Internacionalização das Universidades brasileiras e contratação de professores

Por: Hercília Melo do Nascimento[1]

Tamara Naiz da Silva[2]

Um pronunciamento[3] do prof. Dr. Jorge Almeida Guimarães, presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), no dia 22 de setembro, tem gerado grande repercussão. Trata-se da proposição de criar um novo mecanismo de contratação de professores estrangeiros de modo direto por meio de Organizações Sociais (OS’s) e com regime de trabalho baseado na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e não por Regime Jurídico[4], como nos concursos públicos atuaisdas Instituições Federais de Ensino Superior. A proposta apresentada tem sido fortemente criticada na comunidade científica e carrega consigo contradições.

Partimos aqui da compreensão de que este movimento anunciando e referendado pelos ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia (como exposto pelo presidente da Capes) vem no sentido de apresentar um plano efetivo que contribua na crescente internacionalização das Universidades e da ciência brasileira. Todavia o modelo proposto não foi fruto de um diálogo entre o poder público e a comunidade científica.

Concordamos que o tema Internacionalização é muito relevante e que essa é uma discussão necessária, que está, inclusive, nas preocupações da Associação Nacional de pós-graduandos (ANPG)[5] e de sua diretoria.

Sabemos que o avanço da ciência brasileira, em termos de quantidade e qualidade, é amplamente reconhecido na atualidade. Variados indicadores têm demonstrado os avanços da produção científica brasileira em diversas áreas como Física, Matemática, Ecologia e Geociência, tendo os impactos relativos das publicações situados próximos às medias mundiais (PNPG 2011-2020, p. 231). Mas para além de números, esperamos que a ciência vivenciada no Brasil seja capaz de favorecer e integrar os esforços de produção de conhecimentos, propondo soluções para grandes questões da sociedade, na forma de tecnologias e inovações, ressignificações dos processos de trabalho, relações sociais mais humanizadas etc.

Também consideramos que há muito espaço para avançar no sentido de internacionalizar nossos programas de pós-graduação, de proporcionar mobilidade a pesquisadores e estudantes e de fomentar as cooperações e a integração científica e tecnológica com outros países. Por conseguinte, as discussões sobre internacionalização nas áreas de ensino, ciência, tecnologia e inovação têm relevância e exigem debate cada vez mais profundo para que alcance as realidades.

Como partícipesda ANPG, entidade representativa dos pós-graduandos brasileiros,reiteramos aqui que fomentar tais debates entre os estudantes de pós-graduação é fundamental para um projeto de país que enxerga na ciência melhoria na vida das pessoas, quando temos envidado esforços em 90% das pesquisas realizadas, segundo dados da Capes.

Para nós, a valorização dos pesquisadores brasileiros não entra em contradição com a atração de pesquisadores de outros países. Contudo, ainda nos deparamos com poucos direitos para os pós-graduandos brasileiros.Não estamos incluídos na distribuição dos recursos do Programa Nacional de Assistência Estudantil, não alcançamos a universalização e uma política permanente de valorização das bolsas de pesquisa.

Deste modo, não podemos deixar de colocar nossas críticas à proposta apresentada pela Capes, com destaque a algumas questões:

Primeiramente, expomos o pesar pela ausência de diálogo com as representações dos professores, sindicatos nacionais Andes e Proifes, associações científicas, estudantes e sociedade civil à respeito da adoção da CLT para contratação de professores.

Em segundo lugar, registramos nossa solidariedade aos companheiros docentes, na medida em que sofreram a acusação de favorecimento nos concursos públicos, na colocação de que “Todo mundo sabe que isso é um jogo de cartas marcadas”.Consideramos que a afirmação desqualifica o sistema universitário frente à sociedadeDefendemos e acreditamos na docência como tarefa socialmente necessária, devendo guardar para com a sociedade compromissos ético-políticos e visar a formação de recursos humanos qualificados e que respeitem os fins democráticos da educação pública, gratuita e de qualidade.

A justificativa é a de absorção de docentes oriundos de outros países para contribuir para o aprimoramento de programas e desenvolvimento de ciência, tecnologia e inovaçãoEssa proposta está bem no começo, mas o ministro José Henrique Paim nos autorizou a avançar nisso e estamos trabalhando junto com a academia, o IMPA e outros que têm mais experiência nisso”. Esta justificativa avaliamos quenão se sustenta quando já temos no sistema educacional a possibilidade de acolher professores visitantes, inclusive de forma temporária, apenas com a exigência de recursos para contratação e quantitativo estabelecido pela instituição.

Terceiro, como destacamos anteriormente, a forma de ingresso no serviço público é através de concurso. Mas, segundo a explanação, temos agora que levantar qual é a grande demanda, quanto seria um bom valor para começar, ver quantas pessoas gostaríamos de trazer de fora, em que nível, etc. Daí, faremos o cálculo, na ponta do lápis e esse será o contrato de gestão que vai ser proposto”. Ressaltamos que acontratação numa Universidade pública sem concurso pode significar terceirização e contratos precários de trabalho, por meio das OS’s suscitadas como caminho profícuo. Nosso temor é justamente que essa proposta de contratação se efetive, e pior, que venha a ser um parâmetro, pois seria neste perfilque ingressariam os jovens mestres e doutores que seguem para o magistério superior, onde serão trabalhadores com contratos deficientes e que terão dificuldades no preenchimento do cargo sem indicação de alguém. Sem regime de trabalho estável, caberá a este professor recém-contratado aquietar suas inconformações e reivindicações para evitar demissão.

