O estrangulamento do CNPq é para forçar sua extinção e incorporação à CAPES, afirma presidente da Associação de Servidores

Em seus 19 anos dedicados ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Roberto Muniz Barretto de Carvalho jamais viu uma situação tão crítica. Ele sabe do que fala, conhece a instituição por dentro, é analista sênior em C&T e presidente da Associação dos Servidores do CNPq.
É taxativo ao denunciar que há setores do atual governo interessados em sufocar o Conselho com vistas à sua extinção. “Não é oficial nem público, mas sabemos que o MEC e CAPES querem isso. Seria a fusão do CNPq com CAPES, permanecendo apenas a CAPES no MEC”, aponta.
Para Roberto Muniz, o modelo de ciência e tecnologia almejado pelo governo Bolsonaro é contrário ao…
O estrangulamento do CNPq é para forçar sua extinção e incorporação à CAPES, afirma presidente da Associação de Servidores

Em seus 19 anos dedicados ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Roberto Muniz Barretto de Carvalho jamais viu uma situação tão crítica. Ele sabe do que fala, conhece a instituição por dentro, é analista sênior em C&T e presidente da Associação dos Servidores do CNPq.
É taxativo ao denunciar que há setores do atual governo interessados em sufocar o Conselho com vistas à sua extinção. “Não é oficial nem público, mas sabemos que o MEC e CAPES querem isso. Seria a fusão do CNPq com CAPES, permanecendo apenas a CAPES no MEC”, aponta.
Para Roberto Muniz, o modelo de ciência e tecnologia almejado pelo governo Bolsonaro é contrário ao que o Brasil perseguia desde a fundação do CNPq. Criado em 1951 pela lei 1.310, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico nasceu no início do pós Segunda Guerra, sob o profundo impacto da bomba nuclear, o que exigia um aparato estatal voltado à pesquisa e tecnologia nas diversas áreas do conhecimento para garantir o desenvolvimento e a própria soberania do país.
“O que se pretende não é o avanço do conhecimento, mas apenas o desenvolvimento de processo de inovação e adaptação que gerem mercadorias, produtos. Não cabe mais neste projeto o conhecimento para inclusão social, para a solução de problemas nacionais”, lamenta Muniz.
A solidariedade demonstrada por amplos setores da sociedade, através da campanha #SomosTodosCNPq, quem em poucos dias já recebeu quase 300 mil apoios em petição eletrônica, anima e dá esperança de que é possível resistir ao desmonte da renomada instituição. “Estamos programando um ato nacional em defesa do CNPq, em Brasília, para o dia 4 de setembro. Não vamos dar sossego a eles. Vamos barrar este projeto destruidor!”, convoca Roberto Muniz.

Leia abaixo os trechos da entrevista:

1) O CNPq acaba de anunciar o bloqueio de 4500 bolsas. O ministro Marcos Pontes já disse diversas vezes que sem os recursos suplementares, estão comprometidas todas as mais de 80 mil bolsas já a partir de setembro. Como o senhor vê essa situação? Qual é o impacto para a produção científica brasileira?

R: O CNPq encontra-se em uma situação crítica. O bloqueio das 4.500 bolsas agora anunciado é apenas a ponta do iceberg. Nos do SindGCT e da ASCON estamos, desde abril de 2019, em campanha em defesa da ciência e tecnologia, em defesa do CNPq, pois acompanhávamos a elaboração do orçamento do governo e constatávamos que os recursos solicitados e depois aprovados pelo Congresso eram insuficientes para manter as atividades do CNPq e a crescente demanda por fomento as atividades cientificas, tecnológicas e de inovação necessárias ao desenvolvimento do país.
O bloqueio das 4.500 foi apenas uma medida preventiva adotada pela direção do CNPq para não se agravar mais ainda o cenário de setembro, qual seja: o não pagamento das bolsas vigentes e contratadas, cerca de 84 mil bolsas. Se não houver a destinação de R$ 330 milhões ao CNPq até o dia 30 de agosto, este não terá como pagar as suas bolsas de iniciação cientifica, mestrado, doutorado, pós-doutorado, produtividade em pesquisa, desenvolvimento científico regional, desenvolvimento tecnológico etc.
O impacto para o desenvolvimento científico brasileiro será significativo, principalmente se não se conseguir uma solução para o problema. Projetos serão cancelados ou sofrerão atrasos, em alguns casos, experimentos e coletas de dados e informações serão perdidos, bolsistas estarão impedidos de continuar suas atividades e muitos devem deixar o campo da ciência e tecnologia, laboratórios e contratos podem ser perdidos ou seriamente comprometidos. E, logicamente, isso impactará na produção de conhecimentos, no desenvolvimento de novas tecnologias e inovações tão necessários ao desenvolvimento brasileiro.

2) Houve um acordo no Congresso Nacional, na ocasião da liberação dos créditos suplementares para o governo, em que foram assegurados os 330 milhões para o MCTIC, que iriam para o CNPq. Esses recursos não foram liberados pelo Ministério da Economia. Já há desconfiança de que o governo esteja asfixiando deliberadamente a agência. O que está acontecendo de fato? O CNPq corre risco?

