O incêndio no Museu Nacional e o impacto na pós-graduação

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Pós-graduandas e pós-graduandos em ATO na Cinelândia, Rio de Janeiro, pelo descaso do Governo em relação ao Museu Nacional

A mais antiga instituição científica do Brasil pegou fogo neste último domingo, 2 de setembro. O Museu Nacional (MN), no Rio de Janeiro, era o local de referência  de estudos de geologia, antropologia biológica, paleontologia, entre outras áreas, e deixou um vazio na cultura, história, ciência e afetividade brasileira.
A perda de seu acervo afeta diretamente a pós-graduação brasileira. No Museu eram oferecidos cursos de mestrado e doutorado em Antropologia Social, Arqueologia, Botânica e Zoologia, além de cursos de especialização em Línguas Indígenas Brasileiras, Gramática Gerativa e Cognição, e Geologia do Quaternário.  “O MN abrigava nove cursos de pós-graduação, alguns dos quais internacionalmente reconhecidos pela qualidade da pesquisa realizada. A perda é incalculável. Todo o sistema nacional de pós-graduação será afetado pela destruição desse espaço. Além das perdas no campo das ciências naturais, a Antropologia e a Linguística também foram brutalmente afetadas. Uma perda irreparável para a história da humanidade. Também cabe considerar a perda direta para a cidade do Rio de Janeiro. O Museu Nacional era, provavelmente, a única opção viável de acesso à ciência para muitas crianças. Para esse público será ainda mais difícil conhecer e se integrar à ciência desde cedo”, conta o pesquisador e diretor da ANPG, Rafael Souza.
A presidenta da ANPG, Flávia Calé, reforça que a importância do Museu Nacional é refletida em diversas áreas. “Tínhamos um acervo de peças egípcias, por exemplo, que pertencerama Dom Pedro II, uma série de vertebrados e de dinossauros de 11 milhões de anos, sem falar em Luzia, o primeiro fóssil de um ser humano encontrado no Brasil e que abriu um debate sobre os fluxos migratórios que povoaram o mundo, entre outros. A importância do acervo do Museu Nacional, tanto quanto o do próprio edifício, onde viveu a família imperial, é inigualável. O museu é um pilar fundamental para a formação do cidadão, que tem contato com uma cultura universal. A pós-graduação brasileira precisa se mobilizar e debater os parâmetros para a sua reconstrução”, afirma Flávia.
A Diretora da pasta de cultura da ANPG, Maria Emília Vasconcelos, também exemplifica como este incêndio atinge a cultura. “O Museu Nacional é um patrimônio histórico tombado pelo Iphan e para além de seu tombamento físico o local era essencial para ciência e para a pós-grdauação brasileira. O curso de pós-graduação de antropologia formou antropologos renomados como Gilberto Freire e perdemos relatos históricos e culturais de documentos que carregam em seus papéis, imagens,esculturas que contam a nossa história. Isso não tem substituição. É uma grande perda”.
Os casos de mestrandos e doutorandos afetados pelo incêndio são muitos.  Para Ruth Guimarães Torres, doutoranda em História pelo programa de pós-graduação da UFMG, que tinha como linha de pesquisa a atuação do Museu Nacional do Rio de Janeiro em defesa dos monumentos naturais no Brasil na década de 1930, este é um momento extremante complicado. “Já estou em contato com minha orientadora sobre o andamento da minha pesquisa. Vamos nos reunir para discutir o que pode ser feito, mas sinceramente não sei que rumo minha pesquisa vai tomar, pois não sei sobre a sua viabilidade, está tudo muito recente”, explicou.
Uma das principais fontes de Torres estava no Seção de Memória e Arquivo do Museu Nacional/UFRJ (SEMEAR), que ficava no MN e foi destruída. “A grande massa do Semear foi perdida e não estava digitalizada. Tenho cópias de algumas imagens, mas grande parte dos documentos que eu ainda não havia pesquisado não existe mais, infelizmente”, diz Ruth.
Para a pós-graduanda Juliana Goulart Silva, que pesquisava a Língua Guarani Mbya , a situação de sua pesquisa também está nebulosa.  “Minha pesquisa de mestrado é sobre a proteção do profissional de línguas indígenas brasileiras e eu iniciaria esse ano. Não sei mais se vai começar”. O único mestrado profissional em línguas indígenas brasileiras oferecido por uma instituição pública no Brasil era realizado no Museu Nacional.

