Os rios que constroem nossa identidade: um povo forjado na resistência e superação

“Marielle perguntou, eu também vou perguntar. Quantas mais têm que morrer para essa guerra acabar?” Esse grito, entoado por centenas de estudantes emocionados, finalizou a dilacerante exposição da ministra Anielle Franco, irmã de Marielle, ex-vereadora carioca brutalmente assassinada em 2018.

O episódio aconteceu durante o debate “Os rios que constroem nossa identidade: um Brasil de todos nós”, do qual participaram a própria ministra da Promoção da Igualdade Racial, Renê Silva, jornalista e criador do Voz da Comunidade, no Complexo do Alemão, e Lúcia Stumpf, professora de História da Arte na Universidade de São Paulo.

Lúcia, que foi presidenta da União Nacional dos Estudantes, fez um paralelo entre o tema dessa 13ª Bienal e o trabalhado no evento em 2007, “Um rio chamado Atlântico”, que fazia a metáfora do oceano como se fosse um rio cujas margens fossem de um lado o Brasil e do outro a África.

A professora fez um resgate do imaginário construído através de obras de arte do período colonial para representar o povo brasileiro como branco de matriz europeia, apagando as representações negras e indígenas que são seminais para a formação do Brasil. “A cena inaugural do país, [do quadro] da Proclamação da Independência, mostra um herói branco, espada falicamente erguida, sequestra e apaga a lutados brasileiros que lutaram anos pela Independência”, criticou.

Lúcia defendeu que esse imaginário colonial seja derrubado para que se possa projetar nos livros de História e nas obras de arte a verdadeira matriz do povo brasileiro. “Das cinzas desse imaginário que não nos representa, vai ser feito o adubo do novo que vai nascer”, completou.

Visibilidade às pessoas pretas e periféricas
O jornalista Renê Silva teve grande projeção durante o período eleitoral ao oferecer um boné com a sigla “CPX”, abreviação de Complexo, ao então candidato Lula, quando este visitou o Complexo do Alemão, no Rio. Na ocasião, a rede de ódio bolsonarista viralizou uma fakenews afirmando que o “CPX” seria símbolo de uma facção criminosa.

Lembrando que o bolsonarismo vive de exacerbar medos e preconceitos para dividir a sociedade, Renê apontou a necessidade de dar visibilidade a tantas iniciativas positivas que são realizadas diariamente nas comunidades. “A gente tem que fazer um trabalho para combater esse tipo de marginalização que acontece com as pessoas pretas e periféricas. Temos hoje a oportunidade, através da tecnologia e das redes sociais que estão disponíveis, para potencializar o que existe de trabalho sendo feito nas favelas e periferias do Brasil, da juventude preta e periférica, que tem muita gente fazendo coisas incríveis que não são mostradas”.

Uma história de resistência e superação
Anielle Franco emocionou o público ao relatar sua história de vida e os momentos posteriores ao assassinato de sua irmã, quando ao invés de receber solidariedade, foi demitida de seu trabalho e humilhada por pais de alunos. “Quando eu passava para dar aula, os pais dos meus alunos cuspiam no chão por eu ser irmã da Marielle”, relatou.

A resistência e a superação são marcas da trajetória de Anielle. Menina criada na Favela da Maré, estudou no exterior através de uma bolsa conquistada como atleta, fez três mestrados, é doutoranda e virou ministra de Estado, pois nunca aceitou que seu “lugar” fosse designado pelos outros.

“Eu podia ter desistido quando mataram a Marielle e cheguei para ver minha com 5 tiros na cabeça. Eu podia ter parado quando fui mandada embora da escola. Eu podia ter parado quando fui fazer uma entrevista para ser jornalista em uma emissora e me disseram “você não tem rostinho para ser âncora”, afirmou, estimulando que os jovens jamais desistirem e estudarem sempre, porque o conhecimento jamais será retirado de ninguém.

“A gente está aqui para resistir e ressignificar! A gente está em uma mesa falando de rio. Eu costumo de dizer que favelado e favelada são tipo água, a gente vai se adaptando onde vai chegando. Eu não posso chegar no lugar sem saber de onde eu vim, onde estou e onde quero chegar”, finalizou.