Mesa 3: Desafios da pesquisa e das Universidades na América Latina no pós-pandemia

Com mediação da secretária-executiva do Cone Sul da Oclae Bia Lopes, o terceiro dia de diálogos do 27º Congresso da ANPG começou com apresentações de vídeos do Minuto da Ciência, iniciativa da ANPG para dar visibilidade a trabalhos científicos realizados pelos pós-graduandos e pós-graduandas, além do vídeo de saudação de Leonel Freedman, presidente da Organização Latinoamericana e Caribenha de Estudantes. Mas, se esse foi um momento de exaltação à capacidade dos pesquisadores, na sequência veio o protesto contra a dura realidade atual das universidades, em virtude da nomeação, pelo governo federal, do terceiro colocado na eleição à reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Na prática, mais uma vez o MEC atropela a democracia interna das instituições para nomear interventores alinhados ao bolsonarismo.

Abertos os debates, foi instalada a terceira mesa, com o tema “Desafios da pesquisa e das universidades na América Latina no pós-pandemia”, com a participação do nicaraguense Telémaco Talavera, ex-reitor, ex-ministro e atual diretor da plataforma Kairós; professor Marco Antônio Henrique Dias, ex-diretor da Divisão de Ensino Superior da Unesco e coordenador da Conferência Mundial de Educação de 1998; Fran Rebelatto, professora de cinema e audiovisual da Unila; e Ana Cristina Lima Pimentel, do Observatório do Conhecimento e do Fórum Renova Andes.

O professor Telémaco fez uma abordagem sobre as desigualdades históricas do continente latino-americano, que se contrapõem às potencialidades para desenvolvimento que tem o subcontinente, devido aos imensos recursos naturais renováveis e não renováveis. Para ele, numa conjuntura internacional marcada por uma nova revolução industrial e tecnológica, há riscos de que a pandemia possa agudizar ainda mais as desigualdades existentes.

Por isso, considera ser necessário reafirmar o primado da Conferência Mundial de Educação que estabeleceu o ensino superior como bem público. “Defender a educação pública é defender o papel que lhe corresponde jogar para a construção de uma sociedade melhor para todos e todas, como bem público, social e direito humano fundamental; porém, fazê-lo é também defender os recursos que se requerem para que possa desempenhar esse papel no desenvolvimento das capacidade humanas e sociais”, afirmou.

Marco Antônio Henrique Dias disse que a Humanidade chegou a esse momento do século 21 diante de um paradoxo: uma quadra de obscurantismo, embora haja um desenvolvimento extraordinário da ciência e tecnologia.

Para o ex-diretor da Unesco, conceber a educação superior como bem público significa a conjugação de três fatores: “deve ser para todos, democrática; seus serviços devem ser prestados permanentemente; e que seja capaz de se adaptar àss mudanças tecnológicas e se adaptar aos desafios da sociedade.”

Marco Antônio exemplificou a importância ímpar das universidades públicas no Brasil e no exterior, citando o exemplo da Universidade da República, no Uruguai, responsável por mais de 50% da detecção do novo coronavírus naquele país, e da atuação conjunta entre Petrobrás e UFRJ, no Brasil, responsável pela descoberta e a viabilidade da exploração do pré-sal. “A parceria da Petrobrás com a UFRJ fez com que se pesquisasse e se desenvolvesse o pré-sal como um grande negócio, que agora é entregue aos grupos econômicos a preço de banana.”

Sobre a utilização de novas tecnologias, realidade que praticamente se impôs com a pandemia, o professor alertou para oportunidades e riscos. Segundo ele, a experiência da Universidade Aberta da Catalunha é positiva, pois conseguiu desenvolver uma plataforma que proporcionou acesso e intercâmbio a seus estudantes. Mas criticou a conduta de dirigentes de grupos privados educacionais brasileiros: “Muitos viram a pandemia como uma oportunidade para reduzir custos, de produzir material padronizado, muitas vezes copiado, adaptado, comprado do exterior, com programas elaborados para realidades culturais completamente diferentes da nossa”.

Chamando atenção para um discurso do secretário-executivo da OCDE, feito em 2005, que desencorajava nações em desenvolvimento a investirem em universidades, apontou para a intenção dos países ricos em concentrarem o ensino superior em poucos grupos educacionais transnacionais e o quanto isso fragilizaria a soberania das nações em desenvolvimento. “Em outras palavras, aceitem ser submissos, copiem, deixem de criar, comprem produtos. O que significa dizer, vocês jamais serão autônomos, jamais serão independentes”, resumiu.

Fran Rebelatto, professora de cinema e audiovisual da Unila, acredita que o principal desafio da pesquisa no período pós-pandemia “é produção pensamento crítico para nos armar para esses enfrentamentos, para todos esses problemas sociais, estruturais”, mesmo compreendendo que os limites da universidade nos marcos do capitalismo.

Como exemplo desses limites, a professora falou das críticas e disputas que existem dentro da Unila sobre o ciclo comum da disciplina “Fundamentos da América Latina”. “Tem professores e estudantes que dizem não, precisamos nos voltar para a construção das pontes e barragens. Estudar fundamentos da América Latina vai tirar essa formação específica”, disse, em alusão ao que alguns manifestam.

Por fim, Ana Cristina Lima Pimentel, do Observatório do Conhecimento e do Fórum Renova Andes, disse que a pandemia é um novo marco para a dinâmica da produção de conhecimento. “Seguramente, a América Latina tem alguns dos principais epidemiologistas do mundo. […] Mas todo esse conhecimento tem sido combatido por alguns governos.” Para ela, “há uma política de dilapidação e descontrução desse conhecimento, que poderia estar sendo usado para lidar com a pandemia da Covid-19”.

Ainda sobre o cenário da pandemia na América Latina, Ana Cristina afirmou que há uma situação de alta mortalidade envolvendo índios e mulheres gestantes e uma política disseminada de desinformação sobre a doença. Outro aspecto é a “situação dramática” que se abate sobre as escolas, o que agravará as desigualdades econômicas e sociais derivadas do acesso à educação. “Temos 160 milhões de alunos fora da escola, em um continente em que parte significativa não tem acesso à internet. Então, temos uma política de retirada da escola justificada pela pandemia, mas que não tem correspondência em uma ampliação do acesso. Isso significa desigualdade de aprendizagem.”

A professora finalizou elogiando o “pacto pela vida e pela democracia” como tema do Congresso e afirmou que a pandemia não pode reforçar a competição no lugar da cooperação científica. “Precisamos de uma produção de ciência e tecnologia que caminhe para a sustentabilidade da vida. Por isso, precisa ser pública.”