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FLÁVIA CALÉ,
especial para Direto da Ciência.*
Quarta-feira, 8 de maio de 2019

 

Na sabatina do ministro Abraham Weintraub ontem, terça-feira (7), na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado, ficou evidente seu despreparo para comandar uma das pastas mais importantes da República. Demonstrou desconhecimento dos desafios da educação brasileira e, pelo que se viu, sua missão se resume a fazer do ministério um instrumento de chantagem com a sociedade pela aprovação da Reforma da Previdência.

Repetiu como um mantra, numa nítida subestimação dos senadores que o questionavam e da população que o assistia, que as medidas anunciadas não se tratam de cortes de 30% no orçamento das universidades federais, mas, sim, de contingenciamentos desses recursos, que podem ser revertidos se o Congresso Nacional aprovar a nova reforma da Previdência.

Ora, em primeiro lugar, são bastante controversos os resultados econômicos que o governo proclama que virão após o ataque à Previdência pública. Lembremos que a reforma trabalhista foi vendida como a grande saída da crise econômica, mas seu resultado prático não alavancou a atividade econômica nem gerou um emprego a mais sequer. Mas, além disso, o ministro mente quando diz que esses cortes não terão impacto nenhum nas universidades.

Em nota, a Universidade Federal da Bahia (UFBA) aponta que o bloqueio dos recursos equivale a R$ 37,3 milhões e que serão afetados o pagamento de despesas ordinárias, ou seja, pagamento das contas de água, energia, telefone, manutenção de espaços e equipamentos, pagamento de terceirizados, entre outras questões básicas para seu funcionamento. Ou seja, os “bandejões” podem ser, sim, afetados, diferentemente do que afirmou Weintraub ao garantir que a medida não atingiria a alimentação dos estudantes.

Mente ainda ao dizer que foi obrigado a realizar os cortes em função da Lei de Responsabilidade Fiscal. Conforme apresentou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o orçamento, quando aprovado nas casas legislativas, já está enquadrado nos parâmetros da lei, não necessitando de alterações em função dela. Faltou o ministro, portanto, responder para onde vão esses recursos do contingenciamento.

Na realidade, o projeto é deixar as universidades à míngua do ponto de vista financeiro e de pires na mão para buscar recursos na iniciativa privada – numa espécie de privatização branca –, já que essas instituições não seriam espaços “sacrossantos”, que não possam buscar “outras formas” de custear sua manutenção. A independência do orçamento público que ele defende é inconstitucional. A Autonomia Universitária, como a conhecemos, diz respeito à gestão financeira, ou seja, pressupõe que existam recursos públicos a serem geridos de acordo com os projetos definidos autonomamente em cada universidade.

Mas o que chama mesmo a atenção é sua percepção do que é o povo brasileiro. Ao esboçar um superficial raciocínio sobre a composição étnica do povo brasileiro e a nossa miscigenação característica, chega à conclusão de que somos um bando de vira-latas.

Como sabemos, quem consagrou a expressão “complexo de vira-latas” foi Nelson Rodrigues, que usou esse termo para explicar o sentimento de inferioridade entre brasileiros, inclusive cronistas esportivos, que previam o fracasso na Copa de 1958 da Seleção Brasileira, que acabou sendo campeã. O complexo seria, então, essa visão pequena de si mesmo, uma permanente sensação de incapacidade de realização de grandes feitos. Este sentimento está presente quando fala em difundir startups pelas universidades do Nordeste para “espalhar capitalismo” pela região. É como se o Nordeste fosse feudal!

Ao dizer que somos “vira-latas”, o ministro fala mais sobre si do que sobre o Brasil. Revela a mediocridade com que enxerga nosso país, já apresentada nas diversas observações pejorativas às nossas instituições educacionais e de pesquisa. Quando busca um patamar para a educação brasileira, não olha a nossa dimensão continental, as nossas riquezas naturais. Ignora que nossa produção científica e tecnológica, apesar de todo o desinvestimento, produz conhecimento de ponta. Desdenha o fato de sermos ainda a oitava economia do mundo. Pasmem, o ministro disse que sua meta é transformar o Brasil no Chile, com todo respeito aos nossos “Hermanos”.

Não, ministro, isso não aceitaremos. Não temos o complexo de vira-latas partilhado pelas elites que têm vergonha do país e acham que tudo que vem do Norte da América é melhor. Somos orgulhosos do povo miscigenado que construímos, ainda que tenha sido um processo doloroso e sofrido. É um povo que tem orgulho e conhece o valor de ser brasileiro. Seguiremos resistindo e nosso próximo encontro será no dia 15 de maio, nas ruas do país.

FLÁVIA CALÉ DA SILVA é mestranda em História Econômica na Universidade de São Paulo e presidenta da Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG).

Gabriel Colombo de Freitas
Diretor de CT&I da ANPG

Hoje, é possível afirmar que todos os pós-graduandos sabem, e muitos sofrem as consequências, dos cortes na Ciência e Tecnologia (C&T) e na Educação. Afinal, o ajuste fiscal colocou os investimentos do Estado ladeira abaixo a partir de 2015. Iniciou com Joaquim Levy, alçou caráter constitucional por 20 anos com a “Emenda do Teto de Gastos” e, agora, Paulo Guedes dirige a pasta econômica com o compromisso de aplicar a ortodoxia neoliberal.

No entanto, ao procurar informações sobre o impacto direto nas bolsas de pós-graduação, me surpreendi com a escassez de dados, tem uma notícia aqui, outra declaração acolá, nada sistemático. Por isso, decidi fazer uma pesquisa mais detida. E o resultado, como pretendo demonstrar, anuncia que estamos em estado de alerta máximo.

A CAPES é a agência de fomento que mais investe em bolsas de pós-graduação no país, seguida pelo CNPq. Além disso, as duas agências são as que mais financiam pesquisa no Brasil [I]. Em 2017, CAPES e CNPq somadas concederam 109.168 bolsas de pós-graduação (Figura 1), o equivalente a 45% dos cerca de 241 mil pós-graduandos matriculados no país naquele ano [II]. Somente a CAPES concedeu aproximadamente 92 mil bolsas.

Figura 1: Concessão de bolsas de pós-graduação via CAPES e CNPq, 2010 a 2017.

Elaborado pelo autor. Fonte: GeoCapes [II]; CNPq [III].
Entre 2015 e 2017, existe uma relativa estabilidade em torno de 109 mil bolsas (Figura 1). Todavia, o ajuste fiscal impactou a concessão de bolsas de pós-graduação no país de forma expressiva apenas em 2018 (Figura 2), ano para o qual a CAPES ainda não disponibilizou dados sobre o número de bolsas concedidas e o CNPq apresenta dados contraditórios entre número de bolsas e investimento em reais, como veremos adiante.

