A Ciência e a Tecnologia podem funcionar sem Inovação?

carteira de estudante

Produzir, produzir e produzir.
Hoje no Brasil os pesquisadores vêm sendo colocados na posição de “gladiadores da ciência”, que devem buscar a todo custo recursos para custear as pesquisas. O financiamento estatal em nosso país ainda é a principal fonte de dinheiro para as pesquisas, que desde a década de 50 tem como fonte duas principais agências de fomento nacionais: a CNPq e a CAPES – minoritariamente por instituições privadas, e públicas estaduais e municipais. Devido aos cortes de verba das agências de fomento, consequência da crise do capitalismo que sufoca o orçamento do Estado, cada vez mais a guerra por recursos se acirra. Essa forma de fazer ciência deixa consequências prejudiciais aos pesquisadores e docentes universitários, principalmente àqueles que dependem destes recursos para sobreviver.
A produção livre, inovadora, comprometida com a situação social e tecnológica do país está com os dias contados. A alienação e a não identificação com o produto do trabalho atravessa a rotina dos pesquisadores, que constroem seus artigos, dissertações, apresentações, teses, resenhas, etc. como o operário que aperta parafusos em uma grande linha de montagem.
Surgem desse modo de produção textos requentados publicados em diversas revistas científicas, grupos de pesquisa nominais, ou seja, que funcionam para engordar o currículo Lattes dos pesquisadores.  As dificuldades aprecem principalmente para aqueles programas de pós-graduação mais ligadas ao pensamento crítico. O esforço qualitativo na produção de Ciência e Tecnologia está perdendo lugar para um esforço quantitativo, este que tem espaço garantido nas publicações em detrimento crescente das pesquisas qualitativas – consideradas “imprecisas” ou “custosas”. Má vontade dos pesquisadores em alimentar esse sistema perverso? Não. Necessidade para a própria sobrevivência e falta de uma perspectiva de saída.
Produtos e mais produtos precisam ser produzidos. Não importa se haverá leitores para tantos artigos, o importante é produzir mais e com menos dinheiro. A realização e gestão eficiente das tarefas na linha de montagem garantem a carreira do pós-graduando na ciência. O artigo tomou lugar do livro, a produção por várias mãos substituiu a produção artesanal individual. Tudo que era sólido se desmancha no ar.
A produção científica tornou-se voltada para o meio de publicação (periódicos) e suas exigências, não mais à temática ou necessidade da sociedade. O produto científico hoje visa estar nas prateleiras organizadas pelo selo de qualidade “Qualis”, para que o selo em si possa definir qual será o melhor produto. O reconhecimento do profissional hoje se faz mais na etiqueta colada no artigo (publicação) do que no conteúdo.
Os pesquisadores passaram a se relacionar pelas mercadorias que produzem e competem entre si também como mercadorias que valem mais ou menos de acordo com a produtividade acadêmica. A cobrança por produtividade e os olhares avaliadores transformaram a ideia de produção livre e inovadora em um sonho dos mais distantes, uma verdadeira peça de museu.
O jovem que deseja ser pesquisador e inicia sua carreira universitária no Brasil na pós-graduação, cedo ou tarde irá se deparar com a perversa realidade produtiva. Em poucas palavras, o jovem pesquisador com o tempo verá estar vivendo para o crescimento do Currículo Lattes, devendo transformá-lo em uma enciclopédia crescente de citações, onde quanto mais melhor. Quem quiser viver enquanto pesquisador hoje terá que de alguma maneira “enquadrar-se” na linha de montagem, mesmo que mais seja menos, ou seja, mais produção seja menos inovação.
É possível virar o jogo, mas com organização
É de fundamental importância para a virada desse terrível quadro, o desenvolvimento de consciência de classe. Os pesquisadores – apesar de pertencerem a diferentes grupos, universidades e programas com interesses diferentes – têm interesses em comum enquanto produtores de conhecimento científico. Para que essa consciência supere a disputa individualista entre produtores dentro do mecanismo alienante da produção científica hoje, será preciso luta organizada.
Somente organizados seremos fortes para lutar contra o lugar subalterno que a Ciência e a Tecnologia, suportado principalmente por pós-graduandos e pós-graduandas, vêm sendo lançadas. As APGs (Associações de Pós-Graduandos) e a ANPG (Associação Nacional de Pós-Graduandos) devem se apresentar na vanguarda das mobilizações contra os ataques do capital. A Inovação, ideia herdeira do iluminismo, vem perdendo lugar para os interesses das nações representantes do grande capital monopolista ou diretamente para as grandes corporações em seus periódicos com “Qualis A” – muito bem patrocinados em nome da ciência, diga-se de passagem –, a maioria localizados nos Estados Unidos.
Para inovar é preciso ter condições de direcionar a produção da Ciência e da Tecnologia aos interesses da maioria da população, aos trabalhadores. É para isso que lutamos, é para isso que nos organizamos. O futuro será nosso quando milhares de pós-graduandos e pós-graduandas se lançarem na luta enquanto produtores pesquisadores. No dia que isso acontecer os capatazes do produtivismo e seus mandantes estarão em uma enrascada.
 

Pedro Henrique Corrêa
Diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação da Associação Nacional de Pós-Graduandos