O REAJUSTE DAS BOLSAS DE PÓS-GRADUAÇÃO É URGENTE E NECESSÁRIO!

Nós percebemos no cotidiano os impactos da desvalorização das bolsas CAPES e CNPq. O aluguel aumenta ano a ano e morar em república tornou-se uma necessidade para grande parte dos/as pós-graduandos/as, não é apenas uma opção de vida. No supermercado, com a compra simples de alimentos para a semana se vai 10% da bolsa. A bibliografia necessária para a formação de qualidade é inacessível, passamos a montar uma “xerocoteca” e a projetar a biblioteca somente nos sonhos. Além dos muitos/as pós-graduandos/as que, mesmo com bolsa, necessitam trabalhar em empregos precários para complementar a renda.
Entre esses e diversos outros acontecimentos cotidianos, a maior parte dos/as pós-graduandos/as percebem a desvalorização das bolsas. Ainda assim, poucas vezes alcançamos a real dimensão do quadro em que nos encontramos.
As bolsas de mestrado e doutorado estão congeladas há 70 meses, o último reajuste ocorreu em 1º de abril de 2013 [1], são praticamente seis anos sem, sequer, corrigir a inflação. Neste intervalo, as bolsas desvalorizaram 38,89% [2], como consequência os mestrandos têm uma perda aproximadamente igual a 583 reais mensais, e os doutorandos cerca de 855 reais por mês.
Portanto, reajustar as bolsas de acordo com a inflação desse período, com referência no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), implica em aumentar o valor das bolsas de mestrado para R$ 2.082,72 e das bolsas de doutorado para R$ 3.054,66 (Gráfico 1). Esses valores são semelhantes aos pagos atualmente pela FAPESP, por exemplo [3].
Gráfico 1. Elaborado pelo autor. Fonte: CNPq; CAPES; Tabela IPCA – Portal Brasil; Calculadora do Cidadão – BCB.

A situação é ainda mais grave, pois a desvalorização não se limita ao último reajuste, realizado em 2013. O congelamento é continuado [4]. Se ampliamos o período em análise, considerando a partir de janeiro de 1995, sofremos com uma desvalorização real maior que 140%. Ou seja, se as bolsas fossem reajustadas anualmente desde 1995, corrigindo a inflação segundo o IPCA, a bolsa de mestrado seria equivalente a R$ 3.633,52 (Gráfico 2) e a bolsa de doutorado seria equivalente a R$ 5.380,62 em janeiro de 2019 (Gráfico 3).
Gráfico 2.Elaborado pelo autor. Os valores indicados nas linhas estão vinculados às datas em que ocorreram reajuste no valor das bolsas: 01/02/2004, 01/08/2006, 01/06/2008, 01/07/2012 e 01/04/2013. O objetivo é comparar o reajuste que foi realizado e o ajuste necessário para corrigir a desvalorização. Fonte: CNPq; CAPES; Tabela IPCA – Portal Brasil; Calculadora do Cidadão – BCB.

Gráfico 3.Elaborado pelo autor. Os valores indicados nas linhas estão vinculados às datas em que ocorreram reajuste no valor das bolsas: 01/02/2004, 01/08/2006, 01/06/2008, 01/07/2012 e 01/04/2013. O objetivo é comparar o reajuste que foi realizado e o ajuste necessário para corrigir a desvalorização. Fonte: CNPq; CAPES; Tabela IPCA – Portal Brasil; Calculadora do Cidadão – BCB.
A correção inflacionária desde 1995 pode até parecer para alguns pós-graduandos/as, a princípio, um valor exagerado para uma bolsa de pós-graduação em 2019. No entanto, uma terceira análise me parece evidenciar que não é absurdo. Vejamos.
Até setembro de 2003 [5], as bolsas de mestrado e doutorado possuíam um parâmetro de cálculo vinculado ao salário de professores auxiliares e assistentes, respectivamente. A RN-029/1994 [6], do CNPq, estabeleceu que “o vencimento e a Gratificação de Atividade (GAE) de docentes das instituições de ensino superior federais, em tempo integral e regime de dedicação exclusiva (DE) constituem parâmetro para cálculo dos valores da tabela de Bolsas no país, a saber:
– Professor Auxiliar, nível I, acrescido do adicional de titulação de aperfeiçoamento;
– Professor Assistente, nível I, acrescido do adicional de titulação de mestrado; […]”.
Com base nesses parâmetros, a RN-029/1994 estabeleceu que a bolsa de mestrado é igual a 0,7 ou 70% dos vencimentos básicos do professor auxiliar I somado ao adicional de aperfeiçoamento. Enquanto a bolsa de doutorado é igual a 0,7 ou 70% dos vencimentos básicos do professor assistente I somado ao adicional de mestrado. Observando esse parâmetro, hoje, a bolsa de mestrado seria equivalente a R$ 3.424,71 e a bolsa de doutorado igual a R$ 4.667,74 [6].
Portanto, conforme o quadro comparativo abaixo (Gráfico 4), as bolsas de ME e DO corrigida desde 1995 e as bolsa de ME e DO proporcional aos salários de professor auxiliar I e professor assistente I, respectivamente, são valores aproximados.
Gráfico 4. Elaborado pelo autor. Fonte: LEI Nº 13.325, DE 29 DE JULHO DE 2016; CNPq; CAPES; Calculadora do Cidadão – BCB; IPCA – Portal Brasil.
 
MAIS TRABALHO, BOLSAS MENORES!
A desvalorização das bolsas e, por consequência, do/a pós-graduando/a ficou evidente. Não bastasse, ainda enfrentamos o drama de receber menos e trabalhar mais. Durante todo esse período, as exigências vinculadas à internacionalização, produção acadêmica e científica, didática, entre outras, recaem sobre os ombros dos/as pós-graduandos/as.
Temos que ser fluentes em idiomas estrangeiros, sem que muitas universidades forneçam as condições de formação em línguas. Temos que publicar mais, com menos tempo para defesa e tempo restrito de bolsa. Temos que participar de congressos e outros eventos científicos sem ter o necessário apoio financeiro para inscrição, transporte, hospedagem etc.
E, na atual conjuntura de cortes de investimento nas instituições de ensino superior, grande parte das universidades enfrenta déficit de docentes e de funcionários técnico-administrativos. Quem supre essa carência? Os/as pós-graduandos/as! Intensificamos o trabalho no campo, nos laboratórios, nas salas de aula, na submissão e revisão de projetos, cumprindo o papel que antes cabia a docentes e técnico-administrativos.
Fazemos mais, com bolsas desvalorizadas. Fazemos o trabalho de quem recebia 13°, férias, contribuía para a previdência etc. Direitos que não temos.
As consequências desse quadro? Acredito que todos conhecemos, já aconteceu conosco ou com amigos e colegas próximos: ansiedade, depressão e até suicídio. Um dos determinantes do adoecimento mental é justamente a associação da desvalorização com a intensificação do trabalho e das exigências sobre os/as pós-graduandos/as!

Confira o CIE – o documento estudantil para comprovar meia entrada.

 É NECESSÁRIO REAJUSTAR AS BOLSAS! É NECESSÁRIO O PROTAGONISMO DOS/AS PÓS-GRADUANDOS/AS PARA REAJUSTAR AS BOLSAS!
A desvalorização das bolsas não é compatível com a importância dos pós-graduandos para a ciência, pois cerca de 80% das pesquisas no Brasil estão vinculadas aos programas de pós-graduação [8]. No entanto, não podemos nos iludir que esse reconhecimento vai partir do Estado. Afinal, a EC 95, que impõe o teto dos investimentos públicos, têm agravado a restrição orçamentária para a C&T e para a educação, colocando na ordem do dia o congelamento e a ameaça de corte de bolsas.
Nessa conjuntura, aguardar a aprovação dos projetos de lei, hoje em disputa no Congresso, que dispõe sobre o reajuste de bolsas também me parece ingênuo. É necessário que nós, pós-graduandas e pós-graduandos, assumamos a responsabilidade de nos organizar e mobilizar para reivindicar o reajuste. Sem nosso comprometimento vamos continuar amargando esse longo período sem reajuste.
As condições são difíceis, pois estamos submetidos a prazos, cobranças ininterruptas dos orientadores, do programa e da agência de fomento. Os experimentos, as disciplinas, a necessidade de publicar e nos formar com qualidade consome nosso tempo. Nos acostumamos a ouvir “bolsa é privilégio” ou “pós-graduação é uma etapa árdua e os frutos serão colhidos no futuro”.
É momento de ponderar essas dificuldades e investir tempo, por mínimo que seja, na organização e mobilização em prol do reajuste. Esse esforço é muito importante. Entendo que ampliar o número de Associação de Pós-Graduandos e fortalecer as existentes é um passo fundamental. Assim como, por exemplo, participar e promover espaços de debate sobre os reajustes. Construir nas nossas universidades e cidades os dias nacionais de luta em defesa da educação, ciência e tecnologia e todos aqueles que possamos erguer a bandeira do reajuste de bolsas. Construir espaços amplos de articulação – a exemplo dos encontros nacionais da ANPG. Entre diversas outras formas de luta e organização que podemos lançar mão.
Conquistar o reajuste exige nosso protagonismo em um cenário difícil, devemos ousar para vencer!

Gabriel Colombo de Freitas

Diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação – ANPG

[email protected]

[1] CAPES; CNPq. PORTARIA CONJUNTA No – 1, DE 28 DE MARÇO DE 2013. Disponível em: <https://www.capes.gov.br/images/stories/download/legislacao/PortariaConjunta_1_2013_CapesCNPq_ReajusteBolsas.pdf>. Acesso em: 29 jan 2019.
[2] BCB. Calculadora do cidadão. Disponível em: <https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/corrigirPorIndice.do?method=corrigirPorIndice>. Acesso em: 29 jan 2019.
[3] FAPESP. Tabela de Valores de Bolsas no País. Disponível em: <http://www.fapesp.br/3162>. Acesso em: 31 jan 2019.
[4] GOUVEIA, Esther Majerowicz. Bolsas de Pós-Graduação: a política por trás dos números. Revista Cantareira. Disponível em: <https://revistacantareira.files.wordpress.com/2012/09/ultimo-artigo1.pdf>. Último acesso em: 29 jan 2019.
[5] RN 016/2003. 17 de setembro de 2003. Instituir a Unidade Referencial de Bolsas e estabelecer os valores de Bolsas no País. <http://memoria.cnpq.br/web/guest/view/-/journal_content/56_INSTANCE_0oED/10157/70453>.
[6] CNPq. RN 029/1994. 24 de dezembro de 1994. Instituir Tabela de Bolsas no país. <http://memoria.cnpq.br/web/guest/view/-/journal_content/56_INSTANCE_0oED/10157/70620>.
[7] BRASIL. LEI Nº 13.325, DE 29 DE JULHO DE 2016. Altera a remuneração, as regras de promoção, as regras de incorporação de gratificação de desempenho a aposentadorias e pensões de servidores públicos da área da educação, e dá outras providências.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13325.htm>. Acesso em: 31 jan 2019.
[8] http://portal.sbpcnet.org.br/noticias/80-da-pesquisa-no-brasil-esta-ligada-a-programas-de-pos-graduacao-2/
*As opiniões aqui reproduzidas são de responsabilidade de seus autores e não representam, necessariamente, a opinião da entidade.

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