Em 2018, ocorreu um corte na CAPES de 614 milhões de reais na linha de concessão de bolsas no país, uma redução de 22,4% em relação a 2017. Se considerarmos um corte similar no número de bolsas, o resultado é desastroso: 20 mil bolsas a menos, aproximadamente.

Figura 2: Investimento da CAPES em concessão de bolsas no país (em bilhões de reais), 2010 a 2019.

Elaborado pelo autor. Para 2010 a 2018, orçamento executado; para 2019, orçamento autorizado. Fonte: Siga Brasil [IV].
É uma extrapolação, porém, o reduzido orçamento para 2019 somado ao contingenciamento anunciado pelo governo Bolsonaro no dia 29 de março, com impacto de 21% no orçamento do Ministério da Educação (ao qual a CAPES é vinculada), não contribui para projetar cenários otimistas.

De forma mais concreta, devido à disponibilidade de dados, é possível analisar os cortes no Programa de Demanda Social (DS) da CAPES (Figura 3), principal fonte de concessão de bolsas de pós-graduação no país [V]. Entre 2017 e 2018, houve um corte de cerca de 6,2 mil bolsas do DS. Isso representa uma redução de 11% das bolsas desse Programa e de 6,8% do total de bolsas de pós-graduação concedidas pela CAPES em 2017.

Figura 3: Bolsas concedidas pelo Programa de Demanda Social (DS) da CAPES, 2017 e 2018.

Elaborado pelo autor. Fonte: GeoCapes; CAPES [VI].
A situação é ainda pior quando analisamos o orçamento executado do Programa de Demanda Social em 2018 (Figura 4). O valor necessário para manter as 29,1 mil bolsas de mestrado e 21,5 mil bolsas de doutorado durante os doze meses de 2018 é igual 1,09 bilhão de reais. Porém, foram empenhados e executados somente 0,96 bilhão de reais. Isto é, ocorreu um déficit de cerca de 130 milhões de reais em 2018, o que coloca em xeque aproximadamente mais 6 mil bolsas de pós-graduação este ano [VII].

Figura 4: Investimento da CAPES no Programa Demanda Social (DS), em bilhões de reais, 2014 a 2018.

Elaborado pelo autor. Fonte: Siga Brasil [IV].

 

 

 

 

 

 

 

 

O mesmo acontece com o CNPq, o corte orçamentário impactou fortemente a agência em 2018, com reflexo direto no investimento em bolsas de pós-graduação. Houve uma queda drástica dos recursos destinados às bolsas de mestrado e doutorado (Figura 5), de 427,3 milhões para 247,9 milhões, ou seja, uma redução igual a 58% entre 2017 e 2018. Mesmo assim, o número de bolsas manteve relativa estabilidade nesse período. Novamente, a contradição entre investimento e número de bolsas, as torna insustentáveis com a manutenção do nível orçamentário proposto.

Figura 5: Investimento, em milhões de reais, e número de bolsas de mestrado e doutorado do CNPq.

Elaborado pelo autor. Fonte: CNPq [III].
Portanto, os cortes orçamentários impactaram as bolsas de pós-graduação no país principalmente a partir de 2018, quando consideramos CAPES e CNPq. A tendência é intensificar a redução de bolsas devido aos déficits acumulados e aos contingenciamentos anunciados por Bolsonaro e Weintraub, de modo a colocar sistema nacional de pós-graduação à beira do colapso.

Não é exagero. A pós-graduação no Brasil é dependente do financiamento da CAPES e CNPq. Além disso, o ajuste fiscal já impactava a pós-graduação de outras maneiras desde 2015 [VIII], mas é agora que ameaça sua espinha dorsal: a concessão de bolsas de pós-graduação no país.

Ainda, é válido lembrar que as condições de pesquisa e estudo dos pós-graduandos estão piorando. Para citar alguns elementos: a desvalorização das bolsas, que acumulam perdas de 38,89% desde o último reajuste, realizado em 2013 [IX]; a ausência de direitos, entre eles, a contabilização do período em pós-graduação para aposentadoria; e a intensificação do trabalho, devido ao produtivismo acadêmico, insuficiência de técnicos e déficits de professores nas universidades.

Frente a esse cenário, acredito que nós pós-graduandos temos a responsabilidade de assumir a luta por mais investimentos. É preciso derrubar o contingenciamento anunciado pelo governo Bolsonaro assim como revogar a Emenda Constitucional 95.

Os investimentos em educação e C&T são elemento fundamental em um processo de superação dos problemas estruturais da sociedade e economia brasileira, como, para citar três exemplos: a dependência econômica e tecnológica aos países imperialistas, o racismo e o acesso universal ao sistema de saúde público de qualidade. Os recursos financeiros não bastam, é certo, mas na medida em que aplica os cortes, o governo Bolsonaro tem apresentado ao mesmo tempo um projeto obscurantista, antinacional, antipopular e antidemocrático.

É hora de valorizarmos a organização e ação coletivas. Abandonar o conformismo ou as alternativas individuais, dedicar tempo aos debates, assembleias, mobilizações e greve. O colapso que se apresenta compromete o futuro da educação e da ciência brasileira. Salvar somente “meu” experimento e “minha” pesquisa não é suficiente.

[[I]] https://www.sibi.usp.br/?p=25545

[[II]] https://geocapes.capes.gov.br/geocapes/

[[III]] http://fomentonacional.cnpq.br/dmfomento/home/fmthome.jsp?

[[IV]] https://www12.senado.leg.br/orcamento/sigabrasil

[[V]] De acordo com consulta à base Geocapes, em 2017, o DS foi responsável por 52% e 62% das bolsas de mestrado e doutorado, respectivamente, concedidas pela CAPES.

[[VI]]  http://www.capes.gov.br/images/stories/download/editais/19122018-DS-bolsistas-e-investimento.pdf

[[VII]] O valor anual de uma bolsa de mestrado da CAPES é igual a 18 mil reais (1500 reais x 12 meses) e a de doutorado equivalente a 26,4 mil reais (2200 reais x 12 meses). Considerando a proporção das bolsas do DS em 2018, 57,5% de ME e 42,5% de DO, 1,3 milhão de reais equivalem a 6.026,5 bolsas de pós-graduação.

[[VIII]] Por exemplo: houve cortes na internacionalização, recursos para a compra e manutenção de equipamentos e laboratórios.

[[IX]] https://www.anpg.org.br/04/02/2019/o-reajuste-das-bolsas-de-pos-graduacao-e-urgente-e-necessario/?fbclid=IwAR0aUygJhlhhFU6c852MsYAVtYmBQvdZtRpjOWMS5eGQBRA3CuhmnP8jh3s

 

As opiniões aqui reproduzidas são de responsabilidade de seus autores e não representam, necessariamente, a opinião da entidade.

