Reunião Magna 2013: entrevista com Sergio Rezende

carteira de estudante

Um dos coordenadores da Reunião Magna de 2013 fala ao informativo Notícias do ABC.

Leia a entrevista concedida por Sergio Rezende ao Notícias da ABC sobre os rumos da ciência no Brasil. O Acadêmico é o coordenador do conjunto de palestras "Grandes Projetos" incluído na Reunião Magna de 2013, que acontece no Rio de Janeiro, entre os dias 6 e 8 de maio.

O progresso da ciência brasileira na última década dá ao tema da Reunião Magna da ABC – Rumo a Novos Patamares – uma premissa otimista. No entanto, este progresso acompanha o ritmo dos demais setores do país, tanto em seus erros como em seus acertos. O Brasil faz pesquisa de ponta, mas possui um enorme déficit educacional; a infraestrutura traz vantagens ao pesquisador quando a concorrência é entre países latino-americanos, mas deixa a desejar na competitividade global; as desigualdades regionais em ciência, tecnologia e inovação reproduzem as desigualdades sociais e econômicas do país. Três exemplos a partir dos quais se conclui que o rumo até os novos patamares apresenta obstáculos.

O conjunto de palestras Grandes Projetos, coordenado pelo Acadêmico Sergio Rezende, professor titular do Departamento de Física da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e ministro de Ciência e Tecnologia entre 2005 e 2010, acontece no dia 6 de maio e terá palestras dos Acadêmicos Virgílio Almeida, sobre Tecnologia da Informação, Jorge Guimarães, sobre o programa Ciência Sem Fronteiras, Adalberto Fazzio sobre Nanotecnologia, e Carlos Alberto Aragão de Carvalho sobre o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron.

Este conjunto de palestras foi organizado a partir de uma avaliação sobre onde a ciência brasileira avançou, para destacar onde é preciso continuar investindo para dar o salto necessário. É o que pode ser compreendido na entrevista a seguir.

 

NABC – O modelo de Laboratório Nacional, tal como o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, não poderia ser expandido às demais regiões do Brasil, considerando que a sua implementação fora da região Sudeste poderia reduzir os contrastes do desenvolvimento regional da ciência?

Sergio Rezende – As atividades de pesquisa científica são feitas em dois tipos de instituições: nas universidades, principal fonte de geração de conhecimento, cujo papel fundamental é formar pessoal; e nos laboratórios nacionais, ou laboratórios com fins específicos, que são muito disseminados em países desenvolvidos, cujos equipamentos de grande porte não se justificariam em uma universidade ou em um departamento em particular.

Este tipo de laboratório é bastante disseminado nos Estados Unidos e em países da Europa. No Brasil, ele só começou a ser implantado a partir de 1985, com o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas, que, entre outras funções, é utilizado para testar materiais para a indústria. Na época, houve discussão na comunidade científica sobre o país manter este laboratório, pois, na opinião de quem discordava, a sua existência drenaria recursos que fariam falta nas universidades. A Unicamp afirmava sua liderança na área de pesquisa e o LNLS foi o primeiro laboratório nacional do país aberto à comunidade científica, com técnicos disponíveis para apoiar toda a comunidade científica que usasse suas instalações.

Esses laboratórios nacionais não precisam ficar restritos somente às atividades que envolvem grandes máquinas, nem precisam ficar restritos a uma região do país. Ao contrário, é importante que eles aproveitem as potencialidades de cada região e beneficiem mais pesquisadores e empresas. Por exemplo, na Amazônia, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) está bem no centro da região que tem a maior diversidade biológica do mundo, recebendo pesquisadores brasileiros e estrangeiros, com o apoio técnico necessário e o conhecimento acumulado sobre a biodiversidade amazônica. Quando fui ministro de Ciência e Tecnologia, de 2005 a 2010, via a importância deles para a descentralização da atividade científica no país, por isso criamos outros laboratórios: o Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica (Ceitec), sediado em Porto Alegre, onde não havia nenhum laboratório do Ministério de Ciência e Tecnologia, que tem como objetivo formatar e desenvolver circuitos integrados, além de formar pessoal; o Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste (Cetene), localizado em Recife, cujo bom aparato tecnológico – possui três aparelhos microscópicos de grande precisão – é utilizado por pesquisadores da região. O Cetene é um laboratório regional, mas o aparato tecnológico que possui seria difícil de ser mantido em uma universidade, tal como ocorre com os laboratórios nacionais.

