AS BOLSAS DE PÓS-GRADUAÇÃO ESTÃO À BEIRA DE UM COLAPSO

Gabriel Colombo de Freitas
Diretor de CT&I da ANPG

Hoje, é possível afirmar que todos os pós-graduandos sabem, e muitos sofrem as consequências, dos cortes na Ciência e Tecnologia (C&T) e na Educação. Afinal, o ajuste fiscal colocou os investimentos do Estado ladeira abaixo a partir de 2015. Iniciou com Joaquim Levy, alçou caráter constitucional por 20 anos com a “Emenda do Teto de Gastos” e, agora, Paulo Guedes dirige a pasta econômica com o compromisso de aplicar a ortodoxia neoliberal.

No entanto, ao procurar informações sobre o impacto direto nas bolsas de pós-graduação, me surpreendi com a escassez de dados, tem uma notícia aqui, outra declaração acolá, nada sistemático. Por isso, decidi fazer uma pesquisa mais detida. E o resultado, como pretendo demonstrar, anuncia que estamos em estado de alerta máximo.

A CAPES é a agência de fomento que mais investe em bolsas de pós-graduação no país, seguida pelo CNPq. Além disso, as duas agências são as que mais financiam pesquisa no Brasil [I]. Em 2017, CAPES e CNPq somadas concederam 109.168 bolsas de pós-graduação (Figura 1), o equivalente a 45% dos cerca de 241 mil pós-graduandos matriculados no país naquele ano [II]. Somente a CAPES concedeu aproximadamente 92 mil bolsas.

Figura 1: Concessão de bolsas de pós-graduação via CAPES e CNPq, 2010 a 2017.

Elaborado pelo autor. Fonte: GeoCapes [II]; CNPq [III].
Entre 2015 e 2017, existe uma relativa estabilidade em torno de 109 mil bolsas (Figura 1). Todavia, o ajuste fiscal impactou a concessão de bolsas de pós-graduação no país de forma expressiva apenas em 2018 (Figura 2), ano para o qual a CAPES ainda não disponibilizou dados sobre o número de bolsas concedidas e o CNPq apresenta dados contraditórios entre número de bolsas e investimento em reais, como veremos adiante.

Em 2018, ocorreu um corte na CAPES de 614 milhões de reais na linha de concessão de bolsas no país, uma redução de 22,4% em relação a 2017. Se considerarmos um corte similar no número de bolsas, o resultado é desastroso: 20 mil bolsas a menos, aproximadamente.

Figura 2: Investimento da CAPES em concessão de bolsas no país (em bilhões de reais), 2010 a 2019.

Elaborado pelo autor. Para 2010 a 2018, orçamento executado; para 2019, orçamento autorizado. Fonte: Siga Brasil [IV].
É uma extrapolação, porém, o reduzido orçamento para 2019 somado ao contingenciamento anunciado pelo governo Bolsonaro no dia 29 de março, com impacto de 21% no orçamento do Ministério da Educação (ao qual a CAPES é vinculada), não contribui para projetar cenários otimistas.

De forma mais concreta, devido à disponibilidade de dados, é possível analisar os cortes no Programa de Demanda Social (DS) da CAPES (Figura 3), principal fonte de concessão de bolsas de pós-graduação no país [V]. Entre 2017 e 2018, houve um corte de cerca de 6,2 mil bolsas do DS. Isso representa uma redução de 11% das bolsas desse Programa e de 6,8% do total de bolsas de pós-graduação concedidas pela CAPES em 2017.

Figura 3: Bolsas concedidas pelo Programa de Demanda Social (DS) da CAPES, 2017 e 2018.

Elaborado pelo autor. Fonte: GeoCapes; CAPES [VI].
A situação é ainda pior quando analisamos o orçamento executado do Programa de Demanda Social em 2018 (Figura 4). O valor necessário para manter as 29,1 mil bolsas de mestrado e 21,5 mil bolsas de doutorado durante os doze meses de 2018 é igual 1,09 bilhão de reais. Porém, foram empenhados e executados somente 0,96 bilhão de reais. Isto é, ocorreu um déficit de cerca de 130 milhões de reais em 2018, o que coloca em xeque aproximadamente mais 6 mil bolsas de pós-graduação este ano [VII].

Figura 4: Investimento da CAPES no Programa Demanda Social (DS), em bilhões de reais, 2014 a 2018.

Elaborado pelo autor. Fonte: Siga Brasil [IV].

