de forma direta e incisiva, ao contrário de
evitar os vários problemas estruturais e o atraso na institucionalização do
alojamento, enquanto responsabiliza incoerentemente o corpo estudantil pela sua
permanência no campus. Reafirmamos que, infelizmente, o regresso às
residências familiares não é uma possibilidade para muitos estudantes pelos
motivos acima mencionados.
Solicitamos, por fim, que as nossas demandas referidas saiam do campo do ideal e
se tornem soluções práticas a partir de encaminhamentos, apresentados por esta
instituição, já que nos dispor a reuniões durante anos não trouxe avanços
significativos.
A ineficácia das leis, que tanto se declamam e pouco se empregam, nos coloca
novamente na busca de nós por nós mesmas: pelo nosso bem-estar, pela nossa
vida e pelo nosso acolhimento, para que nossas vozes se sobreponham a tanto
silêncio. A situação exposta não se trata de um caso isolado. Por isso, aqui
estamos novamente, e esperamos que com isso outras não se calem.
Reforçamos novamente a importância do processo de institucionalização do
alojamento da Pós-graduação pois só a partir dessa institucionalização, a captação
de recursos e os processos burocráticos serão menos problemáticos.
Por fim, consideramos que a situação exposta coincide com um dos objetivos
institucionais de nossa universidade que é garantir o bem-estar digno e adequado
aos estudantes. Estamos dispostos para construir a solução conjuntamente. Afinal,
não há contradição em sermos contra toda forma de violência, lutar pela defesa da
dignidade e dos direitos das mulheres, ao mesmo tempo que defendemos a nossa
Universidade.

Rio de Janeiro, 07 de abril de 2021.

ASSINAM:
Diretório Central dos Estudante – DCE
Representação Discente dos Órgãos Colegiados Superiores – CONSU e CEPE
Representação Discente do PPGCAF
Representação Discente do PPGF
Representação Discente do PPGGEO
Representação Discente do PPGCTIA
Representação Discente do PPGCTA
APOIAM:
Associação Nacional de Pós- Graduandos- ANPG
Associação de Pós-graduandos da UERJ
Associação de Pós-graduandos da UFF Marielle Franco
Associação de Pós-graduandos da UFRJ
Centro Acadêmico de LEC;
CAPAC (Direito – IM);
Centro Acadêmico de Letras Carolina Maria de Jesus (IM);
Diretório Acadêmico Arnaldo Bittencourt (Engenharia Química);
Diretório Acadêmico Paulo Affonso Leme Machado (Direito – Seropédica);
Diretório Acadêmico de Geografia (DAG);
Centro Acadêmico de Ciências Sociais;
Diretório Acadêmico de Engenharia de Materiais (DAEM);
Diretório Acadêmico da Física (DAFIS);
Diretório de Economia (DAECO);
Centro Acadêmico de Ciências Sociais (CACS);
Centro de Estudos Agronômicos (CEA);
Diretório Guilherme Hermsdorff (DAGH-Medicina Veterinária);
Centro Acadêmico de Engenharia Florestal (CAEF);
Diretório Acadêmico de Engenharia de Alimentos ( DEAL);
Coletivo Pontes de Diversidade Sexual e Gênero;
Coletivo Pretos da Vet;
Movimento Me Avisa Quando Chegar (MAQC);
Coletivo de pais e mães da UFRRJ (COPAMA);
Diretório Acadêmico Tamires Suriel (DAHis);
Coletivo Dinalva de Oliveira;
Diretório Acadêmico Raimundo Ferreira (DARF);
Centro Acadêmico Marilda de Souza- Licenciatura em Educação do Campo (LEC);
Centro Acadêmico dos Estudantes de Filosofia (CAFIL)
Coletivo de Pessoas com necessidades específicas (PNE);
Diretório Acadêmico de Farmácia Diogo de Castro (DAF-DC);
Diretório Central dos Estudantes (DCE);
Meninas do Radium – UFRRJ;
Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro (SINTUR);
Diretório Acadêmico de Arquitetura e Urbanismo (DAAU);
Diretório Acadêmico de Engenharia Agrícola e Ambiental- (DEAGRI);
Centro Acadêmico dos Estudantes de Filosofia – (CAEFIL);
União Estadual dos Estudantes- ( UEE)
União Brasileira de Mulheres Seropédica – (UBM)