Suicídio de pós-graduando da UERJ levanta questões sobre saúde mental na pós-graduação

carteira de estudante

A Associação de Pós-Graduandos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (APG UERJ) está consternada com a notícia da morte do pós-graduando de Artes, veiculada por outros pós-graduandos no decorrer da semana. Primeiramente, solidarizamo-nos com a dor de seus familiares, amigos e toda a comunidade acadêmica do Instituto de Artes da UERJ.
Rodrigo Marques era aluno do Programa de Pós-Graduação em Artes (PPGArtes UERJ) desde 2015. Durante sua trajetória na instituição, o estudante já apresentava sinais de ansiedade e estresse, os quais se desenvolveram em um quadro depressivo. Rodrigo não conseguiu concluir o curso, foi reprovado na qualificação. Num sistema meritocrático e produtivista – em que a própria academia se insere – é comum o desenvolvimento de transtornos de ansiedade, depressão, pânico. As instituições acadêmicas tem como foco o resultado, de preferência em larga escala, sem se preocupar com a saúde mental do ser humano responsável por esta produção. Em momentos de crise, como acontece agora, estes quadros se agravam. Rodrigo se suicidou no dia 6 de dezembro de 2017.
A saúde mental dos estudantes na pós-graduação já se tornou uma questão recorrente, seja em conversas entre estudantes ou mesmo em artigos científicos. Com a popularização do acesso a cursos de pós-graduação nos últimos anos, o perfil do discente mudou, porém os programas em sua maioria não estão preparados para lidar com esse novo público. Em pesquisa divulgada pela Folha de São Paulo, só neste ano, os recursos para a ciência foram cortados em cerca de 40%, tornando-se os menores em mais de uma década. Uma parcela considerável dos estudantes de pós-graduação não trabalham pois em muitos casos é imposto um regime de dedicação exclusiva ao curso. Garantir a subsistência apenas com a bolsa é tarefa árdua, principalmente em cidades como o Rio de Janeiro. É importante ressaltar também que muitos estudantes não possuem bolsa. Em contrapartida, o produtivismo é algo inerente da academia e é do bolso do estudante que muitas vezes acaba saindo o dinheiro para apresentação de trabalhos em congressos – e mais uma vez, se a bolsa não garante a subsistência, o que dizer dos trabalhos a serem apresentados? Isso faz com que cobranças relativas à produtividade acabem gerando um mal-estar para quem não consegue produzir de acordo com o que lhe é cobrado. É nítido que há uma relação assimétrica de poder entre o professor orientador e os orientandos e a forma como estes lidam com esse tipo de questão demonstra como não estão preparados ainda para lidar com outras formas de pesquisa, gerando uma grande angústia e acarretando quadros clínicos de depressão, ansiedade, crises de pânico, como citados na reportagem da Folha.
Enquanto estudantes, sabemos que muitas vezes a forma como somos cobrados acaba gerando um certo pavor quanto ao curso e a pesquisa, trazendo à tona dúvidas sobre a continuidade ou não do curso. Infelizmente casos como o do Rodrigo tem se tornado frequentes e devem servir de alerta para todos e todas que estão dispostos a mudar a forma que o sistema opera. A forma com que o produtivismo é colocado é cruel e adoece. Precisamos pensar no ser humano que não é apenas produção. Falar sobre depressão e suicídio é caso de saúde pública, e não podemos ignorar estes casos dentro da pós graduação. A psicanalista e pesquisadora Maria Rita Kehl explicita em diversas entrevistas que a depressão cresce a níveis epidêmicos, justamente pela vivência no mundo atual se dar cada vez mais através da aceleração do tempo, desvalorizando questões psíquicas e trazendo um grande sentimento de vazio.
Porém, é importante salientar que nem sempre o suicídio acontece em decorrência de casos de depressão. Em setembro deste mesmo ano, o reitor Cancellier foi preso e acusado de obstrução de investigação em operação da Polícia Federal que acusava docentes de desvio de recursos em bolsas de educação à distância na UFSC. O reitor foi alvo de condução coercitiva e prisão provisória, tendo sido afastado das funções por decisão judicial. Tanto a administração da universidade, como Institutos, professores e estudantes manifestaram seu repúdio à forma com que essa operação foi conduzida e publicizada. Dezoito dias após o ocorrido, o reitor cometeu suicídio atirando-se de um shopping center de Santa Catarina.
A APG UERJ reforça que vivemos em um período de ataques às instituições públicas e tais práticas chegam mais uma vez à Universidade Pública Brasileira. Continuaremos a defender educação pública, gratuita e de qualidade, e mais investimento em pesquisa e inovação para fomentar a soberania nacional. Reiteramos a nossa defesa pelo direito ao contraditório e da presunção de inocência para todos os indivíduos, garantidos pela constituição cidadã de 1988.
Mais uma vez, apontamos para a necessidade de se falar sobre o suicídio. Segundo a OMS, a cada 40 segundos uma pessoa comete suicídio no mundo, em contraponto apenas 28 países relatam possuir como prioridade uma estratégia nacional de prevenção para o suicídio. Este pode ser, portanto, entendido e investigado como um fenômeno social, uma ação individual que, se observada mais aprofundadamente, questiona e denuncia falhas na regulamentação moral exercida pelo coletivo.
Da mesma forma que a publicização debate outros temas tabus que figuram entre a internet e jornais diários, como pedofilia ou incesto, contribuindo para a denúncia de práticas ilegais e para informar acerca de outras realidades, as notícias sobre suicídios poderiam obter o mesmo êxito, alcançando um gerenciamento dessa arena simbólica e proporcionar um compartilhamento de informações e experiências, promovendo debate e maior compreensão sobre temas sociais. A maioria das tentativas de suicídio permanece não relatada, assim como suas tentativas.
O psiquiatra Wolgran Alves Vilela, coordenador da área de Psiquiatria do Hospital de Clínicas da Unicamp, em entrevista à jornalista Miriam Abreu, declarou que histórias que envolvem suicídio podem ser divulgadas com tranquilidade, desde que os casos não sejam explorados de forma sensacionalista, e acrescentou: “A divulgação tem mais valor positivo do que negativo, já que aguça o interesse de estudiosos e autoridades, que tentam prevenir mais casos de suicídio”.
O suicídio não deve ser mostrado como inexplicável, muito menos de maneira simplista: Ele nunca é o resultado de um evento ou fator único. Normalmente sua causa é uma interação complexa de vários fatores como transtornos mentais e doenças físicas, abuso de substâncias, problemas familiares, conflitos interpessoais e situações de vida estressantes. Na pós-graduação os prazos apertados, pouco dinheiro, pressão para publicar artigos, carga de trabalho excessiva, cobranças, situações humilhantes, constrangimentos, solidão, assédio moral/sexual, desorientação (o que é muito comum também) somatizam esse descontentamento, reconhecendo que a combinação de uma variedade de fatores contribui para o suicídio.
O único caminho possível para elucidar essa triste realidade é o debate, o aprofundamento de reflexões, o diálogo entre estudantes e professores com a sociedade, num esforço coletivo voltado não só para prevenção, mas também para não escorregar em preconceitos, que tanto facilitam o encerramento de discussões difíceis, porém necessárias.

Manuelle Maria Marques Matias – UERJ
Diretora de Políticas Institucionais

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