Preto na roupa, verde e amarelo no coração

Desde a nossa tardia revolução burguesa, em 1930, que começou a fundar as bases para a industrialização, e, depois, dos contornos mais desenvolvimentistas da década de 1950 ao ciclo progressista de poucos anos atrás, o país já passou por muita coisa. Tivemos governos democráticos e ditatoriais, períodos de crescimento econômico mais expansivo ou contido, momentos de maior afirmação da soberania ou de cedência às imposições das potências mundiais. Mas, na história recente, nunca houve um governo títere, cujo objetivo primeiro e único fosse a neocolonização do país. Pois é diante desse risco que ora nos defrontamos sob o governo Bolsonaro.

Engana-se quem pensa que ele nada fez até agora. Bolsonaro tem conseguido impor uma agenda de destrutiva, focando na radicalização política e insuflando as divisões no seio do povo, que de fato ameaça a Nação. Temos visto a tentativa de desconstrução acelerada de todas as bases políticas, sociais, econômicas e científicas de formação do Estado e da identidade brasileira.

O Brasil foi o último país latino-americano a fundar uma universidade. Mas, em relativamente pouco tempo, conseguiu estabelecer uma rede robusta de universidades federais e estaduais públicas, capaz de formar milhares de jovens todos os anos, sendo que mais recentemente iniciou um auspicioso processo de democratização do perfil do estudante no ensino superior. Essas universidades não apenas formam mão de obra qualificada, mas são centros de excelência em que fervilham os debates sobre os dilemas do país, são polos fundamentais para o amálgama da identidade nacional.

Também logrou construir um sistema nacional de ciência e tecnologia de larga e reconhecida produção, que contribui tanto para formar as novas gerações de professores universitários, como para o desenvolvimento nacional e o combate às desigualdades regionais. Esse sistema é fortemente assentado na pós-graduação, que não existiria sem a política de bolsas de estudos vinculadas às agências CAPES e CNPq, ambas criadas no início dos anos 1950. Mas tampouco pode prescindir de instrumentos de planejamento e pesquisa do Estado, como o INPE, o INPA, o IBGE e outros mais, e de empresas públicas ou de economia mista cuja missão se coaduna com os interesses do desenvolvimento do país.

Quanto a isso, vale dizer, o Brasil não seria a potência agropecuária que é se não tivesse uma política de Estado que concebeu e investiu na formação da Embrapa, com seu plantel de pesquisadores e cientistas. Menos ainda seria referência mundial em prospecção de petróleo em águas profundas ou teria descoberto a riqueza do pré-sal não fossem o investimento e o trabalho denodado da Petrobrás. Jamais dominaríamos ciclos virais e formularíamos vacinas e fármacos que salvam vidas sem as pesquisas, desinteressadas de lucro, realizadas em universidades como a Unifesp ou institutos como a FioCruz. Esses são alguns exemplos que orgulham – ou deveriam orgulhar – o país.

É contra tudo isso que se volta o governo Bolsonaro. Ele não é obscurantista apenas porque é intelectualmente fraco ou porque mobilizou e agrupou o que há de mais reacionário na sociedade brasileira. O projeto de neocolonização do país, do qual Bolsonaro é um estafeta, depende antes de tudo da destruição da capacidade de formulação, de aniquilamento e rendição da inteligência nacional, do desmonte dos sistemas de educação, de ciência e tecnologia e dos instrumentos do Estado capazes de sustentar o esforço de desenvolvimento soberano. O projeto lesa-pátria necessita aniquilar as universidades, a pós-graduação, o CNPq, a CAPES, o INPE, esquartejar e vender a Petrobrás, a Eletrobrás e o que mais puder. Sem eles, não haverá pesquisa, não haverá indústria, não haverá competição por um lugar ao sol no concerto das nações, mas, sobretudo, não haverá capacidade de resistência à traição nacional.

Bolsonaro destrói a imagem do país no exterior e cria as condições para potências flertarem com a internacionalização da Amazônia, enquanto desfila seu falso nacionalismo nas redes sociais. Cinicamente, fala em vestir verde e amarelo no dia da Independência enquanto beija e bate continência para a bandeira norte-americana e diz que o Brasil é um lixo. Sua patriotada de araque não engana ninguém, é falsa como nota de três.

Um Brasil independente requer um projeto nacional de desenvolvimento soberano, que leve em conta as necessidades próprias do país e do povo, que seja alavancado pela educação, pela ciência e tecnologia, que respeite e valorize a cultura e formação do país. Um Brasil independente requer, principalmente, democracia, pois ela é pré-condição para combater Bolsonaro. Por isso, neste dia 7 de Setembro, nós, estudantes, que amamos verdadeiramente a pátria, vamos de preto na roupa, simbolizando a tristeza pelos dias trágicos que vivemos, mas vamos de verde e amarelo no rosto e no coração, traduzindo a esperança e a capacidade de lutar pelo Brasil de nossos sonhos.

Flávia Calé, presidenta da ANPG