Presidenta da ANPG, Tamara Naiz, fala sobre depressão e assédio na pós-graduação

carteira de estudante

_OWL0473
Em sua última semana como presidenta da ANPG, Tamara Naiz, concedeu uma entrevista sobre depressão e assédio na pós-graduação. A entidade lançará uma campanha sobre o assunto durante o 26 Congresso Nacional dos Pós-graduandos, que acontece agora, entre os dias 29 e 1 de Julho na UnB em Brasília. Confira a entrevista:
1) Com base em sua experiência na ANPG , quais os principais transtornos psicológicos e psiquiátricos apresentados pelos estudantes de pós-graduação?
Depressão, ansiedade, estresse e insônia têm sido os problemas mais comuns relatados pelos pós-graduandos. Além desses, os estudantes de mestrado e doutorado vivenciam dificuldades de interação social e inabilidade de assistir às aulas e fazer pesquisas. Há diversos estudos demonstrando também a presença forte da síndrome do impostor entre acadêmicos.
2)Quais os principais fatores associados ao desenvolvimento desses transtornos durante a pós-graduação?
Os principais fatores associados ao desenvolvimento do adoecimento na pós-graduação refletem a nossa cultura academia, que ainda é altamente burocrática, competitiva e de poucas oportunidades. Além de uma série de exigências e pressões que são exercidas sobre o estudante de pós-graduação, como prazos curtos para qualificação e defesa, dificuldades e problemas de relacionamento com o orientador, forte cobrança por publicações em revistas de alto impacto acadêmico. Outros dois problemas determinantes são o assédio, em suas diversas formas e a discriminação que ainda persistem na academia. De modo que o adoecimento de pós-graduandos reflete a cultura acadêmica brasileira e é preciso combater o silêncio para mudar essa realidade.
3) Existem estudos dimensionando esses problemas entre os pós-graduandos no Brasil? Se não, por quê?
Existem diversos estudos que abordam a questão do assédio e do adoecimento no ambiente acadêmico, mas infelizmente poucas têm uma dimensão quantitativa ou vinculam as problemáticas.  Por exemplo, o Brasil é um país onde as mulheres realizem metade das pesquisas, mas o ambiente acadêmico ainda é muito hostil para elas. 67% das mulheres relatam já sofreram assédio no ambiente acadêmico (pesquisa do instituto Data Popular e instituto Avon 12/2015), não seria interessante saber como esse ambiente hostil pode atrapalhar o desempenho acadêmico e pode desencadear algum tipo de transtorno psicológico?
4) Estudantes de determinadas áreas podem ser mais susceptíveis ao desenvolvimento de transtornosos psiquiátricos do que outros de outras áreas?
Não conheço pesquisas que atestem essa diferença por áreas, mas a experiência dos casos que nos tem chegado na ANPG mostra que pós-graduandos de áreas de maior exigência academica por resultados e publicações em periódicos de impacto são mais afetados, nesse quesito as áreas laboratoriais colocam mais em risco a saúde dos pós-graduandos.
5)Por que esse assunto ainda é pouco discutido no Brasil?
Acredito que ainda há muito tabu sobre essas temáticas na acadêmia.
6)Qual o papel do orientador no sentido de orientar os pós-graduandos a lidar melhor com as pressões da vida acadêmica?
Muitas vezes a relação orientador -orientando, quando esta é abusiva, é justamente o que desencadeia problemas psicológicos ou de convívio. Portanto a melhoria nas relações acadêmicas é um fator preventivo ao adoecimento psicológico na pós-graduação. Há por parte dos estudantes o relato de diversas atitudes abusivas ou negligentes por parte dos orientadores, como humilhações publicas, em laboratórios, reuniões e aulas, afastamento, omissão ou abandono da orientação, cobrança da realização de atividades não relacionadas à pesquisa, corte de bolsas, reprovação não justificadas ou com justificativas não acadêmicas, não permissão de afastamento por motivo de saúde.  Então uma relação académica saudável, de respeito e compromisso académico mutuo já é um bom começo para evitar que as pressões da vida acadêmica se transforme em distúrbios psicológicos e de saúde.
7) Como a ANPG tem atuado nesse sentido?
ANPG tem promovido diversos debates e espaços de discussão sobre o tema por todo o país e a entidade também criou um Grupo de Trabalho sobre assédio na pós-graduação, para avançar na elaboração sobre o tema, buscamos colaborar com orientação jurídica para os casos que chegam a entidade. Agora, durante o 26 Congresso Nacional dos Pós-graduandos, que acontece entre os dias 29 e 1 de Julho em Brasília, estaremos lançando uma cartilha e campanha sobre o tema.
8)A ANPG tem dados mais detalhados da dimensão desse problema no Brasil?
Temos poucos dados sobre o tema, não temos dados nacionais, por isso propusemos junto ao MEC a criação de um Grupo de trabalho sobre a situação dos pós-graduandos no país. Este grupo foi aprovado ainda em 2015 e só foi efectivado há um mês. Neste período sempre estivemos questionando a Capes neste sentido. Este grupo será fundamental para subsidiar ações e positivas públicas para a categoria dos pós-graduandos, pois o grupo levantara dados que tornarão possível estabelecer um perfil sócio econômico, cultural e comportamental dos pós-graduandos.
9) Quais estratégias os estudantes podem adotar para evitar ou minimizar esses problemas?
Assim como esse debate passa pela relação orientador -orientando, passa também pela relação entre os próprios pós-graduandos e a comunidade acadêmica como um todo. É preciso refletir sobre o que temos feito. Estamos trabalhando para a ruptura ou para a perpetuação dessa realidade? O movimento e a organização dos pós-graduandos não pode ser apenas um lugar para recolher as queixas, mas devemos propor encaminhamentos e ações concretas para tornar o ambiente acadêmico mais saudável.  O combate ao assédio começa com a denúncia aos órgãos competentes e legais, mas nesse processo a união e a solidariedade entre os estudantes é importante também, pois o combate ao .assedio e ao adoecimento psicológico deve ser feito de forma coletiva e não individual.