O diretor da ANPG, Rafael Souza, é estudante do PPG de Zoologia na UERJ desde 2013 e trabalha na área de Entomologia, especificamente, com sistemática e biogeografia de insetos da ordem Trichoptera. Ele conta como o incêndio pode afetar todas as pesquisas nesta área. “Apesar de ficar boa parte do meu tempo no Laboratório de Entomologia na Ilha do Fundão, o Museu Nacional sempre foi fundamental para mim e outros pesquisadores em Zoologia, não só do Brasil, mas também de diversas partes do mundo. A coleção abrigava cerca de 5 milhões de insetos dos mais diversos grupos e servia como referência e material testemunho de grande parte da pesquisa sobre a fauna do Brasil. Entre o material que foi perdido tínhamos exemplares coletados por grandes naturalistas como Fritz Muller, Julius Arp, Hermann Burmeister e Miguel Monné. Após as perdas decorrentes do incêndio no MN, precisaremos fazer um levantamento daquilo que foi perdido, em especial, dos exemplares-tipo, que foram utilizados para descrever espécies previamente desconhecidas. Infelizmente, muito de nós tivemos os projetos completamente inviabilizados e será necessário reiniciar do zero”, observa Rafael.

Entenda o que a ciência perde
O site da BBC NEWS publicou no dia 4 de setembro uma reportagem destacando as perdas em várias áreas do conhecimento. Confira:

Animais perdidos antes de serem identificados

No Brasil, foram descobertas onze espécies da família de titãs, como o Adamantissauro, o Brasilotitan e o Maxakalissauro – este último, exposto no Museu Nacional.

Pelo menos um terço das quase 30 espécies de dinossauros descobertas no Brasil estava no Museu. Ainda não se sabe o que pode ter sobrevivido ao fogo.

Insetos únicos no mundo

Para pesquisadores de áreas como a entomologia – o estudo de insetos -, a perda de espécimes (peças individuais) de borboletas e besouros que estavam no Museu também é considerada catastrófica, mesmo que eles ainda existam na natureza.

“Alguns dos espécimes que estavam lá foram usados para descrever aqueles animais pela primeira vez. Isso quer dizer que qualquer pessoa que está estudando estas espécies tem que revisar aquele exemplar inicial”, explica o entomólogo Marcus Guidoti à BBC News Brasil.

“Se perdemos esses exemplares, mesmo que tenhamos fotos, a identidade dessas espécies fica inacessível na prática”, completa Marcus.

Línguas desaparecidas para sempre

Para a antropóloga Adriana Facina, a perda do acervo do Museu Nacional “é comparável à perda de uma pessoa querida”.

“No caso da área de Antropologia Social, perdemos cadernos de campo, entrevistas, fotografias, trabalhos desde os anos 1960. São histórias e narrativas de pesquisadores que estudavam populações indígenas, camponeses, principalmente no Nordeste, migrantes”, disse à BBC News Brasil.

“O setor de linguística perdeu, para smpre, registros de línguas indígenas que não têm mais falantes vivos”, alerta Adriana.

Ainda não se sabe a extensão dos danos causados pelo incêndio, mas, nos arquivos de linguística, havia gravações de cantos indígenas feitas no final dos anos 1950, além dos únicos registros da localização de todas as etnias brasileiras feitos antes desta década.

Grande parte deles pertencia ao Arquivo Curt Nimuendaju, coleção de manuscritos e mapas feitos pelo etnólogo alemão Curt Unckel, que percorreu o Brasil estudando povos indígenas por mais de 40 anos.

Leia a matéria na íntegra: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45404257

Pós-graduação atenta: outros museus brasileiros pedem socorro

Pós-graduação atenta: outros museus brasileiros pedem socorro

O incêndio no MN não foi um acidente ou uma fatalidade. Foi um crime que representa toda a negligência e irresponsabilidade do poder público com as instituições públicas e o patrimônio histórico-cientifico-cultural do Brasil.

Não é de hoje que a ANPG vem denunciando os sucessivos cortes aplicados às universidades públicas brasileiras e à ciência. Estes, por sua vez, têm reverberado em consequências reais, comprometendo a manutenção dessas Instituições e dos equipamentos científicos vinculados, conduzindo a uma situação de extrema vulnerabilidade. Falta dinheiro para o trivial: água, luz, limpeza e pequenas reformas.
Agora, é preciso estar atento para que outra catástrofe não aconteça com outro museu. É importante ressaltar que o Brasil conta com 3834 museus. O estado de São Paulo lidera com 668, enquanto Roraima só tem cinco.

