A força das mulheres à frente da ANPG

carteira de estudante

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Em 31 anos de história, a Associação Nacional dos pós-graduandos, ANPG, já teve 9 presidentas à sua frente, o que demonstra que a entidade já nasceu com um olhar diferente e com um compromisso muito grande com todas e todos pós-graduandos do Brasil.
Sempre lutando pela melhoria de condições de pesquisas e para o dia-d-dia das pós-graduandas e pós-graduandos, a ANPG está há 8 anos com mulheres a sua frente. Elisangela Lizardo (2010-2012), Luana Bonone (2012-2014) e Tamara Naiz (2014-2018) formaram um trio que trouxe projetos a longo prazo e batalharam muito para que as mais essenciais necessidades dos estudantes fossem ouvidas, além de quebrar preconceitos.
A equipe de comunicação da ANPG conversou com as três e apresenta um perfil desses últimos anos. Confira:
Quebrar barreiras
As três presidentas contam sobre a grande tensão que é estar a frente de uma entidade que representa todas e todos os pós-graduandos do Brasil. “Trata-se de um país gigantesco, com demandas muito variadas, e um sistema de pós cheio de contradições, cheio de idas e vindas na história de sua construção”, diz Bonone, e Naiz reforça: “As dificuldades são da própria organização do movimento nacional dos pós-graduandos, já que as pressões que os estudantes sofrem fazem com que eles se envolvam pouco na vida política”.
Além de organizar e estar a frente, as dirigentes também contam de mais barreiras que precisaram ser quebradas. “O fato de ser uma mulher jovem, que veio do interior do Brasil e não de uma Universidade do Sudeste eram elementos que no início geravam alguns olhares preconceitudosos, mas isso foi rompido no momento que fui fazendo relações e conhecendo as pessoas, os militantes, os trabalhadores e a comunidade científica”, conta Naiz.
Para Luana o peso de ser mulher também foi sentido: “Temos um sistema de C&T hegemonizado por homens, em geral das chamadas áreas duras, como Engenharia e Física, onde a presença de mulheres é reduzida, inclusive nos laboratórios. Tive a oportunidade de conviver com figuras muito generosas, mas também lidamos com gestores e lideranças que perguntavam se não havia homem na ANPG para tratar os assuntos. Mas no geral o movimento de pós-graduandos nas universidades é a principal força para a construção de cada gestão, do movimento. Isso alimenta a luta cotidiana por uma condição adequada de pesquisa no país e fortalece a confiança de quem se dispõe a participar da luta em defesa da pesquisa brasileira.”
Elisangela reforça: “Mais que dificuldades, o que havia de fato eram desafios imensos em representar milhares de pós-graduandos e pós-graduandas de nosso país. Ser a voz desses pesquisadores frente a luta por direitos e regulamentações das suas situações de profissionais / estudantes em formação. Diferente da maioria da população pesquisadora do país, que é feminina, o ambiente político é muito masculino, habituado com decisões tomadas apenas por eles. Participar desse ambiente exige comportamentos e posições muito peculiares que talvez os homens não precisem desempenhar e isso inclui desde a insistência pelo respeito ao nosso espaço de fala, até o combate as inúmeras falas desrespeitosas sobre o papel social da mulher. Mas esse desafio não é particular do ambiente científico, é um desafio do nosso tempo que ainda exige batalhas diárias em prol de uma sociedade de homens e mulheres emancipados”.
Vitórias que marcaram a história da ANPG        
Elisangela Lizardo
“Posso dizer que foram muitas, internas e externas e isso me deixa muito feliz. O Movimento Nacional de Pós-Graduandos cresceu e se enraizou muito nesse período, fruto de um trabalho de todas as gestões que nos antecederam, havia APGs e comissões pró APGs em quase todas as universidades públicas e nas grandes privadas, participamos ativamente das conferências de educação, ciência e tecnologia, saúde e juventude, participamos da comissão de elaboração do PNPG e também da regulamentação de vínculo empregatício para bolsistas, aprovamos a licença maternidade para bolsistas (ainda por meio de portaria) CAPES e CNPq, iniciamos nossa participação no Conselho Deliberativo do CNPq, provocamos o debate tão necessário sobre o assédio moral e sexual na pós-graduação, continuamos uma luta história pela aprovação do PL dos pós-graduandos (que trata sobre a regulamentação do financiamento de bolsas, assistência saúde e previdência para pós-graduandos) e aprovamos o reajuste de bolsas de mestrado e doutorado que estavam congeladas há quatro anos, como consequência de uma paralisação que mobilizou os quatro cantos do país”.
