Crítica ao Programa de Governo de Aécio Neves

Por Wellington Pinheiro dos Santos*

*Engenheiro Eletrônico, Mestre em Engenharia Elétrica pela UFPE (2003), Doutor em Engenharia Elétrica pela UFCG (2009), Professor Adjunto do Departamento de Engenharia Biomédica da UFPE desde 2010.

III. Economia
III.I. Ciência, Tecnologia e Inovação
As diretrizes para as áreas de Ciência, Tecnologia e Inovação apresentadas no Programa de Governo do candidato Aécio Neves do PSDB estão praticamente todas contempladas no documento “Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação 2012-2015 / Balanço das Atividades Estruturantes 2011” (ENCTI), do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), 2012, editado e organizado pela Secretaria Executiva do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, com apoio do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE).

1. O programa, na sua diretriz 1, apresenta como proposta a criação de um Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, claro e com governança bem definida, acompanhado pelo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia – CCT. Essa discussão já vinha sendo travada desde o segundo governo Lula, tendo culminado na construção, em 2012, da Plataforma Aquarius, desenvolvida pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, que tem como objetivo prover uma infraestrutura para governança digital que permitisse a difusão das políticas públicas brasileiras em Ciência, Tecnologia, Inovação e Educação, bem como das informações estratégicas do ministério e de suas unidades e agências vinculadas, tais como os principais programas, projetos, recursos como bolsas e outros. A Plataforma Aquarius está também bem descrita em anexo do documento ENCTI. http://aquarius.mcti.gov.br/app/home/

2. As diretrizes 2-9 e 11-14 do Programa de Governo do PSDB estão presentes já no Capítulo 1 do documento ENCTI. As diretrizes 15 e 16 estão contempladas no Capítulo 2, “Balanço das Atividades Estruturantes 2011” do mesmo documento.

3. A diretriz 6 do Programa de Governo do PSDB repete a crítica ao ainda baixo nível de investimento em CT&I no Brasil, 1,2% do PIB, presente no documento da ENCTI, e estabelece como meta atingir 2% do PIB até 2020. Entretanto, o documento ENCTI indica que o percentual de 1,19% do PIB é na verdade de 2010, tendo os investimentos nacionais em P&D atingido já 1,80% neste ano de 2014, sendo que, de 2010 a 2014, os investimentos do setor privado cresceram de 0,56% a 0,90% do PIB, enquanto o dispêndio público foi de 0,62% a 9,90% do PIB, correspondendo o investimento do governo federal de 0,43% a 0,65% do PIB.

4. É importante destacar os eixos de sustentação da ENCTI, presentes no Capítulo 1 do documento, mostram que, de 2010 a 2014, os seguintes indicadores apresentaram elevado aumento:

Indicador 2010 2014
Taxa de inovação das empresas 38,6% 48,6%
Número de empresas que fazem P&D contínuo 3425 5000
Percentual de empresas inovadoras apoiadas por programas governamentais 22,3% 30%
Número de técnicos e pesquisadores envolvidos em P&D nas empresas 58046 80000
Número de bolsas CNPq de todas as modalidades concedidas 84000 120000
Número de bolsas CNPq de mestrado concedidas 11150 14000
Número de bolsas CNPq de doutorado concedidas 9500 15000
Percentual de concluintes das engenharias 5,9% 11,8%
Número de campi universitários com infraestrutura de pesquisa 303 900

5. A diretriz 10 do Programa de Governo do PSDB, que trata da ampliação do Programa Ciência sem Fronteiras para inclusão de professores e pesquisadores é por demais genérica, sendo já atendida pelo programa com o apoio aos estágios de pós-doutorado.

III.II. Comércio Exterior
O Programa de Governo do PSDB se propõe a reduzir e simplificar os processos burocráticos associados ao comércio exterior, envolvendo desde os procedimentos das aduanas à regulação e certificação de produtos por parte do INMETRO e do INPI. O programa propõe ainda a redução dos custos associados à exportação.