Por FLÁVIA CALɹ e VINÍCIUS SOARES²,
especial para Direto da Ciência.*
¹ Presidenta da Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG)
² Diretor de Comunicação da ANPG.

O I Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) completará 45 anos no início de 2020. Ele é fruto do decreto 73.411/74, que instituiu o Conselho Nacional de Pós-Graduação com a atribuição de criar uma política estruturante para o setor. Ao longo do tempo, o país conseguiu consolidar um sistema robusto que já está encerrando sua quinta edição (V PNPG), o que nos impõe desafios de avaliação desse ciclo e de projeção de novos desafios.

É um fato incontestável que muito foi construído de lá até aqui, como a expansão da base de mestres e doutores, os órgãos de fomento em âmbito nacional e as fundações de amparo, que cumprem papel fundamental para a pesquisa nos estados. Por outro lado, é também verdade que o momento atual traz riscos de graves retrocessos para a pesquisa científica brasileira, seja por ameaças de tutela ideológica por parte de autoridades do atual governo, seja pelo brutal corte orçamentário que ameaça fazer seu sistema de financiamento entrar em colapso.

 

Breve histórico

Concebido na ditadura militar, sob a presidência de Ernesto Geisel, o I PNPG trouxe as diretrizes a serem aplicadas no quinquênio de 1975-1979, período imediatamente posterior ao chamado “Milagre Econômico”, quando o país cresceu a taxas elevadas por anos consecutivos, e em meio à crise internacional resultante do “choque do petróleo”.

O I PNPG é contemporâneo ao II Plano Nacional de Desenvolvimento, plano econômico que pretendia, entre outras coisas, dominar todo o ciclo produtivo industrial e desenvolver pesquisas sobre outras matrizes energéticas que tornassem o Brasil menos dependente da importação de petróleo do Oriente Médio.

Como se vê, o projeto se inscreveu nos marcos de um ciclo politicamente autoritário, mas que ambicionava para o governo o papel de indutor do crescimento econômico, de fortalecimento do Estado e seus instrumentos.

Segundo a professora Regina Célia Linhares Hostins, no artigo “Os Planos Nacionais de Pós-Graduação e suas repercussões na pós-graduação brasileira”, o nacionalismo da ditadura militar, embora seu caráter autoritário, produziu por aqui um projeto distinto do aplicado em outros países latino-americanos. “O ideal nacionalista de construção de um “Brasil-potência” conduziu o governo à articulação com dirigentes e representantes da comunidade científica e universitária com vistas à modernização da universidade e da ciência e tecnologia resultando na definição de políticas que produziram efeitos transformadores”, afirma.

 

Expansão e financiamento

De fato, algumas das metas centrais do I PNPG foram a institucionalização do sistema, garantia de estabilidade no financiamento e planejamento de sua expansão, a unificação da pós-graduação e a universidade, entre outras.

À época o Brasil tinha números de um país ainda incipiente na formação de mestres e doutores. De acordo com o diagnóstico do próprio plano, “em 1973, foram preenchidas cerca de 7.000 vagas nestes cursos, havendo, em suas várias fases, cerca de 13.500 alunos, assim distribuídos: 5.000 nas instituições federais, 5.800 nas estaduais e municipais e 2.700 nas particulares”. Para efeitos de comparação, hoje o país conta cerca de 364 mil estudantes na modalidade stricto sensu. Apenas a Capes financia atualmente 201 mil bolsistas.

Os moldes de financiamento por bolsas e a exigência de dedicação integral do pesquisador são orientações contidas já naquele programa. “Como os alunos de pós-graduação são profissionais formados, têm sempre a alternativa de escolha entre a continuação dos estudos e o mercado de trabalho. Sendo assim, as alternativas do mestrado e do doutorado devem colocar melhores condições de trabalho, e conceder bolsas em um regime de manutenção estável e em nível suficiente”, apontava.

 

Cortes e contingenciamentos

Quase meio século depois, as bolsas de estudo “estáveis e em nível suficiente” estão longe de ser realidade. Os valores pagos para as bolsas são da ordem de R$ 1.500 para o mestrado e R$ 2.200 para doutorado, bastante aquém do necessário diante do custo de vida nas grandes cidades do país. Ressalte-se ainda que os benefícios não foram reajustados nos últimos seis anos, o que acarreta perdas inflacionárias de 36%.

Mas está errado quem diz que pior do que está não fica. Os cortes orçamentários anunciados pelo governo para este ano atingiram de maneira tão brutal os ministérios de Ciência e Tecnologia e da Educação que o risco real é paralisia e colapso do sistema de financiamento da pesquisa brasileira.

Diante do corte de 42% dos recursos destinados ao MCTIC, o CNPq, por exemplo, já anunciou que só tem condições de pagar seus bolsistas até o mês de setembro e a suspensão das bolsas do edital Universal 2019. O MEC sofreu cortes de cerca de R$ 6 bilhões, o que poderá trazer consequências para a Capes e seus mais de 200 mil estudantes financiados. Não é exagero afirmar que, caso essa decisão não seja revista, as próprias metas do V Plano Nacional de Pós-Graduação, bem como as do PNE, provavelmente serão comprometidas. Isso sem contar o abalo para o futuro da pós-graduação e a construção das metas para o próximo quinquênio.

Para completar a tempestade perfeita que se abate sobre a ciência brasileira, a crise fiscal que acomete as contas públicas de diversos estados tem repercutido no estrangulamento das fundações de amparo, cujas receitas, em geral, são vinculadas a repasses constitucionais das receitas dos respectivos governos.

Exemplo emblemático é o da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), que em fevereiro anunciou cortes nos programas BIC (Bolsa de Iniciação Científica) e BIC Junior e a suspensão de novos editais. Em audiência pública realizada pela Assembleia Legislativa, no último dia 3 de abril, a professora Sandra Almeida, reitora da UFMG, afirmou que o impacto dos cortes da Fapemig chega a 15 milhões só naquela universidade.

 

Voltar a investir

Por todo o exposto, a comunidade científica se mobiliza para ocupar Brasília nos próximos dias 8 e 9 de maio para exigir a reversão dos irresponsáveis cortes que podem representar o golpe fatal em todo o sistema em que se alicerça a produção científica brasileira.

A ANPG se soma a esse movimento levantando também as bandeiras de imediato reajuste das bolsas de mestrado e doutorado fornecidas e de destinação de parte dos recursos do fundo social do pré-sal para a ciência e tecnologia. Investir em ciência, tecnologia e inovação, valorizar a pesquisa e os pesquisadores proporcionando-lhes condições adequadas de vida e horizonte profissional são condições indispensáveis para o desenvolvimento soberano do país.

