Alteração no orçamento da Fapesp marca mais um retrocesso para o País

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Vanderlan da S. Bolzani, vice-presidente da SBPC. Foto: Fábio Almeida

Artigo assinado pela professora Vanderlan da S. Bolzani, vice-presidente da SBPC e da Fundunesp, para o Jornal da Ciência
Se o Estado de São Paulo exibe hoje um ambiente de pesquisa científica de excelência, reconhecido mundialmente em praticamente todas as áreas de conhecimento, esse fato é, em grande parte, fruto dos investimentos substanciais da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), desde a sua criação. A eficiência da agência paulista de fomento está presente em setores estratégicos para o País, como fontes renováveis de energia, biodiversidade, fármacos, materiais, nos estudos sobre mudanças climáticas globais e, mais recentemente, nas pesquisas sobre o vírus zika.
Ao mesmo tempo, inúmeros projetos apoiados pela Fapesp voltados para políticas públicas nas áreas de saúde, educação, cultura, violência e questões de gênero destacam a importância social da agência e sua visão de futuro.
Esses feitos justificam que um país emergente ambicione um novo lugar no cenário das principais economias. Eles ultrapassam as fronteiras da academia, contribuindo decisivamente para o processo civilizatório brasileiro. Milhares de pós-graduandos que hoje detêm a capacidade de analisar em âmbito global as questões mais importantes do País, inclusive em postos de governo, devem seu aperfeiçoamento e sua experiência internacional à Fapesp. Mais recentemente, parcerias firmadas com universidades dos países centrais e com grandes empresas multinacionais estão contribuindo de forma expressiva para a internacionalização da ciência brasileira, ainda tímida no cenário mundial.
No cerne desse modelo bem-sucedido de política científica e tecnológica está a definição que estabeleceu em lei, em 1989, no artigo 271 da Constituição do Estado de São Paulo, a dotação da Fundação, fixando-a no montante mínimo de 1% do orçamento. De forma pioneira e incomum para um país de terceiro mundo, essa definição permitiu que os recursos destinados à CT&I fossem administrados de forma independente pelos gestores da Fundação, configurando o que se pode chamar de uma Política de Estado, isto é, um tipo de comprometimento que está acima de disputas políticas imediatas e paroquiais. Vale lembrar que o modelo da Fapesp serviu de referência para outras FAPs estaduais, representando um avanço significativo para o País.
A rápida decisão da Assembleia Legislativa paulista, no final de dezembro de 2016, de alterar o artigo 271, por meio de uma emenda parlamentar, modificando a dotação da Fundação para 0,89%, significa muito mais do que a transferência de alguns milhões de reais para outra finalidade. Abre um precedente assustador pelo seu significado e pelo que podemos esperar da visão de seus responsáveis daqui para frente. Quem assegura aos cidadãos paulistas e brasileiros que esse espírito pragmático não irá se abater novamente sobre a Fapesp?
A justificativa apresentada pelos autores da mudança – considerada inconstitucional por integrantes da comunidade científica – é que esse montante servirá para socorrer os institutos de pesquisa (IPs) estaduais. Prevalecendo esse raciocínio, as dificuldades enfrentadas pelos IPs paulistas, que conviveram com falta de investimento durante anos e agravada sobremaneira nos últimos tempos, pudessem ser resolvidas com alterações no orçamento da Fapesp!
Estamos em franco retrocesso, sem qualquer possibilidade de diálogo frente a essa situação dramática.  Seguindo esse caminho, o Estado de São Paulo, orgulhoso de sua condição de mola propulsora da economia nacional corre o risco de, a médio prazo, perder sua posição de vanguarda na área de ciência e tecnologia.