No entanto, o programa aponta nas suas diretrizes certas decisões que contribuiriam para a perda do papel do Brasil de protagonista no plano internacional, quando afirma que serão reavaliadas as relações comerciais com países como a China, expressa textualmente e apontada como ameaça, e outros, o que parece uma clara referência à retirada do Brasil dos BRICS. O programa afirma ainda que deverão ser concluídas parcerias com o que seria considerado o principal bloco comercial para as exportações brasileiras: a União Europeia. Afirmam ainda as diretrizes programáticas do PSDB que o Brasil deverá fazer um acordo comercial preferencial com os Estados Unidos, o que claramente traz de volta a ameaça da ALCA, afastada no primeiro governo Lula, que poderia trazer consequências profundamente danosas para a produção industrial e agrícola brasileira, como se pode perceber a partir dos acordos comerciais que o Chile de Pinochet fez com os Estados Unidos, e com a experiência do México com o NAFTA, que implicou em forte processo de desindustrialização.

III.III. Desburocratização – Simplificação
O Programa do PSDB aponta diversas diretrizes onde é atacada uma suposta cultura de burocratização e faz afirmações genéricas a respeito da necessidade de simplificação dos processos e redução da burocracia. Aqui predominam as frases de efeito, sendo o conteúdo escasso a respeito de que medidas efetivamente seriam tomadas para redução da burocracia, o que abre espaço para conjecturas a partir da experiência do governo Fernando Henrique Cardoso, de simplificação e desburocratização como terceirização, ausência de transparência e precarização de serviços públicos.

III.IV. Desenvolvimento Regional
Aqui as diretrizes programáticas novamente se reduzem a frases de efeito e afirmações vagas, mas que não se sustentam à comparação com o que efetivamente já foi realizado pelo governo Lula e está sendo feito pelo governo Dilma, que efetivaram claras e eficientes políticas que favoreceram o desenvolvimento local e regional, com prioridade para as regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste, o que se expressa tanto em políticas públicas e investimentos diretos em infraestrutura e crédito nessas regiões prioritárias quanto na prioridade de 30% dos recursos de editais do CNPq e da FINEP de promoção da CT&I para as regiões citadas.

III.V. Empreendedorismo
As diretrizes programáticas do Plano de Governo do PSDB aqui apontam para muitas medidas que já são parte da prática do governo federal, por meio da a Lei 10.973, de 2 de dezembro de 2004, conhecida como Lei da Inovação, que dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo.

Quanto à proposta de componentes curriculares de empreendedorismo na educação básica, profissional e superior, esses já existem na educação profissional e superior desde antes do primeiro governo Lula, tendo resultado de amplos debates na sociedade civil organizada e no Congresso Nacional.

Já em relação à simplificação dos processos envolvendo patentes, medidas vem sendo tomadas, como a automatização de processos do INPI, com virtualização e disponibilização online de processos, visando a diminuição dos prazos e a simplificação para o inventor individual, como previsto na Lei de Inovação.

III.VI. Emprego e Renda
Novamente aqui as diretrizes programáticas do Plano de Governo do PSDB não apresentam novidade além da afirmação da necessidade de diminuição da rotatividade da mão de obra no Brasil e do aumento da produtividade, sem maiores detalhes para como se daria essa redução da rotatividade com aumento da produtividade sem precarização do trabalho. Ao mesmo tempo são reafirmadas políticas de emprego e renda dos governos Lula e Dilma, tais como as que contemplam a economia solidária e o incentivo ao cooperativismo e ao associativismo, bem como o que já está presente em iniciativas como o PRONATEC.

III.VII. Infraestrutura e Logística
Aqui as diretrizes programáticas do Plano de Governo do PSDB priorizaram fazer a crítica à execução de obras estruturais por parte do Governo Dilma em detrimento da apresentação de propostas concretas, mergulhando no lugar comum e em frases de efeito.

III.VIII. Política Agrícola
As diretrizes programáticas para Política Agrícola do Plano de Governo do PSDB, na sua maior parte, são uma reafirmação do que já vem sendo feito no setor. No entanto, há dois aspectos profundamente problemáticos que saltam aos olhos de quem lê de um ponto de vista progressista:

1. Total ausência de qualquer referência à Reforma Agrária e à produção familiar. É importante destacar que a produção da agricultura familiar é responsável pela produção de mais de 70% dos alimentos consumidos nos lares brasileiros, enquanto o agronegócio, ostensivamente privilegiado nas diretrizes do Plano de Governo do PSDB, prioriza a monocultura com fins prioritários de exportação.