Às vésperas de completar 45 anos, o I Plano Nacional de Pós-Graduação deve ser celebrado como símbolo de que é possível e necessário investir e planejar estrategicamente, com instrumentos do Estado nacional, para construir um país mais desenvolvido. Mas, sobretudo, o momento exige travar a disputa política sobre os rumos da Nação. Da luta do presente resultará o Brasil que legaremos para as próximas gerações.

*As opiniões aqui reproduzidas são de responsabilidade de seus autores e não representam, necessariamente, a opinião da entidade.

Por que fomos às ruas no 1º de maio?

*Foto ROBERTO PARIZOTTI/DIVULGAÇÃO/JC – Jornal do Comércio

 Por Marianna Rodrigues – Mestranda em Psicologia Social – UFRGS e Vice-Presidente Regional Sul – ANPG

Fortalecer as entidades representativas para defender a Previdência e derrotar as reformas contra o povo trabalhador!

Nos últimos anos, foi colocado em curso no país um projeto de desmonte do Estado, com grandes ataques aos direitos de nosso povo e as instituições públicas que são patrimônio brasileiro. Podemos citar como exemplo a quebra do monopólio de exploração do Pré-sal pela Petrobrás, a Emenda Constitucional 95, que congelou por 20 anos os investimentos em áreas sociais, mantendo intacto o desvio de dinheiro público para pagamentos de juros e amortização da dívida pública brasileira, ou então a Reforma Trabalhista, que sobrepôs o negociado ao legislado e instituiu os contratos de trabalho intermitente, favorecendo, na contradição entre capital e trabalho, o primeiro, sem falar nos ataques desferidos contra os próprios sindicatos, instrumentos históricos de luta e organização do povo trabalhador.

É nesse contexto, com mais de 13 milhões de brasileiros desempregados e altos índices de trabalhadores na informalidade (quase 40 milhões de pessoas), que o governo tenta impor uma Reforma da Previdência, com o objetivo de acabar com o sistema público de previdência baseado na solidariedade entre trabalhadores da ativa e aposentados e instituir um sistema previdenciário baseado na capitalização, onde cada trabalhador contribui individualmente (faz uma poupança) para o futuro, dinheiro esse que ficará nas mãos de instituições financeiras e fundos de investimento. Além disso, com o aumento do tempo de contribuição, especialmente nesse cenário de alta informalidade e desemprego, será ainda mais difícil conseguir se aposentar com o salário integral, isso se os trabalhadores e trabalhadoras conseguirem efetivamente se aposentar. No que diz respeito a pesquisadores e pós-graduandos, o tempo de contribuição fixado em 40 anos  pode ter dois desfechos: I. Ingressar na pós-graduação com trabalho (para desde já ser contribuinte); ou II. no caso de quem detém bolsa, estender o tempo de trabalho até mais do que 65 anos para receber 100% do que detém direito. Em ambos os cenários, a vida de quem optar pelo ingresso na pós-graduação no Brasil terá uma excessiva sobrecarga de trabalho e condições de sobrevivência ainda mais precárias.

Somam-se isso a nova investida contra os serviços públicos, com intenção de privatizá-los, principalmente o Sistema Único de Saúde (SUS) e as universidades públicas, essas últimas, diga-se de passagem, as melhores do país. O governo que tomou posse a um pouco mais de 100 dias, já apresenta sua face mais cruel, colocando sobre as costas do povo trabalhador brasileiro o peso da crise que vive nosso país… Por essas e outras, precisamos de muita articulação!

Entendemos que é preciso fortalecer as entidades representativas e ampliar a integração com os setores sociais mais atingidos por esse conjunto de ataques. Incentivamos a criação de  Associações de Pós-Graduandos e indicamos que as APGs façam parte de iniciativas como a do Fórum Sindical, Popular e das Juventudes em luta por direitos e liberdades democráticas, a fim de promover debates e ações estratégicas sobre a situação política do Brasil. No Rio Grande do Sul, por exemplo, a APG/UFRGS fez parte do lançamento do Fórum e realiza, neste dia 02 de maio, uma aula pública sobre os impactos da Reforma da Previdência na pós-graduação. Iniciativas como essa podem e devem ser multiplicadas pelo país!

É fundamental a participação dos pós-graduandos e das pós-graduandas na defesa da produção de ciência e tecnologia brasileira para interesses populares, da previdência pública, dos serviços públicos e do patrimônio brasileiro, como as universidades, o SUS, a Petrobrás e a Embraer. Nesse dia 1º de maio, dia internacional de luta dos trabalhadores e das trabalhadoras, todas e todos que defendem uma Universidade Popular estiveram nas ruas para demarcar que almejamos um futuro diferente para nosso país.

 

 

*As opiniões aqui reproduzidas são de responsabilidade de seus autores e não representam, necessariamente, a opinião da entidade.

 

 

Por Cristiano da Silva Paiva*
*Especialista em Desenvolvimento, Etinicidade e Políticas Públicas na Amazônia – IFAM,
Mestrando em geografia – UFAM e Presidente da APG UFAM

UMA PAUTA, DUAS CAUSAS – DEFENDER A AMAZÔNIA É RESGUARDAR A SOBERANIA NACIONAL

Cem dias de governo, pouca ação e muita preocupação. Assim avalio o início de mandato do atual presidente, Jair Bolsonaro (PSL). Para exemplificar, gostaria de falar sobre a Ciência e Tecnologia no país (que deve parar em meados deste ano, vide a falta de orçamento) e as declarações sobre a entrega da Amazônia para exploração pelos Estados Unidos. Como estes temas se correlacionam? Quais as variáveis deste tipo de política? A cobiça de potências estrangeiras pela Amazônia Legal não é nenhuma surpresa. Desde o século XVII seus exploradores e pesquisadores documentam os encantos e as potencialidades da imensidão amazônica que era até então, considerada o refúgio do El dourado. Além disso, sua extensão territorial é de grande valor e ocupa 61% do território brasileiro, o equivalente à metade do continente europeu. A região faz fronteira com Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela. É evidente para todos a exorbitante importância de suas bacias hidrográficas não apenas para o mundo, mas para o Brasil de forma mais restrita, uma vez que 80% da água disponível no país está na Região Amazônica, e o restante distribui-se desigualmente para o consumo de 95% da população. Em sentido amplo 8% de toda a água doce do planeta está concentrada em nosso país. O rio Amazonas é o soberano da Terra em volume de água e possui um quinto da água doce do planeta. A região ainda possui o recém descoberto, aquífero de Guarani e ao que consta possui maior volume de água que o próprio rio Amazonas. Segundo avaliações da ONU, o século 21 será marcado por graves conflitos entre as nações, com origem numa única causa: a escassez de água potável.

O interesse pela Amazônia é tamanho ao ponto de os Estados Unidos institucionalizar um acordo de cooperação em ciência e tecnologia denominado LBA – Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia voltado especificamente para as geociências e, em especial, à ecologia, no qual o mesmo é executado em conjunto com a NASA! Apesar do projeto ser liderado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais; o envolvimento da NASA no projeto é suficiente para demonstrar o grande significado geopolítico e ambiental da Amazônia.

Entretanto, o recente rombo de 300 milhões nas contas da C&T, a desvalorização do papel do cientista e da educação no atual governo coloca em risco o desenvolvimento da região, de projetos e das agencias ministeriais. Fica evidente que a Amazônia, sem capacidade de absorver ou gerar tecnologias, colocará em risco a sua soberania, pois estará fadada a viver na pobreza, sem condições de promover o seu desenvolvimento.

Em 2005 o Senado Federal aprovou um relatório intitulado “A QUESTÃO
GEOPOLÍTICA DA AMAZÔNIA” o qual suas mais de quinhentas páginas certamente, nunca
foram lidas pelo presidente ou seus ministros. Este já apontava que “o apoio dos países ricos,
na qualidade de fornecedores de tecnologia e certamente de capitais, implicará, evidentemente,
que a região tenha de sofrer sérias restrições a sua soberania”, afinal esses países jamais
poderão maximizar seus investimentos na Amazônia sem disporem de ampla liberdade de
atuação, o que levará, necessariamente, à maximização das restrições à soberania nacional sobre
a Região.

A Amazônia deveria ser o encanto nacional. Nossa economia de vanguarda poderia ser
facilmente desenvolvida pela biotecnologia aperfeiçoando a tecnologia de energias alternativas
como a biomassa. É indispensável também, mencionar que não fossem as riquezas encontradas
na Amazônia a medicina moderna não seria a mesma. A tecnologia química e farmacêutica, via
conhecimento tradicional das populações que aqui vivem, são constantemente biopirateadas
para o estrangeiro pelos grupos fortes economicamente, detentores de tecnologias, que
ingressam na região das mais diversas maneiras à procura desses produtos. Depois
industrializam e revendem para nós mesmos com valores infinitamente altos.
A cidade de Manaus possui mais da metade da população do estado do Amazonas, já é
responsável por 8% da capacidade industrial do país e poderia ser potencializada como um
grande eixo desse desenvolvimento. Outra estratégia de ação indispensável para defesa da
soberania da Amazônia é o fortalecimento institucional dos órgãos de poder público que atuam
na Região. Preliminarmente, das agências federais, como SUDAM, BASA, Museu Goeldi,
INPA, EMBRAPA, FUNASA e as agências ministeriais.

Por fim, acredito que o grande problema destas questões no que tange ao atual governo,
está no fato que soberania e democracia são faces de uma mesma moeda. Isto meus caros, não
é nem de longe o forte destes que estão no poder!

 

*As opiniões aqui reproduzidas são de responsabilidade de seus autores e não representam, necessariamente, a opinião da entidade.

Fonte da imagem: http://agriculturaconsciente.com.br/amazonia-precisa-de-pesquisa-cientifica-para-sua-protecao-e-manejo-sustentavel/

Antônio Etevaldo Teixeira Junior
Ulisses Carlos Silva Ferreira Silva
Doutorandos em População, Território e Estatísticas Públicas na ENCE/IBGE

Os Levantamentos populacionais são realizados no país desde 1892. A partir da fundação do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 1938, que assumiu a responsabilidade pela
condução da operação censitária, o censo demográfico vem sendo realizado decenalmente 1 .
Ao longo desse período o Censo passou por várias modificações, sempre no sentido de
introduzir as metodologias mais apropriadas, sejam elas em relação: à qualidade do dado coletado, às
técnicas de amostragem; aos métodos de coleta utilizados na operação. Dessa forma, a operação
censitária realizada no Brasil se tornou referência para muitos países.
Seus dados são utilizados para os mais diversos fins, servindo de referência para:
– o repasse de verbas federais para cada um dos municípios brasileiros, por meio do
Fundo de Participação dos Municípios (FPM);
– mensurar os contingentes populacionais por idade e sexo, de forma a permitir a
implementação das mais diversas políticas públicas, com destaque para aquelas
relacionas a saúde e educação e servir de referência para a produção das estimativas
populacionais;
– o planejamento das pesquisas amostrais, sejam elas do IBGE, de outros órgãos
produtores de estatísticas oficiais ou dos mais diversos institutos privados de pesquisa.
Diariamente as pesquisas que o IBGE realiza são utilizadas pela sociedade, seja a imprensa
para divulgar dados sobre o desemprego, a desigualdade e o perfil sócio demográfico da nossa
população ou através de análises realizadas por pesquisadores, estudantes, governantes e gestores
sobre os mais diversos assuntos. Esses dados contribuem não apenas para ter um retrato do Brasil,
mas também são importantes para avaliar e planejar políticas públicas.
Os dados provenientes de sua amostra são a única fonte de informação existente no país em
nível municipal para temas como mercado de trabalho (considerando o emprego não-formal),
mobilidade urbana, migração, nível de instrução, entre outros.
Reduzir a quantidade de perguntas no Censo, com o objetivo de reduzir os custos da
operação, além de ser uma medida questionável sob a ótica de sua eficiência, eficácia e efetividade,

1 Exceto em 1991, durante o governo Fernando Collor de Melo.

significa lançar mão de informações sobre temas tão importantes para o desenvolvimento de um país,
justamente em um momento em que o nosso ministro da Economia, ao qual o IBGE está subordinado,
se diz tão preocupado com os jovens e com o futuro do país. Abrir mão dessas informações no nível
municipal acaba por dificultar demasiadamente o planejamento de políticas públicas para os 5.570
municípios brasileiros, principalmente para aqueles que mais pobres e/ou pequenos, ou seja, a
grande maioria dos municípios brasileiros, pois estes terão muita dificuldade para gerar dados sobre
temas tão importantes para o planejamento público, seja por falta de recursos, seja pela falta de
capacitação técnica para conduzir operações para coletar esses dados.
Desse modo, a realização de um Censo Demográfico nessas proporções traz benefícios
imensuráveis ao país, pois o primeiro passo para conseguir superar problemas históricos como a
desigualdade é conhecer a nossa realidade, objetivo esse que o levantamento consegue fazer de uma
forma que é referência e respeitada pelo mundo.

A internacionalização da educação superior é um dado da realidade atual em todo o planeta. Inúmeras iniciativas tem sido geradas no sentido de integrar os sistemas universitários de distintas regiões do globo. Desde a Reforma de Córdoba, levada adiante pelos estudantes argentinos no ano de 1918, pautamos a necessidade de uma educação à serviço da integração regional. O feito dos estudantes do país vizinho repercutiu em todo o planeta e fora uma referência para movimentos importantes como o Maio de 1968 na França. Ao mesmo tempo, marca os debates quanto a paridade, extensão e atualização dos currículos no dia a dia das universidades de todo o mundo.

