Série exclusiva ANPG – MAPEAMENTO NACIONAL DE BOLSAS DA CAPES

Essa série de matérias, conteúdo produzido pela ANPG, traz um panorama da atual distribuição de bolsas de estudos da Capes e os impactos da Portaria 34 na pós-graduação brasileira. Segundo os estudos, que você poderá conferir nas matérias, entre os efeitos da nova forma de distribuição, nota-se um aumento das bolsas na modalidade “empréstimo”, em detrimento das vinculadas aos programas e redução do número de benefícios nas regiões Nordeste e Sul, aprofundando as desigualdades regionais na produção científica, além desproporções entre as bolsas concedidas, prejudicando cursos de programas 3, 4 e 5. Confira a série de reportagens exclusivas da ANPG.

 

 

MAPEAMENTO NACIONAL DE BOLSAS DA CAPES

Atualizado em 16 de julho de 2020

Há anos o movimento de pós-graduandos se depara com um problema objetivo para obter um diagnóstico completo do quadro de bolsas de estudos da pós-graduação: a falta de detalhamento quanto à distribuição entre modalidades de bolsas, programas e áreas do conhecimento. 

As informações da maior agência de fomento à pós-graduação do país, que possuem evidente interesse público, sempre foram genéricas, dificultando análises mais aprofundadas sobre o mapa situacional da pós-graduação. Contudo, após a judicialização da Portaria 34, por pedido de suspensão feito pelo Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul na Justiça Federal do mesmo estado, a agência foi obrigada a disponibilizar uma planilha oficial mais minuciosa sobre a atual distribuição das bolsas. O processo, em questão, foi finalizado no último dia 03 de junho, por parte do próprio MPF após recuperação das quase 6000 bolsas ao sistema no mês de abril. 

Foi com base nessas informações que a ANPG iniciou a montagem de um panorama das bolsas da Capes que estão ativas, possibilitando aos pós-graduandos e entidades da área o entendimento sobre os tipos de bolsas, os programas atendidos, sua distribuição geográfica e de áreas do saber.

A Capes disponibiliza quatro tipos de bolsas de estudos: Demanda Social, que atende programas de pós-graduação de nível A, 2,3, 4 e 5 em universidades públicas; Programa de Excelência Acadêmica (Proex), que abrange programas de conceitos 6 e 7; Programa de Suporte à Pós-Graduação de Instituições de Ensino Particulares (Prosup) e Programa de Suporte à Pós-Graduação de Instituições Comunitárias de Ensino Superior. 

Essas quatro modalidades de bolsas chegam aos estudantes, basicamente, através de duas formas, pelas cotas de programa ou via cotas de pró-reitorias, ambas dirigidas na ponta pelas universidades. Essas bolsas mantêm-se ativas após a conclusão do mestrado ou doutorado realizado pelo estudante que a utilizava, sendo então disponibilizada para que outro tenha acesso, normalmente no mesmo programa, caso seja do primeiro tipo, garantindo assim a continuidade do sistema de pós-graduação, relativamente resguardado de intempéries políticas ou de governos.

A partir de uma análise histórica dos últimos dez anos, com dados das leis orçamentárias de cada ano, é possível perceber que, em termos gerais, o pico de bolsas de mestrado e doutorado concedidas pela Capes foi em 2015, quando havia disponibilidade de 92.146 bolsas no sistema (Figura 1). Ressalve-se que a data também coincide, ainda, com o programa “Ciência Sem Fronteiras”, que custeava estudantes de graduação no exterior e foi ponto alto de financiamento da agência, que chegou a deter R$ 7,45 bilhões de orçamento global, sendo R$ 2,21 bi para as bolsas de estudos (apenas bolsas de mestrado e doutorado). Agora, em 2020, o recurso total da Capes é de R$ 3,76 bi, sendo apenas R$ 1,87 bi alocado em bolsas, o que na prática permite a concessão das 84.076 bolsas atuais. Esse número representa um corte de 8070 bolsas desde 2015.

Figura 1: Histórico dos últimos 10 anos do orçamento global da CAPES, fomento à bolsas de estudos e quantitativo de bolsas por valores de bilhões de reais. Fonte: Lei de Diretrizes Orçamentárias dos respectivo ano e CAPES.
Figura 1: Histórico dos últimos 10 anos do orçamento global da CAPES, fomento à bolsas de estudos e quantitativo de bolsas por valores de bilhões de reais. Fonte: Lei de Diretrizes Orçamentárias dos respectivo ano e CAPES.