2. O programa propõe a substituição da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, CNTBio, por um grupo de especialistas que tomariam decisão a respeito de biotecnologia. Isso é um claro retrocesso à participação social, abrindo espaço para que exista menor transparência e decisões do setor, o que poderia vir a beneficiar a entrada indiscriminada de transgênicos, agrotóxicos e outros elementos que poderiam vir a ameaçar a biodiversidade e a segurança alimentar e nutricional, por exemplo.

Quanto ao estímulo à agricultura de baixo carbono, o documento da ENCTI, no Capítulo 1, já prevê o estímulo à construção de toda uma economia de baixo carbono, não apenas a agricultura.

III.IX. Política Industrial
As diretrizes programáticas do PSDB referentes à Política Industrial, de 2 a 11, são ricas em lugares comuns e frases de efeito, já presentes muitas vezes na Lei da Inovação e no documento da ENCTI.

No entanto, a diretriz 1 é bastante preocupante. Nela se afirma a “Redefinição do relacionamento da indústria brasileira com o resto do mundo, por meio da integração do nosso parque industrial com a indústria global e com as cadeias globais de produção”. Isso lembra as consequências infelizes da adoção do NAFTA por parte do México, que “redefiniram” as relações do seu parque industrial por meio da integração subalterna da indústria mexicana à produção industrial dos EUA, com o México absorvendo os setores de baixa e média tecnologia, produção manual e, em sua maioria, simples montagem dos produtos que entram no país na forma de O&M (somente componentes), promovendo a substituição do seu parque industrial nacional pelas chamadas “maquiladoras”, montadoras de baixa tecnologia com mão de obra precarizada e sem espaço para a criação de novos produtos.

III.X. Política Macroeconômica
Este talvez seja a seção mais clara e previsível do Plano de Governo do PSDB, muito similar a tudo que foi experimentado nos governos Fernando Henrique Cardoso. Logo no seu preâmbulo, é afirmada a “Santíssima Trindade” da visão econômica neoliberal: o tripé macro composto por metas de inflação, superávit primário e câmbio flutuante.

A primeira diretriz já afirma a autonomia operacional do Banco Central, com meta de taxa de inflação de 4,5%. Essa abordagem claramente ameaça o desenvolvimento nacional, uma vez que parte do falso princípio de que a inflação seria devida principalmente ao aumento da demanda no mercado, sendo a principal medida para combater a inflação o aumento de juros, que torna o crédito mais caro e, portanto, exerce pressão sobre a demanda. Além de essa abordagem não considerar fatores naturais e aleatórios na determinação da inflação, tais como secas, enchentes, catástrofes naturais em geral e fatores diversos internos e externos ao país, dentre eles a crise internacional de 2008, que ainda perdura, ela é uma abordagem com potencial para a indução de crises recessivas, sendo prejudicial à produção industrial e ao setor de serviços.

Além disso, a plena autonomia do Banco Central é medida não republicana, pois minimiza a influência do Poder Executivo, democraticamente eleito, sobre um órgão fundamental para o desempenho da economia nacional, colocando-o sob a influência dos bancos privados e prejudicando a efetivação de importantes políticas públicas. Em sendo assim, em uma situação de plena autonomia do Banco Central, o Estado efetivamente recua em favor dos interesses privados, pois abre mão da efetividade de suas políticas, renuncia parcialmente ao planejamento, e entrega-se ao sabor do mercado financeiro.

As diretrizes 2 e 3 afirmam implicitamente o aumento do superávit primário, o que implica, na prática, diminuição do orçamento disponível para o Estado e maior garantia para pagamento de juros da dívida interna e, eventualmente, externa, em caso de vitória do projeto neoliberal. Isso tem impacto claro nos programas sociais diversos que existem no atual governo.

III.XI. Previdência Social
As diretrizes programáticas que tratam da Previdência Social no Plano de Governo do PSDB se limitam a afirmar a existência de um déficit no sistema previdenciário. As demais são frases de efeito e repetição de diretrizes já apresentadas nas seções de Emprego e Renda e Produção Industrial.

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