 

NABC – Em qual estágio a nanotecnologia se encontra no Brasil e onde precisa chegar, considerando as políticas governamentais, o investimento empresarial e a própria presença dessa área na comunidade acadêmica? 

Rezende – A nanotecnologia é uma área de pesquisas relativamente nova, data das décadas de 1960 e 1970. Ela necessita de sofisticado aparato tecnológico para ser desenvolvida. Lembre-se que ‘nano’ vem das características do tamanho do objeto investigado, quer dizer um bilionésimo do metro. Ela é uma área multidisciplinar, havendo estruturas nanométricas que são inertes, em geral feitas por físicos e químicos, e estruturas nanométricas vivas, encontradas na química e na biologia. Por enquanto o número de aplicações ainda é reduzido, o que se espera que seja alterado com a evolução das pesquisas.

No Brasil, a área de nanotecnologia precisa de investimento em tecnologia de ponta para a realização de pesquisas, aumentar a integração entre os grupos de pesquisa existentes e, mesmo, aumentar o número de grupos de pesquisa. Existe hoje um número razoável de grupos trabalhando em nanotecnologia e há um esforço do governo em articular estes grupos. Nesta área, não são muitos os artigos científicos publicados por grupos brasileiros que tenham a participação de várias instituições. A nanotecnologia brasileira pode e deve avançar, e vamos tratar desse assunto na Reunião Magna. 

 

NABC – O déficit educacional em ciência no país continua grande. Como o programa Ciência Sem Fronteiras pode mudar esta realidade, considerando seu efeito no ensino de ciência e na formação profissional decorrentes do programa? 

Rezende – Ciência Sem Fronteiras é o grande programa de ciência do atual governo. Até a década de 1970, o Brasil enviava muitas pessoas para fazer o doutorado no exterior, porque nós só passamos a ter doutorado aqui no final da década de 60. A partir da década de 1980, o país já possuía um bom número de programas de pós-graduação com doutorado, e alguns deles se ressentiam porque os melhores alunos estudavam no exterior e não ficavam aqui. E o que faz um bom programa não é só ter bons professores – é preciso ter bons alunos. Além disso, aconteceu uma crise econômica que fez com que o dólar valorizasse muito em relação a nossa moeda; com isso, o Brasil foi deixou de mandar pessoas para fora, a ciência brasileira foi se fechando muito em torno de si mesma, a troca de pessoas foi diminuindo. 

Em algumas áreas, nós temos necessidade de formar pessoas nos melhores centros do mundo. O Ciência sem Fronteiras aumentou muito esta dinâmica, possibilitando a estudantes e pesquisadores brasileiros irem para o exterior, e estudantes e pesquisadores estrangeiros virem para o Brasil. Uma característica muito importante do programa é que ele está possibilitando esse intercâmbio durante a graduação, o que o diferencia dos programas anteriores que não incluíam estudantes nesta etapa. É de se esperar que isto tenha uma grande repercussão, modificando a mentalidade dos alunos, gerando outra visão de mundo. 

É um grande programa, bem executado, e tende a contribuir muito para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia no Brasil. Através dele, mais alunos de graduação irão se interessar em fazer pós-graduação e em se tornarem cientistas ou pesquisadores em tecnologia. Irão trabalhar nas empresas, de modo que irão contribuir para que a ciência e a tecnologia sejam fatores de desenvolvimento econômico do Brasil – que é o nosso grande desafio atual. 

 

NABC – Outros déficits do país são aqueles que fazem uma sociedade de informação. No Brasil, há polos de tecnologia plena e largos espaços onde o mesmo não acontece. A formulação de políticas de tecnologia da informação e comunicação (TIC) para o país tem considerado a comunidade científica no diálogo e no potencial de estudos que podem ser desenvolvidos para subsidiá-las?

Rezende – O Brasil é um país bem sucedido em termos desenvolvimento de Tecnologia da Informação, levando em conta as suas características. Com frequência ouvimos comentários que comparam o Brasil com outros países. Já ouvi comparações do Brasil com a Finlândia – "A Finlândia tem 99% de inclusão digital…" -, com a Coreia – "Coreia do Sul tem mais de 90% de inclusão digital…" -, enquanto o Brasil só tem 70%. Agora, 70% num país com 193 milhões de habitantes e com a nossa enorme extensão territorial é um feito muito grande. A área da Coreia do Sul corresponde à área de Pernambuco, a Finlândia tem uma área maior, mas tem uma população de 4 milhões e meio de habitantes. Estas comparações não fazem o menor sentido para avaliar o patamar de desenvolvimento da Tecnologia da Informação no país. 

