Mulheres na Ciência: Quais são nossos desafios?

carteira de estudante

Muito se fala sobre atingir a equidade de gênero, e a na perspectiva feminista, para que isto aconteça, deve haver uma mudança nas estruturas da sociedade: na política, justiça, economia, educação… Para Guacira Lopes Louro, todas essas instâncias, práticas ou espaços sociais são produzidas e construídas a partir de relações de gênero, classe e etnia. Portanto, isto não poderia ser diferente dentro da academia. Diversas autoras, como por exemplo Sandra Harding, Isabelle Stengers, Lélia Gonzáles e tantas outras formularam discussões sobre o fato da produção do saber científico ser, ainda, um campo extremamente masculinizado, seguindo um padrão branco e ocidental. Este movimento de uma crítica feminista à ciência é crescente desde a década de 70, e mesmo 40 anos depois, continua sendo um debate extremamente atual.
Quantas autoras lemos quando recebemos a ementa dos nossos cursos de graduação e pós-graduação? E dentro das salas de aula, quantas professoras tivemos? Quantas delas são mulheres negras, indígenas?
Quando fazemos estas reflexões, percebemos as contradições dentro das Universidades e do magistério no geral. É muito comum ouvirmos que a docência é um espaço “feminino”. Mas por quê?
O gênero e a raça são categorias utilizadas para designar relações e papeis sociais. Constrói-se o que é considerado feminino e masculino, padrões de comportamento e traços de personalidade. Desta forma, homens e mulheres também vivenciam o espaço de diferentes formas. O espaço da esfera pública é considerado como do trabalho produtivo, dos direitos, dos homens. Já o espaço privado, do lugar do doméstico, do cuidado. Essas dicotomias se perpetuam e são vistas no espaço acadêmico.
Geralmente espera-se que as mulheres estejam a frente de profissões onde é necessário o cuidado, a atenção. Esta é uma das razões pelas quais o magistério é uma profissão considerada feminina, principalmente na educação infantil – não é à toa que este segmento é popularmente conhecido, inclusive, como “maternal”. No Brasil, as escolas normais surgem em meados do século XIX, e sua composição discente majoritariamente é de mulheres – brancas em sua maioria e de famílias abastadas; o currículo era voltado às “prendas domésticas”. Mas foi a partir do século XX que se iniciou a “feminização” do magistério. Argumentava-se que as mulheres seriam mais adequadas à profissão por causa de traços relativos à personalidade, pelo fato do magistério ser visto como uma extensão ao lar e posteriormente, devido ao baixo salário – que afastou os homens, pois o magistério inicialmente era uma profissão masculina.
O magistério não significou liberdade – se formos pensar através do ponto de vista das mulheres brancas, visto que as desigualdades de gênero se dão de diferentes formas para mulheres negras, indígenas, LBT, idosas ou periféricas. Enquanto as mulheres brancas buscavam o empoderamento e o mundo do trabalho, a realidade das mulheres não-brancas era outra, visto que após a escravidão passaram a ocupar postos de trabalho como o doméstico ou outros trabalhos de baixa remuneração. O magistério para estas mulheres era visto como uma possibilidade de mobilidade social.
Porém, segundo o último Censo do professor (2007), ao mesmo passo que a educação infantil é ocupada majoritariamente por mulheres, ao longo desta trajetória, os cargos voltados para os anos finais da educação começam a ser cada vez mais ocupados por homens:
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Quando o trabalho sai da esfera da reprodução do cuidado para a produção do saber, os papeis se invertem. Ao observamos o número de docentes de instituições de Ensino Superior, esta diferença é ainda mais nítida:
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Porém, dentro da pós-graduação, o panorama é outro: No Censo de 2010, foram contabilizados 147.638 pesquisadores e, deste montante, 51% são homens e 49% são mulheres.
Segundo estudo de Andreia Barreto, 2014, sobre distribuição e representatividade da mulher no ensino superior, em 2010, as mulheres já constituíam maioria na população de mestres residentes no Brasil, porém sua remuneração mensal média das mulheres era cerca de 42% menor do que a dos mestres homens. Os dados são da pesquisa Mestres 2012 (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, 2012).
Já o número de doutoras,  de acordo com os dados da pesquisa Doutores 2010 (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, 2010), no ano de 2004, o número de doutoras tituladas ultrapassou o de homens no Brasil. Desde então, as mulheres são maioria no total de tituladas.
Porém, segundo dados do CNPq 76%, dos cientistas de nível sênior que recebem bolsas de pesquisa no país são homens. Ou seja, mulheres conseguem atingir no início da carreira científica, porém não dão continuidade às suas carreiras. Segundo o estudo Mapping Gender in the German Research, este abandono se dá por diversos fatores como sexismo no ambiente de trabalho e as duplas, triplas jornadas do trabalho doméstico – panoramas que não são muito diferentes do Brasil. O tempo que muitas mulheres poderiam estar se dedicando às suas pesquisas, estão na verdade cuidando de tarefas domésticas, do trabalho reprodutivo não remunerado, enquanto alguns homens usufruem deste tempo produtivo e criativo. A divisão sexual do trabalho e o sexismo enraizados na nossa sociedade são mais uma barreira na ascensão de mulheres pesquisadoras.
O magistério é ocupado por mulheres quando este tange a esfera do trabalho reprodutivo e do cuidado, professoras das series iniciais. Porém quando o trabalho envolve a produção de saber científico nas universidades, estes espaços começam a ser majoritariamente ocupados por homens, professores-pesquisadores.
Um dos caminhos a se seguir é legitimar as produções científicas das mulheres. Construir novas racionalidades e produções de saberes, afinal o acesso ao conhecimento científico ainda é um privilégio. O outro e tão sonhado caminho é a democratização do acesso à educação, para que um dia possamos construir um saber científico que não seja elitista, sexista e racista, e que esta não seja um privilégio para poucos.

Luyanne Catarina Lourenço de Azevedo (UERJ), Diretora de Mulheres ANPG

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