R: O CNPq corre risco sim! A redução dos recursos do CNPq e para a C&T já vinham ocorrendo desde meados de 2016 e, de maneira mais acentuada, de 2017. Os mecanismos usuais de redução utilizados eram os famosos “contingenciamentos”. Na elaboração e aprovação do orçamento de 2019 houve um corte de recursos para as bolsas do CNPq. Necessitávamos de cerca de R$ 1 bilhão para manter as bolsas e só se aprovou cerca de R$ 780 milhões. No caso das bolsas não houve o contingenciamento e sim um corte!
Depois de aprovado um orçamento já deficitário, os recursos do CNPq sofreram um contingenciamento de 11%, mas desta vez sobre os auxílios e recursos para projetos, editais e pesquisas. O acordo no Congresso para recompor os recursos para bolsa ocorreu, mas o Executivo nada fez para que ele se concretize, demonstrando assim o total descompromisso do governo com a C&T e com as atividades do CNPq.
Não é uma situação inesperada, não prevista. Os cortes têm acontecido de forma contínua e deliberada. Ciência e tecnologia não são prioridades para esse governo, basta ver a crise recente no INPE e as declarações anticientíficas de ministros e do Presidente da República. O CNPq apresenta, além dos cortes de recurso, um reduzido quadro de pessoal, que, com as aposentadorias e a não recomposição através de concurso, também compromete suas ações. Esta também não é uma situação inesperada e imprevista… Ou seja, os problemas já vinham ocorrendo, os alertas e soluções já vinham sendo solicitados e, como nada foi feito, o CNPq, sim, corre grande risco.

3) Há um boato sobre unificação de CNPq e Capes. Ou seja, extinção de um deles.

R: Sim. E é mais que um boato, pois as informações que temos é que há pessoas no governo trabalhando para isso. Não é oficial nem público. Mas sabemos que o MEC e CAPES querem isso. Seria a fusão do CNPq com CAPES, permanecendo apenas a CAPES, no MEC.
O estrangulamento do CNPq é para forçar sua extinção e incorporação de suas funções à CAPES, isso quebra uma perna fundamental do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia e do Ministério de Ciência Tecnologia Inovação e Comunicações. Essa é uma avaliação nossa, que tivemos oportunidade de falar para o ministro Marcos Pontes.

4) O presidente obrigou a demissão de Ricardo Galvão, do Inpe, após desacreditar estudos do Instituto. Questionou dados do IBGE sobre desemprego. Há um movimento em curso para questionar ou relativizar o trabalho científico? Se há, qual o objetivo a seu ver?

R: Acredito sim que haja um movimento em curso para questionar ou relativizar o trabalho científico. Ele faz parte da visão de mundo de parte de quem está no governo e serve também para legitimar um novo arranjo para a ciência e tecnologia no país. O modelo de desenvolvimento que vínhamos perseguindo desde 1951, com a criação do CNPq, era o de criar bases próprias de desenvolvimento científico e tecnológico em todas as áreas do conhecimento. Estas bases ajudariam o desenvolvimento socioeconômico e a autonomia nacional.
O processo que está em curso no governo Bolsonaro é o de desmonte do que conseguimos até o presente. Neste modelo, a C&T tem papel secundário, assim como a questão da autonomia nacional. O que se pretende não é o avanço do conhecimento, mas apenas o desenvolvimento de processo de inovação e adaptação que gerem mercadorias, produtos. Não cabe mais neste projeto o conhecimento para inclusão social, para a solução de problemas nacionais, para a competitividade nacional e a nossa inserção, com autonomia, no cenário internacional. Daí a necessidade de desacreditar a C&T, de dar curso a visões retrogradas…

5) Várias entidades se pronunciaram em solidariedade ao CNPq. Na sua opinião, o que é possível fazer para reverter essa situação?

R: A solidariedade ao CNPq está mostrando que a nossa comunidade acadêmica e cientifica não aceita este desmonte do sistema de C&T. Creio que devemos nos opor a este desmonte e mostrar à sociedade brasileira o papel e a importância da C&T para o país, para o desenvolvimento nacional, para suas vidas. Um país sem capacidade cientifica e tecnologia é um país fadado ao atraso, a ser refém de nações que geram conhecimento e desenvolvem tecnologia. Sem ciência, continuaremos a ser um país agrário, sem capacidade de resolver seus problemas e dependente do mercado internacional.
A luta pela C&T é a luta pelo progresso, pelo desenvolvimento, pela inclusão social, por autonomia, pela autoestima do brasileiro, que é tão capaz quanto qualquer outro povo do planeta. Somos capazes de fazer ciência e tecnologia do mais elevado nível e isto tem de ser preservado, tem que receber apoio contínuo do Estado.
Estamos programando um ato nacional em defesa do CNPq, em Brasília, para o dia 4 de setembro. Não vamos dar sossego a eles. Vamos barrar este projeto destruidor!

Por Fernando Borgonovi