Luana Bonone
Acredito que a principal força da gestão foi ter sido construída muito coletivamente e ter bebido na história do movimento nacional de pós-graduandos. Isso é expresso na primeira vitória, que  na verdade foi herdada da gestão anterior, presidida pela Elisangela, calcada na mobilização de pós-graduandos e pós-graduandas no país inteiro: o anúncio do reajuste de 20% das bolsas de pesquisa para mestrado e doutorado, pela Capes e pelo CNPq. Isso ocorreu no 23º Congresso na ANPG, em que nossa gestão foi eleita. Tal conquista teve que ser monitorada, e mantivemos permanente estado de mobilização, pois os primeiros 10% foram concedidos dois meses após o congresso, e os outros 10% apenas no ano seguinte. A este reajuste, seguiram-se reajustes concedidos pelas Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) em diversos estados. Garantida esta pauta, ampliamos o debate para o conjunto de Direitos dos Pós-Graduandos, em que retomamos o PL dos Pós-Graduandos (Projeto de Lei João Faustino, PL nº 6545/85), elaborado pela primeira gestão da ANPG, e percebemos que muitas das pautas então colocadas ainda eram atuais. Assim, demos início à elaboração do Documento de Deveres e Direitos das Pós-Graduandas e dos Pós-Graduandos do Brasil, atualizando a pauta, e enfrentamos o debate sobre a proposta de profissionalização do cientista. Defendemos que cursar a pós-graduação stricto sensu confere uma característica híbrida de estudante-trabalhador(a), dado que há produção científica de fato, há exigência de produção por parte do sistema, mas é também um período de formação. Como fruto deste debate, a ANPG passou a pautar o MEC a respeito da inclusão de pós-graduandos e pós-graduandas nas políticas de assistência estudantil, bem como pautamos o Congresso Nacional a respeito da transformação em lei de direitos já garantidos em portarias, como licença-maternidade, assim como a criação de um instrumento que permitisse o direito a seguridade social, incluindo previdência. Entramos ainda no debate sobre assédio nas universidades e sobre a saúde dos pós-graduandos e pós-graduandas. Essas pautas ainda são atuais no movimento e já obtiveram vitórias importantes no período mais recente.  Bom, participamos ainda de lutas e conquistas de toda uma geração, como a inclusão, no Plano Nacional de Educação, da garantia da destinação de 10% do PIB e 50% do Fundo Social do Pré-Sal para a Educação e a aprovação do Estatuto da Juventude. Também conquistamos um assento de representante de pós-graduandos no Conselho Deliberativo do CNPq. Por isso, ao final da gestão, afirmei (e continuo achando isso) que o sentimento principal não era exatamente de “dever cumprido”, mas sim de caminho trilhado…. e sem dúvida ainda temos um bocado por trilhar”.
Tamara Naiz
“Eu considero como uma das principais vitórias na minha gestão a conquista da licença maternidade garantida em lei para as bolsistas e pós-graduandas brasileiras. Isto foi maravilhoso, porque é inaceitável que em 2017 as mulheres precisem optar por um acordo tácito, velado entre ser mãe e pequisadora – e é importante ressaltar que as mulheres que exercem mais da metade da pesquisa feita em nosso país. A outra grande conquista foi a aprovação das ações afirmativas na pós-graduação nas universidades federais. Este é um avanço muito grande para o perfil das pós-graduandas e pós-graduandos brasileiros”, isso contribui para diversidade e riqueza de nossa ciência.
Além disso, a ANPG lutou pela democaria no Brasil em 2014, contra as medidas de austeridade que o atual governo continua impondo para a ciência brasileira e em defesa da Universidade Pública. Também emplacamos uma campanha de direitos previdenciários para as pós-graduandas e os pós-graduandos”.
Atenção todas as mulheres pesquisadoras!
