O pós-graduando e o trabalho invisível

O 1º de Maio é o Dia Internacional do Trabalhador, data comemorada no mundo inteiro e que remonta à grande greve realizada em Chicago, no Estados Unidos, homenageando os operários assassinados pela repressão neste evento histórico. No Brasil, a data foi escolhida para a promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), pelo então presidente Getúlio Vargas, em 1943.

A CLT é uma conquista histórica das lutas operárias que remontam aos primeiros anos do 1900, foi ali que se condensou o arcabouço legal de proteção aos trabalhadores. Mas, antes dela, já na Constituição de 1934, direitos como descanso semanal, férias remuneradas, jornada de trabalho de 8 horas, entre outros, já eram previstos.

Mas a CLT rege a relação empregado-patrão, e não é todo trabalhador que é empregado. Juridicamente, emprego pressupõe o vínculo formal e os benefícios e obrigações que dele derivam. Atualmente, no Brasil, após anos de recessão e estagnação econômica, terceirizações indiscriminadas, precarização e reformas trabalhistas que descarnaram a CLT, o mercado de trabalho informal já chega a cerca de 40% dos ocupados. Isso sem falar daqueles milhões de brasileiros subocupados, que se viram como podem, através de bicos para garantir a sobrevivência.

Nesse complexo e desigual mercado, surge o pós-graduando em uma situação sui generis, de híbrido entre estudante e trabalhador. Estudante, porque é um profissional ainda em formação; trabalhador porque realiza atividades laborais e é quem produz a maior parte da pesquisa científica no país – é um autêntico trabalhador da ciência!

Resultado dessa condição, apesar de ser uma mão de obra de alta qualificação, o pós-graduando tem sua entrada no mercado de trabalho retardada, em média, por seis anos, o que causa profundos impactos – seja pelo adiamento do recolhimento de contribuição previdenciária, seja pela evolução de carreira.

Não à toa, o reconhecimento a direitos trabalhistas está entre as principais pautas da ANPG e do movimento de pós-graduandos há décadas. Ainda assim, a condição de pós-graduando não está devidamente observada na legislação do país. Afora a recente lei 13.536, da deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), que garante a licença maternidade à pós-graduanda gestante, uma grande conquista da qual ANPG fez parte, não houve nenhum avanço significativo para reconhecimento de direitos elementares, como auxílio-doença, 13º salário na bolsa ou mesmo uma forma de recolhimento previdenciário específico.

Ao contrário, tudo o que tem acontecido nos últimos anos é retrocesso, o que afasta da carreira científica um enorme contingente de jovens talentos e exacerba o fenômeno da fuga de cérebros que afeta o país.

Afinal, desde 2013, há 7 anos, as bolsas de estudo não recebem reajuste, o que já corroeu quase a metade de seu valor real. Ao bolsista é cobrada dedicação exclusiva, mas a remuneração é tão insuficiente – R$ 1500 para mestrado e R$ 2200 para doutorado – que, caso a bolsa seja a única fonte de renda familiar, ele pode se enquadrar nos critérios do governo para recebimento do auxílio emergencial por conta do coronavírus. Aliás, o reconhecimento a esse direito foi uma recente e importante conquista da ANPG junto à Capes.

Mas até mesmo as bolsas existentes estão sob ataque nesse governo obscurantista. Após os sucessivos cortes orçamentários que desestruturaram a educação e a ciência e tecnologia em 2019, a nova artimanha para desmontar o sistema nacional de pós-graduação está na Portaria 34 da Capes. Ela traz novos critérios de distribuição que ameaçam cortar milhares de bolsas de estudos, particularmente nas regiões Norte e Nordeste, agravando ainda mais as assimetrias regionais na produção científica. Para revogar essa infâmia, a ANPG e toda a comunidade acadêmica e científica têm lutado com ardor.

O Brasil está no ápice da maior crise de saúde pública de sua história e na linha de frente do combate ao coronavírus estão muitos pós-graduandos, sejam os residentes em saúde ou os milhares de pesquisadores nas universidades institutos públicos que se batem por construir respiradores e EPIs mais baratos ou testam vacinas para combater a doença. Esse trabalho corajoso e vital para o país, infelizmente, ainda é pouco reconhecimento por grande parte da sociedade e parece ser invisível para os governos.

O Dia do Trabalhador é uma data de resistência e reflexão. Mesmo com a distância imposta pela pandemia, a união e a luta ainda são as melhores formas para garantir melhores condições de vida para todos os trabalhadores brasileiros.