Quarto, chamamos também a atenção para o caráter e a missão das Universidades: a Universidade é por excelência um espaço de construção de conhecimento, de vanguarda, uma instituição construída a partir do compromisso de alavancar o desenvolvimento humano e social por meio da formação de pessoas, que tem caráter científico e promoveações voltadas para os anseios do povo. Este compromisso social, conecta-se com a vida das cidades, regiões e pessoas. Não cabendo comparações com instituições “vocacionadas” exclusivamente para pesquisa.

A Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura (Unesco) classificou, em 2009, a educação superior como patrimônio público, com o dever de responder às necessidades sociais por meio da pesquisa comprometida e do ensino de qualidade. Acreditamos que dessa forma a universidade contribui para o desenvolvimento do país. Para tal, torna-se importante a participação de estudantes, técnicos, professores e pesquisadores na definição das prioridades sociais no campo da educação, da ciência e da tecnologia. 

Queremos umaUniversidade para a transformação, que contribua no desenvolvimento sustentável e na inserção soberana e competente do país no cenário internacional.  Do mesmo modo, não aceitaremos retrocessos na democracia interna e da autonomia das instituições[6]. A participação política dos estudantes é a nossa defesa e não abriremos mão dela!

Nos posicionamos contra qualquer proposta  que permita que a Universidade tenha sua autonomia ferida. Os contratos e decisões terão pouca ou nenhuma participação da Universidade dentro das OS’s, tendo, geralmente, um representante no conselho diretor no modelo proposto. Após a admissão das OS’s, o contrato que foi firmado pode ser mudado com uma simples assinatura. Essa violação afronta a autonomia universitária garantida na Constituição e carrega consigo prejuízos na formação dos estudantes, que  sofrerão todas as consequências dessa instabilidade profissional e rompimento da autonomia didático-científica Essas medidas que repercutem no perfil dos trabalhadores, na organização do processo de trabalho e nas prioridades da atuação docente.

Cabe às Universidades, assim como às escolas, decidir o papel que desejam protagonizar; se a serviço da reprodução de desigualdades ou do rompimento em busca de transformação. Defendemos que as características e os critérios de provas e títulos dos concursos sejam decididos pela equipe de profissionais que irá acolher o docente e dividir a função social do seu trabalho. As lutas que temos nos envolvido junto aos docentes é pela reestruturação da carreira no magistério, que estabelece o RJU para ingresso. Defendemos também a recomposição dos quadros em vacância nas universidades, na medida em que a sobrecarga de trabalho ou ausência do serviço prejudica a todos os envolvidos.

Por último, o anúncio também trouxe em seu bojo que a maioria dos pesquisadores brasileiros está centrada nas Universidades. Como têm sido absorvidos os pesquisadores? Como estão sendo as suas formações? A pós-graduação atual estimula a diversificação da formação, partindo do pressuposto da aprendizagem significativa, que promove e produz sentidos, e sugere que a transformação das práticas esteja baseada na reflexão crítica?  Os cursos de pós-graduação permitem a diversidade de desenhos metodológicos e cenários de práticas na sua pesquisa para atender às necessidades do pesquisador? A atual predominância na formação do pesquisador para a docência não tem impacto no destino de atuação?

Portanto, nos parece que esta proposta reflete em questões eminentemente políticas e não observamos razoabilidade na decisão entre CAPES, MEC e MCTI sobre a proposta de contratação de professores. Acabar com os concursos públicos é colocar em risco os bens públicos ao transferir para uma Organização Social o patrimônio construído por tantos. Nos colocamos contrárias à contratação de pessoal na administração direta com orçamento público que integra a administração indireta da União, conforme metas e pactos de contratualização.

Dito isto, manifestamos nossas posições e apresentamos nossas preocupações à respeito dos últimos pronunciamentos da CAPES e MCTI no que tange a contratação de professores através da criação de OS.



[1] Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e secretária geral da Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG).
[2] Mestre em História pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e presidenta da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG).
[4] O Regime Jurídico é a Lei que define os parâmetros que devem regular o relacionamento de trabalho entre empregador e empregado. No Brasil, o chamado Regime Jurídico Único (RJU)foi instituído pela Lei nº 8112/90, regulando a relação entre os servidores públicos e a administração, abrangendo servidores da Administração Direta, das Autarquias e das Fundações.Já a Lei n° 8.881-A/1965 institui o regime jurídico do pessoal docente de nível superior, vinculado à administração federal (com alterações em: Lei n° 5.539/1968, Decreto – Lei n°465/1969 e Lei n° 5.802/1972).
[5] O 24° Congresso Nacional de Pós-graduandos, aprovou em suas resoluções propostas voltadas ao tema Internacionalização da ciência brasileira.
[6]Nos referimos à afirmação do ministro Campolina de que para ele “a democracia tem que ser praticada, mas quem tem que tomar as decisões são os seus cientistas”. Esta posição é totalmente oposta ao que defendemos como diretoras de uma entidade ligada ao movimento educacional, que vemos nos estudantes sua capacidade de colaborar nos rumos das instituições, assim como os companheiros técnicos-administrativos e representantes de movimentos sociais.
Saiba mais: http://www.ebc.com.br/tecnologia/2014/09/capes-defende-contratacao-de-professores-por-organizacoes-sociais
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