As presidentas da ANPG mandam um recado para todas mulheres que se dedicam a pesquisa no Brasil:
Elisangela Lizardo
“Lugar de mulher é onde ela quiser”… Esta frase acompanha algumas gerações de mulheres que ousaram trilhar um caminho diferente do “convencional” e se enveredar pela ciência e também pela política. É um caminho tortuoso, exige persistência, uma vez que nossa jornada é muitas vezes mais que tripla e um tanto quanto solitária quando decidimos ocupar espaços de direção, de protagonismo. Mas a satisfação e a liberdade de chegarmos a um bom resultado de pesquisa, a uma descoberta científica, a compreensão de um método de análise, a uma boa aula, ou ainda atingirmos a percepção de que o esclarecimento e o desenvolvimento tecnológico pode sim contribuir muito para acabar com as mazelas do mundo, faz todo sacrifício valer a pena, principalmente quando olhamos pro lado e percebemos que não estamos sozinhas.
Muitas nos antecederam e tantas outras virão depois de nós e espero que nos superem e contribuam para que um dia pouca diferença possa ser percebida na constituição de um carreira científica entre um pesquisador e uma pesquisadora. Em meu doutorado em educação, estudei a relação entre ciência e política na formação de intelectuais brasileiros, entre eles, Carolina Marstuscelli Bori, uma pesquisadora brilhante, que empenhou sua vida em defesa da ciência, foi presidenta da SBPC e deixou um legado importantíssimo para psicologia experimental. Ao lado dela, muitas outras pesquisadoras caminharam, e nela tantas outras ainda se espelham. Que possamos sempre caminhar juntas, nos apoiando, extrapolando nossos próprios limites, enfrentando juntas tudo que nos subjuga, sempre em busca do desconhecido e de uma sociedade livre!”
Luana Bonone
“Ocupem todo e qualquer espaço que puderem e quiserem. Não se deixem intimidar por docentes ou colegas que a orientem a ficar mais discreta, a ser mesmo ousada nos seus objetivos e atuação acadêmica. Mas faça isso, de preferência, considerando como cada ação contribui para um avanço mais geral… Vivemos um tempo de explosão de feminismos e reação conservadora igualmente potente. A partir da sua concepção e das suas condições, lute por seu espaço, e pelo de outras e outros que precisem de similar apoio; busque apoio naquelas e naqueles docentes e colegas que possam estar contigo em cada batalha, e não hesite em procurar também as instâncias de representação, a ANPG, pois, como me disse essa semana uma amiga muito querida, citando Clarice Lispector: “Quem caminha sozinho pode até chegar mais rápido, mas aquele que vai acompanhado, com certeza vai mais longe”.”
Tamara Naiz
“As mulheres têm sido fundamentais para os avanços e para o bom desempenho da Ciência brasileira, nós sabemos que 90% das pesquisas realizadas no Brasil são feitas no âmbito da pós-graduação e metade destes pós-graduandos são mulheres. Essas mulheres superam e lutam contra todos os empecilhos de uma sociedade machista, inclusive no acadêmico. Sabemos que é preciso ter força e garra, mas também é preciso ocupar cada vez mais esses espaços.
Também reforço, que como mulher, foi uma honra presidir a ANPG, uma entidade que foi comandada por tantas mulheres. Isto mostra que ela nasceu com um olhar diferente. Esta é uma entidade que tem um compromisso muito grande com a ciência e a educação em nosso país e espero ter contribuido significamente na trajetória desta entidade assim como outras mulheres fizeram antes de mim. Elas foram minha inspiração.
Viva o 8 de março! Viva a luta das mulheres! Viva a nossa luta em defesa da democracia, dos nossos direitos, da igualdade e da oportunidade!”
Mulheres na história da ANPG
Já no ano de sua fundação, 1986, Thereza Galvão da Silva, assumiu a presidência da entidade e teve como principal batalha vincular a bolsa ao salário de docente, o que trouxe uma mudança siugnificativa na vida dos pós-graduandos. As demais presidentas da entidade foram: Soraya Soubhi Smaili (1989-1990), Elvira Maria Ferreira Soares (1996-1997), Tatiana Lobato Lima (2001-2002), Elisa de Campo Borges (2005-2006), Maria Luiza Nogueira Rangel (2006-2007), Elisângela Lizardo (2010-2012), Luana Bonone (2012-2014) e atualmente Tamara Naiz, que está em seu segundo mandato (2014-2018).