Cabe destacar que o atual número de concessões só não é menor em virtude das mobilizações do Tsunami da Educação, que levaram milhares de estudantes às ruas do país em 2019. As manifestações ajudaram na reversão dos sucessivos cortes de mais de 6000 bolsas realizadas pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, durante o ano passado. Além disso, também reforçou a pressão no Congresso Nacional para o incremento do orçamento da CAPES em 2020, pois na proposta original do governo havia redução de quase metade do orçamento (saindo de 4,19 bi em 2019 para 2,2 bi em 2020), o que resultaria na concessão de apenas 47.249 bolsas. Foi a conquista de 1,2 bi, através de emendas aprovadas nas comissões de educação e ciência e tecnologia, que possibilitou o atual número de bolsas 

 

 DESIGUALDADES NA DISTRIBUIÇÃO DE BOLSAS

O número total de bolsas concedidas no início desse ano ainda é confuso, pois a planilha disponibilizada pela CAPES apenas torna públicos o cenário “antes” – já sob as portarias 18, 19 e 21 – e “depois”, após vigência da portaria 34. Essas portarias foram publicadas para implementar um modelo oficial de distribuição de bolsas no sistema nacional de pós-graduação. 

Assim, sem um cenário de distribuição antes da portaria fica impossibilitada uma análise mais profunda sobre real impacto dessas portarias no sistema como um todo. Sem uma cronologia da disponibilização de bolsas, não é possível, por exemplo, comprovar que houve incremento de 3.386 bolsas no sistema, conforme alegado pelo Ministro Weintraub, em 27 de março. Ainda mais que, posteriormente, a CAPES alegou erro no saldo de bolsas, restituindo cerca de 6000 bolsas que foram contabilizadas pelo sistema como bolsas empréstimos. 

O que se sabe oficialmente, pelos próprios dados da CAPES, é que posteriormente às portarias 18, 19 e 21 haviam 80.272 bolsas concedidas, sendo 40.201 de mestrados e 40.071 de doutorado, e que hoje, após portaria 34, há 84.076 bolsas, sendo 41.306 de mestrado e 42.963 de doutorado (Tabela 1).  

Tabela 1. Quantidade de bolsas de estudos concedidas pela CAPES antes e depois da portaria 34, distribuídas por tipos de curso e conceito.

Legenda: Antes = Efeitos das portarias 18, 19 e 20; D= Doutorado; Depois = Efeitos da portaria 34; E = Bolsas empréstimos; M= Mestrado; N = Bolsas por cota de programas e pro-reitoria. Fonte: Planilha CAPES disponibilizada no processo Inquérito Civil nº 1.29.000.001595/2019-65 da Justiça Federal do Rio Grande do Sul .

Além disso, ao correlacionar esses dados a partir da quantidade dos programas de pós-graduação (PPG) por conceito, percebe-se a já existente desigualdade na distribuição das bolsas CAPES no sistema nacional de pós-graduação (SNPG). Embora os programas de pós-graduação de nível 3 representem quase 35% de todo o sistema, esses abarcam apenas 8,5% (7.211) do total de bolsas, enquanto os de nível 6 e 7, que correspondem juntos a 11,4%, possuem quase 30% do total de bolsas (Figura 2). Não obstante, os programas de nível 5 são 18% do total de PPGs, mas possuem quase 30% das bolsas. 

Para Flávia Calé, presidenta da ANPG, os novos critérios para alocação de bolsas deveriam ser precedidos de ampliação dos benefícios e das verbas da agência e não o esvaziamento de programas. “Qualquer discussão sobre novo modelo de distribuição de bolsas deveria pressupor novas bolsas e ampliação do orçamento da CAPES e não a retirada de bolsas de determinados programas, de forma repentina. Sem contar as consequências, como a concentração de recursos de fomento nas regiões mais ricas do país e os transtornos aos pós graduandos que já haviam se planejado, deixado empregos, mudado de cidade e de repente se viram sem bolsa de estudo”, afirma.

Figura 2: Distribuição dos programas de pós-graduação no Brasil por conceito. Fonte: GeoCapes2018. Não há dados para programas nível 2 para o GeoCapes 2018, último até a data de publicação da matéria.

O SÚBITO CRESCIMENTO DAS BOLSAS EMPRÉSTIMOS

Ademais, percebe-se que cerca de 10 mil bolsas foram transformadas em modalidade empréstimo após publicação da portaria 34. E é justamente aqui que mora o perigo para o sistema nacional de pós-graduação. Essas ditas “bolsas empréstimos” são um terceiro tipo virtual de bolsas, que possuem concessão ativa, mas que, ao término da vigência atual, voltarão ao sistema nacional de bolsas, e, na teoria, serão redistribuídas no sistema. Ou seja, o programa ou pró-reitoria não podem fazer novas indicações de bolsistas a partir delas, como acontece para os demais tipos de bolsas. 