 

 

 

 

 

 

 

 

O mesmo acontece com o CNPq, o corte orçamentário impactou fortemente a agência em 2018, com reflexo direto no investimento em bolsas de pós-graduação. Houve uma queda drástica dos recursos destinados às bolsas de mestrado e doutorado (Figura 5), de 427,3 milhões para 247,9 milhões, ou seja, uma redução igual a 58% entre 2017 e 2018. Mesmo assim, o número de bolsas manteve relativa estabilidade nesse período. Novamente, a contradição entre investimento e número de bolsas, as torna insustentáveis com a manutenção do nível orçamentário proposto.

Figura 5: Investimento, em milhões de reais, e número de bolsas de mestrado e doutorado do CNPq.

Elaborado pelo autor. Fonte: CNPq [III].
Portanto, os cortes orçamentários impactaram as bolsas de pós-graduação no país principalmente a partir de 2018, quando consideramos CAPES e CNPq. A tendência é intensificar a redução de bolsas devido aos déficits acumulados e aos contingenciamentos anunciados por Bolsonaro e Weintraub, de modo a colocar sistema nacional de pós-graduação à beira do colapso.

Não é exagero. A pós-graduação no Brasil é dependente do financiamento da CAPES e CNPq. Além disso, o ajuste fiscal já impactava a pós-graduação de outras maneiras desde 2015 [VIII], mas é agora que ameaça sua espinha dorsal: a concessão de bolsas de pós-graduação no país.

Ainda, é válido lembrar que as condições de pesquisa e estudo dos pós-graduandos estão piorando. Para citar alguns elementos: a desvalorização das bolsas, que acumulam perdas de 38,89% desde o último reajuste, realizado em 2013 [IX]; a ausência de direitos, entre eles, a contabilização do período em pós-graduação para aposentadoria; e a intensificação do trabalho, devido ao produtivismo acadêmico, insuficiência de técnicos e déficits de professores nas universidades.

Frente a esse cenário, acredito que nós pós-graduandos temos a responsabilidade de assumir a luta por mais investimentos. É preciso derrubar o contingenciamento anunciado pelo governo Bolsonaro assim como revogar a Emenda Constitucional 95.

Os investimentos em educação e C&T são elemento fundamental em um processo de superação dos problemas estruturais da sociedade e economia brasileira, como, para citar três exemplos: a dependência econômica e tecnológica aos países imperialistas, o racismo e o acesso universal ao sistema de saúde público de qualidade. Os recursos financeiros não bastam, é certo, mas na medida em que aplica os cortes, o governo Bolsonaro tem apresentado ao mesmo tempo um projeto obscurantista, antinacional, antipopular e antidemocrático.

É hora de valorizarmos a organização e ação coletivas. Abandonar o conformismo ou as alternativas individuais, dedicar tempo aos debates, assembleias, mobilizações e greve. O colapso que se apresenta compromete o futuro da educação e da ciência brasileira. Salvar somente “meu” experimento e “minha” pesquisa não é suficiente.

[[I]] https://www.sibi.usp.br/?p=25545

[[II]] https://geocapes.capes.gov.br/geocapes/

[[III]] http://fomentonacional.cnpq.br/dmfomento/home/fmthome.jsp?

[[IV]] https://www12.senado.leg.br/orcamento/sigabrasil

[[V]] De acordo com consulta à base Geocapes, em 2017, o DS foi responsável por 52% e 62% das bolsas de mestrado e doutorado, respectivamente, concedidas pela CAPES.

[[VI]]  http://www.capes.gov.br/images/stories/download/editais/19122018-DS-bolsistas-e-investimento.pdf

[[VII]] O valor anual de uma bolsa de mestrado da CAPES é igual a 18 mil reais (1500 reais x 12 meses) e a de doutorado equivalente a 26,4 mil reais (2200 reais x 12 meses). Considerando a proporção das bolsas do DS em 2018, 57,5% de ME e 42,5% de DO, 1,3 milhão de reais equivalem a 6.026,5 bolsas de pós-graduação.

[[VIII]] Por exemplo: houve cortes na internacionalização, recursos para a compra e manutenção de equipamentos e laboratórios.

[[IX]] https://www.anpg.org.br/04/02/2019/o-reajuste-das-bolsas-de-pos-graduacao-e-urgente-e-necessario/?fbclid=IwAR0aUygJhlhhFU6c852MsYAVtYmBQvdZtRpjOWMS5eGQBRA3CuhmnP8jh3s

 

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