Em contraponto ao golpe militar, ANPG e SBPC realizam palestra sobre a democracia com professor Peter Burke

 

Na tarde desta sexta-feira (31), em contraponto ao 59º aniversário do golpe militar, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) realizaram a palestra “Democratic Knowledge and Democratic Ignorance” (Conhecimento Democrático e Ignorância democrática), com Peter Burke, professor emérito da universidade de Cambridge.

O evento, que abriu a II Reunião da Diretoria da ANPG, aconteceu no salão nobre do Centro Universitário Maria Antônia (USP), antigo prédio da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, fechado pelo regime militar. O presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, afirmou que a decisão de realizar a palestra nessa data foi justamente para “exorcizar” o fantasma da ditadura e disse que a entidade irá propor uma data anual para que a população manifeste repúdio ao regime autoritário.

Vinicius Soares, presidente da ANPG, registrou o momento político vivido pelo Brasil, que, no último dia 8/1 passou por uma tentativa de golpe. “Essa atividade acontece em um local histórico para a luta em defesa da democracia. Conhecimento é poder e pode ser usado inclusive para destruir a democracia. A ANPG é filha da abertura democrática do nosso país, por isso, é simbólico e fundamental participar desse momento”.

O conferencista Peter Burke fez um panorama sobre características comuns a regimes antidemocráticos, como restrições à educação do povo e a falta de transparência nos temas de interesse público. “Podemos opor a ansiedade dos ditadores, que temem a disseminação do conhecimento, e a ansiedade dos democratas, que temem a ignorância. A democracia exige transparência, a ditadura precisa da opacidade”.

Citando exemplos históricos de como regimes podem usar a ignorância e restrição de informações para se manter no poder, falou do exemplo das sufragistas britânicas, que diziam que os machistas não possibilitavam a educação escolar das mulheres para impedir que conquistassem o direito ao voto. Mencionou também o acobertamento do acidente nuclear em Chernobil, na década de 1980, como exemplo da falta de transparência na antiga União Soviética.

Burke abordou o tema das fake news, fenômeno que tem desafiado as democracias mundo afora. Para o professor, as lacunas de informação acabam sendo preenchidas pelo imaginário coletivo através de teorias conspiratórias ou notícias falsas, problema que sempre existiu, mas que ganhou outra escala com a internet. “As fake news se tornaram um problema muito maior na era digital. As novas tecnologias permitem a falsificação de imagens, transmissões e textos”, afirmou.

Segundo Burke, essa nova dinâmica de disseminação instantânea da desinformação exige uma educação midiática cada vez mais precoce para conter os danos. “As atitudes críticas devem ser inculcadas muito mais cedo e a um público muito maior do que apenas os aspirantes a jornalistas. Deve começar pela escola, no ensino fundamental. Até crianças pequenas devem ser levadas a se perguntar, quando recebem uma notícia de alguém que não conhecem: de quem veio a mensagem e quem ganha com ela?”

Defendeu que esse processo de conscientização contra as notícias falsas deve responder a cinco perguntas-chave: quem enviou a mensagem, quais técnicas criativas são usadas para atrair a atenção, como as diferentes pessoas podem entender a mensagem, quais valores e pontos de vista são demonstrados ou omitidos na mensagem e quem ganhou algo com ela.