Segundo a CAPES, essas bolsas voltarão ao sistema à medida que forem terminando suas atuais vigências e serão redistribuídas a partir do modelo disposto na portaria 34. Hoje, são 14.761, mas nesse periodo 12.118 bolsas foram convertidas em empréstimos, distribuídas majoritariamente em PPGs 3, 4 e 5 (1975, 4570, 3544, respectivamente) (Tabela 1). 

Assim, é preciso vigilância de toda a comunidade acadêmica e cientifica para que elas não aumentem as estatísticas das bolsas cortadas do sistema. Há ainda um agravante: caso sejam redistribuídas pelas regras da portaria 34, isso poderá significar o colapso desses programas, uma vez que o modelo atual, além de aumentar o teto de perda de bolsas dos programas, privilegia aqueles de maiores conceitos, ampliando a já desigual distribuição de bolsas entre os programas.

“A Capes informa que não houve cortes, mas na prática com a retirada de bolsas de um programa para outro, houve sim. Você pode não ter retirado bolsas do sistema, mas retirou uma bolsa que estava prometida para um pós-graduando. O que tem colocado centenas de pós-graduandos ainda na incerteza do recebimento desse direito”, avalia Vinícius Soares, diretor de Comunicação da ANPG. 

 

 

Abaixo, segunda parte da matéria produzida pela ANPG sobre o detalhamento da distribuição de bolsas de estudos da Capes

 

Novo modelo de distribuição de bolsas da Capes aprofunda desigualdades regionais

 

Atualizada em 16 de julho de 2020

 

Nesta segunda matéria produzida pela ANPG sobre o detalhamento da distribuição de bolsas de estudos da Capes (acompanhe a primeira parte aqui), fica demonstrado que o novo modelo, previsto pela Portaria 34, tende a acarretar uma maior concentração da pesquisa científica, agravando ainda mais as assimetrias regionais do país. 

Embora não tenham acontecido cortes no número geral de benefícios nesse primeiro momento, o novo modelo provocou expressiva perda para os pós-graduandos das regiões Nordeste e Sul, em proveito de uma concentração ainda maior no Sudeste.

Antes da Portaria 34, a região Nordeste detinha 7.595 bolsas de mestrado (7.031 vinculadas aos programas e 564 empréstimo) e 7.791 de doutorado (7.585 programa/206 empréstimo), totalizando 15.386 estudantes. Sob os efeitos dos novos critérios, que reduzem as concessões particularmente de programas 3, 4 e 5, o Nordeste passou a contar com 14.266 bolsas, na soma de mestrado (7.682) e doutorado (6.584), uma redução de 1.120 benefícios, aí já incluídas as que migraram de programas para empréstimo (mais detalhes no gráfico I).

 

Gráfico I. Quantidade de bolsas de estudos concedidas pela CAPES antes e depois da portaria 34, distribuídas por mestrado e doutorado entre as regiões do país. 

Legenda: Antes = Efeitos das portarias 18, 19 e 20; Depois = Efeitos da portaria 34; Empréstimo = Bolsas empréstimos; Programa = Bolsas por cota de programas e pro-reitoria. Fonte: Planilha CAPES disponibilizada no processo Inquérito Civil nº 1.29.000.001595/2019-65 da Justiça Federal do Rio Grande do Sul.

Cássio Borges, pós-graduando da Universidade Federal do Piauí e vice Nordeste da ANPG, considera que historicamente a região esteve excluída do acesso a bons cursos de pós-graduação strictu sensu, o que torna mais injusto o corte de bolsas nos programas 3, 4 e 5. “Se pegarmos o caso da UFPI, até 2013, só tínhamos 10 cursos de mestrado e 4 de doutorado. Hoje, temos mais de 50 mestrados e 20 doutorados, que, a cada nova avaliação quadrienal da Capes, vêm obtendo melhores resultados. Porém, até que esses programas possam ser conceituados com excelência é necessária produção acadêmica, o que só será possível se as condições materiais forem ofertadas. Cortar as bolsas de programas com conceitos 3, 4 e 5 é um golpe de morte para a pós-graduação do Nordeste”, afirma.

Movimento similar pode ser observado na região Sul do país, o que redundou em perda geral de 782 bolsas, refluindo dos anteriores 20.217 para os atuais 19.435. Com efeito, nas denúncias recebidas pela Ouvidoria da ANPG quando 6 mil bolsas foram desligadas por erro no sistema da Capes, o maior número de queixas individuais veio de estudantes da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Mas há uma diferença no padrão de cortes entre as regiões: no Nordeste, a redução impacta fortemente o doutorado, que decaiu de 7.791 bolsas para 6.584; enquanto no Sul, o prejuízo se concentrou no mestrado, que refluiu de 10.636 para 9.417, ao passo que os doutorandos ganharam 437 bolsas (9.581 antes e 10.018 após a Portaria 34).