Com o avanço das políticas de integração da América Latina que redundaram no fortalecimento do Mercosul, na criação da ALBA, UNASUL, CELAC, BRICS, entre outros o papel da educação nesse processo passou a ocupar espaço de destaque. Entre as iniciativas desenvolvidas, ressaltamos a criação da UNILA, UNILAB, projetos de reconhecimento de estudos e diplomas, programas de mobilidade acadêmica, etc. Pode-se destacar também a reativação do FOCEM (Fundo para a Convergência Estrutural do MERCOSUL) como instrumento para promover o trânsito de estudantes, professores, servidores e dirigentes de nossos países. Da mesma forma, merece destaque as propostas de criação do Espaço Latino-americano e Caribenho de Educação Superior (ELACES) cujo propósito consiste na integração dos sistemas universitários da região.

As políticas de integração construídas ao longo das últimas décadas, no eixo sul-sul devem ser preservadas e fortalecidas. Estreitar laços com a produção científica e acadêmica do Continente Africano, assim como Asiático e os países do Oriente Médio é estratégico para o país e para a humanidade. Essa integração pode dar inúmeras contribuições ao pensamento científico mundial e contribui para superar a dependência científica e tecnológica dos países centrais. Por outro lado, é preciso considerar que nesse processo de internacionalização e luta pela integração regional recebemos muitos estrangeiros que contribuem de maneira significativa para a nossa ciência. Para entender o papel do estrangeiro na ciência brasileira é necessário compreender também os motivos que levaram o mesmo a migrar pro Brasil. Isto exige também conhecer os processos políticos e sociais na América Latina e no mundo. Cada dia vemos como mais estrangeiros põem seus olhos no Brasil e nas suas universidades federais. Elas conseguiram através de anos lutas adquirir direitos fundamentais quando comparados com outros países de América Latina. Atualmente, cerca de 80% das pesquisas da região são realizadas nas universidades brasileiras. Ainda mais, a grande presença de latino-americanos nas universidades brasileiras revela, também, um processo de ‘fuga de cérebros’. Uma vez que muitos veem na vinda para o Brasil uma oportunidade para qualificar-se, devido as condições precárias para exercer seus estudos em seu país de origem. É nesse contexto que devemos pensar o desenvolvimento e a contribuição da acadêmica brasileira para a ciência mundial e a superação das disparidades sociais e regionais. Assim como, o enriquecimento que pesquisadores de distintos países podem trazer para o Brasil.

Durante o mes de junho de 2018, estudantes, professores, trabalhadores, ministros, representantes de órgãos governamentais, redes universitárias, conselhos de reitores e órgãos multilaterais vinculados à educação reuniram-se em Córdoba, na Argentina, para debater os rumos da educação no continente. Nesta cidade argentina realizou-se a III Conferência Regional de Educação Superior (CRES) convocada pela UNESCO com o objetivo de apontar políticas relacionadas à integração dos sistemas universitários da região, além de preparar a Conferência Mundial de Educação Superior que acontecerá em 2019, em Paris. O evento ocorreu nos marcos da crise mundial do capitalismo e da comemoração do centenário da Reforma de Córdoba. Assim, o legado dos estudantes argentinos de 1918 que transformaram a realidade latino-americana nos permitem lutar por uma universidade à serviço da união da América Latina e a construção de um mundo justo resistindo ao avanço da mercantilização da educação. Assim, ainda que em um cenário de defensiva para os setores que defendem a educação pública, a declaração final da III CRES afirma que “A educação, a ciência, a tecnologia e as artes devem ser um meio para a liberdade e a igualdade, garantidas sem distinção social, de gênero, etnia, religião ou idade. A educação não é uma mercadoria. Por isso, instamos aos Estados nacionais a não subscrever tratados bilaterais ou multilaterais de livre comércio que impliquem conceber a educação como um serviço lucrativo, ou estimulem formas de mercantilização em qualquer nível do sistema educativo”.

A ANPG deu a sua contribuição incluindo nos acordos finais importantes propostas para os estudantes. Entre elas podemos destacar políticas relacionadas à licença maternidade, ações afirmativas, democratização do acesso, liberdade de pensamento, reconhecimento de títulos, etc. Durante a Conferência constituiu-se o Espaço Latino americano e Caribenho de Educação Superior (ELACES), um importante instrumento para construir pontes entre os países da América Latina. A concretização das propostas aprovadas durante a conferência estão sendo discutidas e a ANPG joga papel de destaque na defesa da educação pública e na resistência à ofensiva conservadora que atinge ao conjunto da região. Estamos vivendo um momento onde os setores ligados ao mercado retomam ofensiva no continente. A ANPG, portanto, cumpre importante papel no fortalecimento dessas relações, ao participar ativamente da construção de espaços como estes, em conjunto e/ou representando a Organização Continental Latino americana e Caribenha de Estudantes (OCLAE) que tem a função de aprofundar ainda mais esses laços.

 

A ANPG denuncia mais um ataque contra a Ciência e a Educação brasileiras, desferido na última sexta-feira, quando o governo federal anunciou o decreto de contingenciamento de verbas dos ministérios.

No que diz respeito ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e Comunicação (MCTIC), o congelamento é de 42,2% do orçamento previsto para 2019, representando redução de 2,13 bilhões no orçamento. Proporcionalmente, trata-se de um dos maiores cortes em comparação a outros ministérios, sendo que este já é o pior orçamento da década para a pasta.

Em relação ao Ministério da Educação, o bloqueio chega a 5,83 bilhões, atingindo as universidades, a assistência estudantil, colocando em risco todo sistema nacional de ciência e tecnologia e de educação do país.

Serão diretamente prejudicados o funcionamento do CNPQ, que terá verbas para realização de suas atividades e compromissos assegurados apenas até o mês de julho, projetando prejuízo para pagamentos de projetos e bolsas de estudos, política pública necessária para o fomento científico. Essa mesma realidade pode atingir a Capes, que já teve revogado recentemente o Programa de Demandas Espontâneas e Induzidas.

Isso significa a paralisação de pesquisas, interrupção dos trabalhos de bolsistas no Brasil e no exterior e uma realidade ainda mais dura para as universidades públicas brasileiras, que estão à mingua. Algo que compromete projetos e pesquisas das mais diversas áreas do conhecimento, como saúde pública, por exemplo, que responde pela busca de cura e tratamentos para doenças que assolam a população.