Veja por Estado:

Acre – 24
Alagoas – 67
Amapá – 9
Amazonas – 49
Bahia – 179
Ceará – 163
Distrito Federal – 78
Espírito Santo – 76
Goiás – 80
Maranhão – 36
Mato Grosso – 54
Mato Grosso do Sul – 65
Minas Gerais – 432
Pará – 54
Paraíba – 95
Paraná – 301
Pernambuco – 125
Piauí – 27
Rio de Janeiro – 325
Rio Grande do Norte – 80
Rio Grande do Sul – 468
Rondônia – 22
Roraima – 5
Santa Catarina – 257
São Paulo – 668
Sergipe – 35
Tocantis – 50
Fonte: http://museus.cultura.gov.br/busca/##(global:(enabled:(space:!t),filterEntity:space,map:(center:(lat:-15.77110917357528,lng:-47.87841796875),zoom:5)),space:(filters:(En_Estado:!(SE,TO))))

Listamos alguns locais que precisam de atenção:
Museu Paraense Emílio Goeldi

O MPEG, também chamado de “O Museu da Amazônia”, é o maior acervo da diversidade biológica e sociocultural da Floresta Amazônica e o segundo mais antigo Instituto de Pesquisa Científica do Brasil.
Localizado em Belém, o museu tem a missão de catalogar e analisar todo o conhecimento proveniente da fauna e flora da região, tornando-o público e contribuindo para a formação da memória cultural e para o desenvolvimento regional. Atualmente, é um dos maiores museus brasileiros, com cerca de 4,5 milhões de objetos tombados, reunidos em 17 grandes coleções. Ele se destaca também na pesquisa científica, na pós-graduação e conservação de acervos.

Assim como outros, o MPEG quase encerrou suas atividades por falta de verba em 2017. Graças a uma vaquinha feita pelos paraenses, ele encerrou suas contas no azul e não corre mais o risco de fechar as portas. Mas precisa de reparos e mais verbas.

Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos
No Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos, no Rio de Janeiro, são feitas palestras, exposições e oficinas sobre a história da escravidão no país e sobre a cultura africana. Há também um passeio-aula em que os visitantes percorrem os locais da região que mais marcaram a vida quotidiana da população escrava.

No museu, é possível encontrar instrumentos que eram usados pelos escravos, como pontas de lança, argolas, colares, cachimbos e porcelanas, encontrados durante as escavações.
No ano passado, em 2017, o Instituto ficou sem receber verbas e, mesmo normalizado, após um ano o valor continua ineficiente para manutenção.

Parque Nacional da Serra da Capivara

Um dos maiores museus a céu aberto está abandonado. Além de ser uma reserva natural que mistura a caatinga à mata atlântica, o local é também a maior concentração de pinturas rupestres das Américas – e Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco desde 1991.

Sem recursos sequer para pagar os funcionários ou para cuidar das pinturas rupestres, a área está prestes a perder a proteção ambiental e arqueológica que existe desde os anos 70. A situação está tão ruim que a maior defensora do local, a arqueóloga Niède Guidon, já ameaçou largar tudo se algum dinheiro não fosse repassado pelo governo. Foi ela que pressionou o Estado a criar o parque, em 1978, e que dirige tudo por lá desde então – hoje, aos 83 anos, ela pode dizer que dedicou a vida ao lugar.

Museus de Minas Gerais

Museu de Arte da Pampulha (MAP), em BH

Parte do conjunto moderno, em Belo Horizonte, o equipamento cultural está aberto à visitação e aguarda recursos para restauro, incluindo investimento do PAC das Cidades Históricas.

Museu Georges Bernanos, em Barbacena

Na década de 1940, o escritor francês morou na cidade e hoje a direção do museu tombado pelo município busca meios para continuar a receber os visitantes. Descendentes de Bernanos se encarregam do projeto.

Museu Casa Natal de Santos Dumont, em Cabangu, em Santos Dumont

Com três pavimentos interditados há 10 anos, a direção do museu que guarda a memória do Pai da Aviação também busca meios para manter aberto o equipamento cultural inaugurado em 1973.

Museu Aurélio Dolabella/Casa da Cultura, em Santa Luzia

O solar diante da Matriz de Santa Luzia está fechado há mais de quatro anos e precisa de obras urgentes, principalmente na estrutura. Gambiarras próximas ao prédio assustam moradores e visitantes

Museu de São Paulo (Museu do Ipiranga)

O Ipiranga está fechado desde 2013, quando um laudo apontou risco iminente de desabamento do forro e o levou a ser interditado. Algumas das peças do museu –mais de 450 mil obras– foram transferidas para várias unidades. A previsão de reabertura é em 2022.

MAC (Museu de Arte Contemporânea)
O MAC também aguarda reforma. No caso deste museu é preciso reformar a reserva técnica, isto é, o espaço onde são guardadas as obras fora de exibição. Como o espaço corre risco de inundações, ele não pode receber a coleção, alojada de forma dispersa na parte expositiva do museu.

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