As regiões Norte e Centro-Oeste ficaram praticamente estáveis, com 3.323 (acréscimo de 55) e 5.771 (acréscimo de 234) bolsas, respectivamente. Em compensação, o grande beneficiário do novo modelo de concessão é o Sudeste, o que revela o caráter concentrador dos critérios da Portaria 34.

Os estados da região mais rica e desenvolvida do país, que somados detinham 38.015 bolsas de mestrado e doutorado, agora chegam a 41.122 bolsas, um acréscimo de 836 nos mestrados e 2.371 nos doutorados.

Para Flávia Calé, presidenta da ANPG, o olhar acurado nesse fluxo de distribuição das bolsas mostra uma tendência preocupante, que prejudica o desenvolvimento de regiões do país. “O estudo que a ANPG fez mostra um viés concentrador e, portanto, elitista da formação das novas gerações de pós-graduandos, o que tenderá a agravar as assimetrias regiões na produção científica”, aponta. 

A dirigente da ANPG considera que elaborar propostas para equalizar esses desníveis regionais é um desafio do movimento de pós-graduandos. “É preciso pensar em novas saídas para enfrentar esse problema, porque repercute objetivamente em concentração de riqueza e expansão de pobreza. Não se constrói um projeto nacional de desenvolvimento ignorando e agravando as diferenças históricas na formação econômica e social do país”, finaliza Calé.

Essas discrepâncias ficam claras quando são observados os dados da distribuição dos programas de pós-graduação entre as regiões do país (Tabela 1), pois ainda refletem os históricos e massivos investimentos nas universidades e na pós-graduação no eixo centro-sul, desde o surgimento da primeira universidade brasileira até o primeiro programa de pós, cerca de 50 anos depois. E, embora se tenha avançado ao longo dos primeiros quinze anos deste século, com a descentralização de investimentos que permitiu uma gradual diminuição das desigualdades regionais na pós-graduação, ainda há muito para caminhar. 

Cabe destacar que até os anos 2000, cinco estados da região Norte não possuíam nenhum programa. Em 2005, o Amapá foi o último estado brasileiro a ter um programa de pós, conceito 3, e até hoje, essa região, que deveria despontar pela alta riqueza mineral, natural e social, ainda não possui nenhum programa nível 7, um reflexo do histórico de concentração de investimentos.

Tabela 1. Quantitativo de programas de pós-graduação por região brasileiras e seus respectivos conceitos. 

Fonte: GeoCapes 2018

 

 

Abaixo, a terceira e última parte da matéria produzida pela ANPG sobre o detalhamento da distribuição de bolsas de estudos da Capes.

 

Sem cota empréstimo, Portaria 34 cortaria bolsas em todas as áreas do conhecimento

 

A edição da Portaria 34 ainda não acarretou desequilíbrios na política de concessão de bolsas da Capes. Nesse primeiro momento, houve até uma pequena expansão no número geral de benefícios nos mestrados e doutorados dedicados às três áreas de conhecimento: ciências da vida, ciências exatas e tecnológicas e humanidades. É o que se pode aferir pelo estudo realizado com exclusividade pela ANPG sobre o mapa situacional das bolsas de estudos ofertadas pela maior agência de fomento à pesquisa do país.

Em números gerais, na soma de mestrados e doutorados, a área de Ciências da Vida passou de 30.382 bolsas para 32.294; a de Ciências Exatas de 25.512 para 26.390 e a Humanidades das anteriores 24.378 bolsas para as atuais 25.585, um acréscimo de 3997 após a Portaria 34, em um total de 84.269concedidas (Veja os números no gráfico I) (*)

Gráfico 1. Quantidade de bolsas de estudos concedidas pela CAPES antes e depois da portaria 34, distribuídas por mestrado e doutorado entre as três grandes áreas de conhecimento.Legenda: Antes = Efeitos das portarias 18, 19 e 20; Depois = Efeitos da portaria 34; Empréstimo = Bolsas empréstimos; Programa = Bolsas por cota de programas e pro-reitoria. Fonte: Planilha CAPES disponibilizada no processo Inquérito Civil nº 1.29.000.001595/2019-65 da Justiça Federal do Rio Grande do Sul.