Em nome do cumprimento das metas do superávit primário, projetado em 139 bilhões para este ano, são retirados recursos indispensáveis para a vida de pessoas, destinando-os à banca financeira nacional e internacional. Esse é o reflexo do projeto político em curso no Brasil, representado por Bolsonaro, com seu caráter profundamente antinacional e que tem no desmonte da ciência e da educação suas expressões mais perversas.

Em épocas de crise é necessário o investimento na ciência e na educação para retomada do crescimento e desenvolvimento econômico do país. Sem recursos para essas áreas, não se consegue dar respostas para os dilemas diários que a população vem enfrentando. As experiências no mundo comprovam que países que não investem em ciência e educação abrem mão da soberania, da independência e do desenvolvimento.

A ANPG convoca a todos os pós-graduandos no Brasil e todas as entidades científicas, acadêmicas, movimento social e sociedade civil a marcharem contra essas medidas que solapam as oportunidades de voltarmos a crescer e melhorar a qualidade de vida do povo. Estaremos vigilantes e na luta em defesa do orçamento da ciência e da educação e da possibilidade de fazer ciência no país.

São Paulo, 2 de Abril de 2018
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUANDOS

por Alana de Moraes Leite[1] e Paulinho Coelho[2].

Na historiografia brasileira existem muitas vertentes de interpretação acerca do Golpe Militar de 1964, ou Ditadura Civil-Militar. Essas vertentes variam tanto em interpretação quanto em datas, e buscam (re) escrever a história do Brasil a partir de diferentes perspectivas. Adotamos aqui, o recorte temporal que estende o evento no período compreendido entre 1964 e 1985. Nesse texto, o qual, antes de seguir regras acadêmicas, possui a intenção de ser um texto militante, buscaremos abordar como as “leis punitivas”, ou suas ausências, impactaram o longo processo de redemocratização do Estado Brasileiro.

A violência, em forma de tortura e morte, ocorrida durante a Ditadura Civil-Militar insere o evento no campo da História de “Eventos Traumáticos e Traumas Coletivos”. Diferente da grande maioria dos regimes ditatoriais, ocorridos na América Latina, contemporâneos à Ditadura brasileira de 1964, como o caso da Argentina, a violência do Regime no Brasil, não foi exposta a sociedade como um todo. O historiador Carlos Fico, mostra-nos que “a Guerrilha do Araguaia foi censurada, as ações armadas urbanas eram vistas pela sociedade como terrorismo, a tortura era negada e ocultada do grande público[3]. E mesmo após a abertura política, “lenta, gradual e segura”, como queriam os militares, os documentos da ditadura, enquadrados como “documentos sensíveis”, continuaram fechados para historiadores, cidadãos comuns e mesmo vítimas.

A compreensão desse processo, de maneira resumida, é perpassada pela Lei da Anistia de 1979 e, mais recentemente, pela Lei de Acesso à Informação (LAI – 12.527/2011) e diversas comissões da “Memória, Verdade e Justiça”, instituídas durante o primeiro governo Dilma Rousself (2011-2014). A Lei da Anistia aprovada no Brasil em 1979 garantiu, para além do retorno dos oposicionistas ao regime e liberação dos presos políticos, o “perdão aos torturadores”, fato que, ao abrir mão de uma política verdadeiramente punitiva contra aqueles que cometeram atos de violência, consagrou a impunidade e permitiu a continuidade dos torturadores na política nacional, bem como, a segurança dos documentos que comprovam a realização de tais atos. Essa impunidade gerada pela Lei da Anistia, somada a outros fatores, fez com que Carlos Fico classificasse a Ditadura brasileira e a redemocratização como eventos sem ruptura, o que faz o tema ser amplamente discutido na sociedade do presente.

Mais recentemente, a Lei de Acesso à Informação[4] (LAI – 2011), representou um avanço nos estudos do período, faz-se necessário ressaltar, ainda, que a Lei foi fruto de um amplo processo de leis que versavam acerca da visibilidade desses documentos. A LAI, determina em seu art. 21, parágrafo único, que “As informações ou documentos que versem sobre condutas que impliquem violação dos direitos humanos praticada por agentes públicos ou a mando de autoridades públicas não poderão ser objeto de restrição de acesso”, e ainda, em seu art. 31, parágrafo quatro, que “a restrição de acesso à informação relativa à vida privada, honra e imagem de pessoa não poderá ser invocada com o intuito de prejudicar processo de apuração de irregularidades em que o titular das informações estiver envolvido, bem como em ações voltadas para a recuperação de fatos históricos de maior relevância”.

Dando um salto para eventos mais recentes, notamos que a “memória”, ou a memória que se queira, acerca da Ditadura continua a ser evocada. O presidente eleito em 2018, Jair Bolsonaro (PSL), que em seus mandatos legislativos já havia ido à tribuna diversas vezes evocar a memória da Ditadura como um tempo de prosperidade e glória no nosso país e homenagear a figura de torturadores, determinou a “comemoração” do Regime Militar.

Em comparação, é comum encontrar em cidades argentinas, referências a pessoas e locais ligados à tortura sistematizada do período da Ditadura Militar (1976-1983). Por vezes isto é feito pelo Estado, outras por militantes que identificam os locais de tortura ou residências de torturadores e “sinalizam”. Também é comum a manifestação de instituições, como clubes de futebol, empresas e personalidades, quanto à memória da Ditadura Militar, das torturas, das prisões injustas e assassinatos. Essas manifestações não são vistas por lá como um posicionamento ideológico. As palavras-chave são “memória, verdade e justiça”.

No Brasil, as diversas Comissões da Memória, Verdade e Justiça, buscam (re) memorar e historicizar o evento traumático. Esbarram, contudo, no quesito justiça. A Lei do Acesso à Informação representa um avanço no que concerne aos estudos históricos acerca do período, determinar a superioridade dos “fatos históricos de maior relevância” em relação “à vida privada”, é, indubitavelmente, um avanço. No entanto, a Lei da Anistia de 1979 impede que o trabalho desenvolvido pelas Comissões tenha caráter punitivo. Nos faltou documentação para resgatar a verdade durante muito tempo, hoje, os entraves existem para fazer justiça.

Os argentinos encontraram seu caminho no conhecimento do próprio passado por meio da política. Política de memória, de verdade e de justiça. Para que nunca se esqueça, para que nunca mais aconteça. O Brasil negligencia seu próprio passado há muito tempo. Com isso, vemos uma relativização de tudo o que o nosso país passou nos 21 anos em que perdurou o Regime Militar. Ainda tratamos esta história como tendo dois lados dotados de relativa justiça. Houve pouca reparação às vítimas e quase nenhuma justiça para quem usurpou o poder, quem torturou, quem matou, quem roubou os sonhos de toda uma geração. Ainda é possível encontrar estações de trem e metrô, rodovias, prédios, que homenageiam a figura de torturadores, sem que sequer a sociedade tenha conhecimento disto, podendo citar como exemplo, as Rodovias Castelo Branco e Costa e Silva, em São Paulo, e ainda, um bairro chamado Presidente Médici, em Campina Grande, cidade do estado da Paraíba. Em contraponto, no estado do Maranhão, na gestão do governador Flávio Dino (2015 – atual), os prédios públicos com nomes de torturadores tiveram seus nomes alterados.