O governo do presidente Lula e da presidente Dilma tem um programa de inclusão digital de todas as escolas públicas do Brasil, que tem sido bem sucedido e que cresce nas escolas públicas brasileiras em ritmo bastante acelerado. Dá acesso à internet – em alguns lugares com boa velocidade, em outros com menos -, complementados por programas estaduais que instalam computadores nas escolas e distribuem laptops entre os seus melhores alunos e os professores. É claro que seria ótimo o país ter 100% de inclusão digital, mas o Brasil é um país grande e complexo.

As políticas de tecnologia da informação tem se beneficiado muito do fato do Ministério de Ciência e Tecnologia, ainda na década de 1990, ter implantado uma secretaria exclusiva para esta área: a Secretaria de Política de Informática. O Ministério tem quatro secretarias: três delas só trabalham em áreas horizontais, com programas em muitas áreas; só tem uma secretaria voltada para uma área específica, exatamente a Secretaria de Política de Informática. Esta secretaria tem comitês de gestores, de tal maneira que há uma grande participação da comunidade de informática, da Sociedade Brasileira de Computação, e a política de informática tem feito que o Brasil tenha hoje grande parte dos equipamentos de informática sendo fabricados no país, por conta da lei de informática. São empresas estrangeiras, mas que montaram suas fábricas aqui.

A comunidade científica ajuda na formulação das políticas de informática, está presente através do comitê gestor de informática, através de comissões diversas que a secretaria organiza. Posso dizer que há políticas que só foram possíveis em função da participação da comunidade científica. O número de programas de informática do Brasil cresceu muito nos últimos tempos e a informática é a área na qual existe o maior número de novas empresas brasileiras criadas por nossos pesquisadores e técnicos, muitas delas bem sucedidas, inclusive com operações importantes no exterior.

 

NABC – Baseado na sua experiência e compreensão, poderia nos dizer quais são os novos patamares que a ciência brasileira pode alcançar?

Rezende – O Brasil tem hoje aproximadamente 90.000 pessoas com doutorado trabalhando em ciência e tecnologia, tem aproximadamente 70.000 pessoas com mestrado, somando aproximadamente 160.000 pesquisadores trabalhando em ciência e tecnologia hoje. Bastante aquém dos países que vivem uma economia do conhecimento – por exemplo, Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha, Japão.  Nesses países. muitas vezes o número de pesquisadores chega a 0,2% da população, enquanto no Brasil fica em torno de 0,08%. Aproximar-se destes países é um grande desafio, mas é um desafio que está sendo enfrentado. O Brasil está formando aproximadamente 14.000 doutores por ano e aproximadamente 40.000 mestres.

Os recursos para ciência e tecnologia cresceram muito na última década, mas pararam de crescer nos últimos dois anos, aliás, diminuíram um pouco. Para que estas pessoas trabalhem com ciência e tecnologia é preciso que os recursos continuem crescendo. O Brasil precisa retomar o crescimento do orçamento para ciência e tecnologia para que seja formado mais pessoal e sejam financiadas as atividades desenvolvidas. E o investimento precisa ser de todos os setores: governo federal, governo estadual e empresas. O investimento total destes três setores em pesquisa e desenvolvimento no Brasil hoje não chega a 1,2% do PIB brasileiro, enquanto nos países de economia do conhecimento este investimento está em torno de 2% e 3% de seus PIBs.

Na década de 1970, a Coreia do Sul era menos desenvolvida que o Brasil, mas tinha uma política de ciência e tecnologia. Enviou gente para estudar no exterior, realizou uma política industrial articulada com a política científica, o que fez com o que o padrão inteiro da Coreia aumentasse. A renda per capita deles atualmente é o dobro da brasileira. Guardadas as devidas proporções, o exemplo é válido.

Se o Brasil continuar formando pessoal, aumentando recursos, financiando pesquisas, aumentando a participação das empresas neste processo, seguiremos no rumo do desenvolvimento. A economia do conhecimento, ela não só enriquece o país, ela faz com que o país inteiro se desenvolva. O Brasil está em um processo acelerado de mudança, é preciso mantê-lo e mantê-lo por muito tempo para que gere as mudanças desejadas, para que leve aos novos patamares.

 

(Notícias do ABC)

 

 

(Matéria publicada no Jornal de Ciência do dia 03/05/2013)