Contudo, a ampliação é toda baseada em bolsas na modalidade empréstimo, havendo um acréscimo no sistema de 12.118 benefícios nessa condição, que não serão devolvidas aos programas obrigatoriamente ao fim de sua utilização. Ou seja, pode-se dizer que um dos efeitos imediatos da Portaria 34 foi deslocamento de bolsas vinculadas aos programas (cotas por programas) para a modalidade empréstimo, sem o que teria acontecido um corte expressivo.

Na atual configuração de distribuição, as bolsas empréstimos já respondem por cerca de 15% do total de benefícios concedidos, sendo 4.630 na área de ciências da vida, 3.750 na área de exatas e tecnologia e 3.738 entre aquelas disponibilizadas para as ciências humanas. A Capes alega que as bolsas empréstimos serão mantidas no sistema, mas há apreensão na comunidade acadêmica devido à postura de confronto e desmonte de políticas que o MEC tem adotado desde o início do governo Bolsonaro, especialmente durante os 14 meses em que Abraham Weintraub foi o titular da pasta.

Para a presidenta da ANPG, Flávia Calé, monitorar e cobrar a manutenção dessas bolsas passa a ser uma prioridade para os pós-graduandos. “As cerca de 12 mil bolsas que estão na cota empréstimo são a grande preocupação. O acompanhamento da alocação delas é fundamental para que não haja desfalque na oferta de bolsas e mais desequilíbrios no sistema”, aponta.

A mesma questão aflige os pós-graduandos das Humanidades. Ao estipular o incremento das bolsas nos programas 6 e 7, em detrimento dos programas de conceitos 3, 4 e 5, a Portaria 34 aponta para uma sangria nas ciências humanas, já que 87% de seus cursos estão concentrados nos níveis que serão afetados (Tabela 1). Graças as bolsas da cota empréstimo, os cortes não ocorreram neste primeiro momento em relação à Capes, mas o governo tem testado formas de reduzir a oferta para essa área do conhecimento.

Tabela 1. Quantitativo de programas de pós-graduação por conceito e as três grandes áreas do conhecimento. Fonte: GeoCapes 2018. * = até o momento da publicação não tinha dados referentes a cursos nível A
Tabela 1. Quantitativo de programas de pós-graduação por conceito e as três grandes áreas do conhecimento. Fonte: GeoCapes 2018. * = até o momento da publicação não tinha dados referentes a cursos nível A

Uma das iniciativas nesse sentido veio através da Portaria 1.122, editada pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, que retirou as ciências humanas dos eixos prioritários para os projetos de pesquisas a serem financiados entre 2020 e 2023. Editada em 19 de março, a repercussão foi tão negativa que o MCTIC reformou a portaria incluindo a área entre as prioridades.

Ainda assim, o CNPq chegou a anunciar um novo edital de bolsas de Iniciação Científica baseado nos critérios estabelecidos na Portaria 1.122, o que deu ensejo a uma carta aberta assinada por três conselheiros da agência. “A pré-chamada materializa as diretrizes da Portaria e, assim, reforça as dicotomias e exclusões estabelecidas na agenda do MCTIC. Considerando a gravidade do fato, que exige o empenho do Presidente e Diretores do CNPq em restabelecer a ordem institucional, solicitamos que essa decisão seja revista”, protestaram Maria Ataide Malcher, Regina Pekelmann Markus e Fernando Galembeck, representantes da comunidade científica no Conselho Deliberativo.

Quanto às bolsas da Capes, a Associação Nacional de Pós-Graduandos continua atuando pela revogação da Portaria 34 e para impedir que o novo modelo traga prejuízos aos estudantes. “A Portaria 34 acabou gerando impasse para a pós-graduação quando tentou acelerar um modelo de distribuição que deveria ter sido mais testado antes de sua implementação”, diz Flávia Calé.

Redução de áreas do conhecimento enfrenta resistência na academia

Também é vista com apreensão pela comunidade acadêmica a intenção manifestada pela Capes de “reduzir substantivamente” as áreas de avaliação existentes na pós-graduação, enquadrando as 49 atuais em nove grandes áreas do conhecimento. No último dia 16 de junho, o presidente da agência, Benedito Guimarães Aguiar, criou uma comissão especial com esse objetivo.

Os estudantes discordam da premissa por considerarem que a criação dessas 49 áreas partiu de um processo de debates históricos sobre as áreas do conhecimento e as particularidades de cada uma delas. “Um grande entrave para o desenvolvimento científico e que precisamos superar para melhorar nossa produção científica é avançar no reconhecimento e na importância das áreas transdisciplinares e isso não se resolve reduzindo as áreas [do conhecimento], mas possibilitando maior liberdade para o trânsito entre elas”, diz Flávia Calé.