Mais do que lembrar o passado e repudiar o regime no plano do discurso, faz-se necessário construir, a partir do importante papel das comissões, uma política que permita e exija punição. É inconcebível que criminosos sejam tratados como heróis, que se celebre as grandes vergonhas do nosso passado. É uma luta real. A história não pode ser escrita de acordo com os interesses de quem está no poder, de quem quer chegar ao poder. É de responsabilidade do Estado Brasileiro, mostrar ao nosso povo e ao mundo as feridas abertas na nossa história. As instituições da Sociedade Civil, incluindo aqui a Associação Nacional de Pós-Graduandos e Pós-Graduandas, colocam-se como “sentinelas”, como soldados armados guardiões da memória, para garantir que o brado do Nunca Mais, de fato, nunca mais se repita.

[1] Doutoranda em História pela Universidade Federal Rural de Pernambuco. Militante do Partido Comunista do Brasil. Foi vice regional da União Nacional dos Estudantes no estado de PE. É integrante da Associação Nacional de Pós-graduandos e Pós-graduandas. E-mail: [email protected]

[2] Discente no curso de Jornalismo pela Universidade Estadual da Paraíba. Presidente do Partido Comunista do Brasil – Diretório Municipal de Santa Cruz do Capibaribe – Pernambuco. E-mail: [email protected]

[3] FICO, Carlos. História do Tempo Presente, eventos traumáticos e documentos sensíveis – o caso brasileiro. VARIA HISTORIA, Belo Horizonte, vol. 28, nº 47, p.43-59, jan/jun 2012. Pág. 8.

[4] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm

 

*As opiniões aqui reproduzidas são de responsabilidade de seus autores e não representam, necessariamente, a opinião da entidade.

Comprometidos com dedicação exclusiva, mestrandos e doutorandos enfrentam dificuldades para se manter com valores que recebem.


FLAVIA CALÉ
especial para Direto da Ciência*

Entre os imensos desafios que o país precisa enfrentar, o de resgatar o papel da ciência e tecnologia como área estratégica para o desenvolvimento soberano da Nação talvez seja um dos mais importantes. Para fazê-lo será preciso enfrentar uma intensa disputa política.

Como se sabe, estamos imersos em uma crise econômica prolongada, com efeitos devastadores nas contas públicas que se refletem na insolvência de estados e municípios, no corte de salários e serviços públicos essenciais. Nesse contexto, a saída única apresentada pela equipe econômica do novo governo consiste em reduzir o déficit fiscal por meio do enxugamento da máquina, do corte em políticas sociais e direitos, desinvestimentos, privatizações e contingenciamentos ou cortes drásticos no orçamento de ministérios.

Obviamente, diante de tal quadro, fica mais difícil fazer o debate político sobre as prioridades estratégicas, sobre a urgência da recomposição de investimentos em ciência, tecnologia, pesquisa, inovação. Afinal, como convencer alguém que não tem como pagar as contas imediatas a não cortar da área cujo resultado é futuro? Pois é esse o desafio que precisa ser enfrentado.

É inadmissível que um país com as dimensões do Brasil naturalize a não realização de suas potencialidades, que aceite a “fuga de cérebros” brasileiros para desenvolver outras nações, que assista passivamente a carreira científica deixar de ser opção viável para as novas gerações. Tal escolha ou inação equivale a eternizar o subdesenvolvimento, tornando-o política de Estado.

A situação internacional aponta para uma guerra comercial entre EUA e China, que disputam o protagonismo global no próximo período. Está em andamento a chamada quarta revolução tecnológica, um salto gigantesco no sistema produtivo, que já está substituindo o trabalho humano em muitas áreas, criando novas e extinguindo antigas profissões, propiciando imensa acumulação de riquezas nos países dinâmicos e trazendo ameaças neocoloniais aos países periféricos.

A pergunta é: como vai se portar o Brasil diante disso? Buscaremos nosso lugar nesse cenário ou ficaremos inertes, esperando que as grandes potências decidam qual o nosso lugar no sistema de produção mundial? Sem valorizar a ciência, a pesquisa e o pesquisador, estaremos condenados à segunda opção.

 

Precarização e desestímulo

Estima-se que 90% da pesquisa científica nacional seja proveniente da pós-graduação. É um capital humano de alto nível, qualificado, que deveria ser valorizado. No entanto, as bolsas de mestrado e doutorado oferecidas no Brasil giram entre R$ 1.500 e R$ 2.200, respectivamente, e não são reajustadas há seis anos  –  é uma verdadeira calamidade.

Para efeitos de comparação, segundo dados disponíveis no Secovi, o aluguel de um apartamento de 50 m2 e um dormitório no centro de São Paulo fica em torno de R$ 1.400, sem contar o condomínio. A tarifa de ônibus custa R$ 4,30 a viagem, mesmo valor do metrô. O valor médio da refeição na capital paulista fica na faixa de R$ 30. Ou seja: o mestrando tem de escolher se mora, almoça ou se transporta com o recurso da bolsa, que é destinada para dedicação exclusiva.

À precarização, somam-se a estafa própria da rotina de pesquisa e as dificuldades posteriores de absorção no mercado, cada vez mais restrito diante das privatizações, da falta de investimentos para contratação de trabalhadores em institutos de pesquisa e universidades públicas e do baixo investimento da iniciativa privada em pesquisa e inovação.

A resultante é o desestímulo à carreira científica para muitos jovens, que acabam migrando para outras áreas. Outros tantos se veem obrigados a buscar oportunidades no exterior. Além de perdermos talentos, ainda financiamos indiretamente o incremento tecnológico de outros países, dos quais depois importaremos produtos de alto valor agregado.

Em busca de alternativas para essa situação, a Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG) lançou a campanha nacional Pelo Reajuste de Bolsas Já! A bolsa deveria ser compreendida como a remuneração de um trabalho de extrema relevância para o país e, como tal, precisaria ter uma política de reajuste anual de acordo com a variação da inflação, além da recuperação das perdas dos últimos seis anos em que ficou estagnada.

Não há desenvolvimento e redução de desigualdades que prescindam de ciência e tecnologia e, consequentemente, da pesquisa científica. Por isso, valorizar o pesquisador é condição precípua para uma reinserção soberana do país no mundo.

FLÁVIA CALÉ DA SILVA é mestranda em História Econômica na Universidade de São Paulo e presidenta da Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG).