Por que marcham os cientistas brasileiros?

Começam a ser organizadas em todo o país as Marchas Pela Ciência. Em São Paulo, o evento será no domingo, dia 7.

FLÁVIA CALÉ,
especial para Direto da Ciência.*

O Brasil foi o último país latino-americano a ter universidade. Os primeiros cursos superiores por aqui datam da vinda da família real, no início do século 19. A primeira universidade, compreendida como instituição pluridisciplinar, é a UFRJ, de 1920. Também retardou a constituição de um plano estruturado para formação de mestres e doutores que pudessem produzir conhecimento científico, além de formar e qualificar as novas gerações – nosso primeiro Plano Nacional de Pós-Graduação é de 1975.

É uma conquista notável que, em relativamente pouco tempo, o país tenha construído uma importante rede pública de universidades federais, muitas delas referências na produção científica, secundada por diversas instituições de ensino superior estaduais, que também têm destacado papel nas realidades locais. Completam o sistema as instituições de fomento que, a partir da Capes, do CNPq e a da rede Fundações de Amparo estaduais, são responsáveis pelo grosso do financiamento à pesquisa e à produção científica no país.

Esse conjunto é um patrimônio de valor inestimável para os brasileiros. Os profissionais ligados a essas instituições estão presentes na descoberta de uma vacina ou fármaco capaz de curar moléstias e salvar vidas; quando se desenvolve uma nova técnica ou se fabrica um defensivo agrícola que aumenta a produtividade do agronegócio; na realização de um novo estudo sobre a formação econômica e social da nação.

Imagem: ANPG.

Esse edifício do saber, construído durante décadas e a muitas mãos, corre o risco de ruir. Seus alicerces estão sendo minados por uma política irresponsável que, por um lado, corta drasticamente o financiamento e, por outro, asfixia a democracia e a autonomia universitária. Não foi força de expressão quando Bolsonaro disse que sua missão não é construir, mas descontruir.

O que são os R$ 300 milhões retirados da Capes, que se viu forçada a cortar milhares bolsas de estudo, para um país que arrecadou em impostos e contribuições R$ 1,45 trilhão em 2018? Há outros lugares para cortar: dados do TCU apontam que no ano passado foram gastos R$ 279,6 bilhões com juros e encargos da dívida. Vejam: o número depois da vírgula é o dobro do que se pretende “economizar” com o fim das bolsas.

Quando se corta uma bolsa e se interrompe um projeto de pesquisa, ao se perder um jovem talento obrigado a sair do país para continuar sua pesquisa, o dano não é conjuntural – é um prejuízo que impactará o país por décadas. Um verdadeiro crime de lesa-pátria!

A reação dos estudantes e pesquisadores a um governo que elegeu a educação e a ciência como inimigas foi assertiva: as históricas mobilizações realizadas nos dias 15 e 30 de maio. Não sairemos das ruas. Começam a ser organizadas em todo o país as Marchas Pela Ciência. Em São Paulo, o evento será no domingo, dia 7 de julho, no Masp, e contará com uma feira científica pela manhã, sendo concluído com a Caminhada Contra o Obscurantismo, à tarde.

A Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) chega aos 33 anos neste mês de julho. Nascemos no frescor dos ventos que dissiparam a névoa da ditadura, sabemos bem o valor da democracia e de tudo que ela nos proporcionou conquistar. É em sua defesa que marchamos.

FLÁVIA CALÉ é mestranda em História Econômica na Universidade de São Paulo e presidenta da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG).