Modelo inédito da CAPES resultará no corte de milhares de bolsas de pós-graduação

Por Gabriel Colombo, Diretor de Ciência e Tecnologia da ANPG.

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atualizado em 28 de fevereiro de 2020, ás 15:38

 

A CAPES anunciou o modelo de concessão de bolsas no dia 20 de fevereiro. Este período é uma fase de transição de bolsas. De mestres e doutores recém-titulados para ingressantes na pós-graduação. Em 2019, o governo Bolsonaro chamou estas bolsas de ociosas, como justificativa para realizar cortes de cerca de 8 mil bolsas.

As Portarias números 18, 20 e 21 da CAPES sobre o modelo de concessão de bolsas parecem cumprir a mesma função[i]. Isto é, uma via de cortes de milhares de bolsas de pós-graduação. O impacto pode ser ainda mais grave que os cortes de 2019, segundo uma análise inicial.

Este modelo tem dois fundamentos. O primeiro é a implementação de uma base de bolsas por Programa de Pós-Graduação (PPG). De acordo com a nota de avaliação do quadriênio 2013-2017 e com o colégio de conhecimento. O segundo fundamento é a alteração do quantitativo inicial segundo dois fatores de ponderação.

Agora, vejamos os impactos.

Vamos fazer um exercício de projeção. A partir da média do número inicial de bolsas dos três colégios[ii]. E do número de PPG existentes no país[iii]. Com o objetivo de obter o número total de bolsas inicial do novo modelo. O resultado é igual a pouco mais de 60 mil bolsas (Tabela 1). A CAPES informou que atualmente concede 81.400 bolsas de pós-graduação. Portanto, é possível que haja um corte de mais de 20 mil bolsas de pós-graduação.

Em 2015, a CAPES superou a marca de 90 mil bolsas de pós concedidas. Esse patamar foi mantido até 2018. Portanto, antes de Weintraub completar um ano de ministério, o financiamento de bolsas de mestrado e doutorado pode ser reduzido em um terço.

 

                            Tabela 1: Projeção do número total de bolsas segundo modelo de concessão da CAPES

“Pós-graduandos sem bolsas” é o princípio do modelo de concessão da CAPES

Os fatores de ponderação para redistribuir as bolsas são o IDH-Municipal e a Titulação Média. Este último é o número de mestres e doutores titulados pelo programa por ano, uma média dos anos 2015 a 2018.

O Fator IDHM tem variação de peso de 1 a 2. Os PPG localizados em cidades com IDHM baixo são beneficiados. É preciso considerar que a maior parte dos PPG com mais bolsas estão localizados em municípios com IDHM alto ou muito alto. Na prática, este fator servirá como contrapeso ao Fator de Titulação Média.

O Fator de Titulação Média tem variação de peso de 0,5 a 3. Portanto, o número de mestres e doutores tem peso e variação maiores sobre a redistribuição de bolsas, em relação ao IDHM. Além disso, é neste fator que os PPG têm condição de intervir. De que forma? Sobre os pós-graduandos. Seja pressionando os prazos para titulação, quanto ampliando o número de pós-graduandos sem bolsas.

Por exemplo, a média de titulação do curso de mestrado no colégio de humanidades é igual 17,451 mestres por ano. Vamos aceitar a princípio o prazo de 24 meses para a titulação de um mestre. O curso precisa ter no mínimo 34 matriculados para titular 17 ao ano. No entanto, o quantitativo inicial prevê somente 14 bolsas para o mestrado, em um programa nota 7 de humanidades. Ou seja, as bolsas serão concedidas para 41% dos mestrandos ou para 9,9 meses de cada mestrando matriculado.

A CAPES é a principal agência de fomento no que diz respeito à concessão de bolsas. Em 2018, a CAPES concedeu 92 mil bolsas de pós-graduação, enquanto o CNPq concedeu 17.181 e a FAPESP aproximadamente 2.400.

Nestas condições, o modelo inédito de concessão da CAPES normaliza a bolsa como exceção. O pressuposto do modelo é: os programas devem manter a maior parte ou durante o maior tempo do curso os pós-graduandos sem bolsa. Enquanto os critérios de disputa entre programas pressionam os pós-graduandos para concluir o curso rapidamente, sem a condição básica de receber bolsa.

A situação dos pós-graduandos é expressão da precariedade da ciência no Brasil

Os pós-graduandos são a massa dos pesquisadores no país. O chão de fábrica da ciência. Aproximadamente 9 em cada 10 pesquisas tem participação de pós-graduandos.

O modelo de concessão de bolsas da CAPES é centrado na avaliação dos pós-graduandos em última instância. Em quanto tempo se formam. Quantos artigos publicam e em quais revistas. Quantos congressos nacionais e internacionais participam.

As condições para cumprir esses objetivos não entram nos critérios. Salta aos olhos que as bolsas não são obrigatórias. O que significa dizer que a massa dos pesquisadores brasileiros não é paga obrigatoriamente. Hoje, são quase 300 mil pós-graduandos stricto sensu no país. A CAPES concede pouco mais de 80 mil bolsas de pós-graduação. Bolsas há sete anos sem reajuste, uma defasagem de 44% aproximadamente.

É igualmente grave a frágil regulamentação do trabalho dos pós-graduandos, definida quase que exclusivamente pelo orientador. É uma condição propícia para o assédio em um ambiente marcado pelo produtivismo acadêmico.

O processo de desmonte das universidades públicas e institutos de pesquisa piora ainda mais a situação do pós-graduando. O déficit de trabalhadores técnicos e de docentes impõe ao pós-graduando acúmulo de trabalho para além do projeto de pesquisa. Substituir o trabalhador técnico e docente por pós-graduando é uma forma de precarização do trabalho. O pós-graduando não recebe 13º salário e fundo de garantia. Nem adicional de insalubridade e periculosidade quando é legítimo. Não tem direito a férias ou afastamento por doença.

Os pós-graduandos devem produzir artigos, apresentações, dissertações e teses em prazos cada vez mais menores. Sem garantia de bolsas. Sem regulamentação de condições de pesquisa e sem critérios para definição de atividades. Essa é a situação que promove o aumento do adoecimento mental na pós-graduação.

Nada disso é contemplado pelo modelo inédito de concessão de bolsas da CAPES. Ao contrário, ele reforça a pressão produtivista sobre o pós-graduando e normaliza a pesquisa sem bolsa.

Tomar as ruas em 18 de março!

Devemos participar ativamente das lutas no dia 18 de março, da greve nacional da educação. Não podemos aceitar Weintraub como ministro da educação. 7 anos sem reajustes no valor das bolsas. Cortes de milhares de bolsas por Weintraub-Bolsonaro. Precarização das condições de estudo e pesquisa.

É hora de somar forças com os trabalhadores da educação e demais categorias em luta. Os petroleiros deram um excelente exemplo, conquistaram uma vitória com uma greve histórica contra a política de desmonte da Petrobrás..

O processo de precarização da ciência e tecnologia faz parte da política entreguista e ultraliberal implementada por Guedes-Bolsonaro-Weintraub. Também afeta as empresas estatais, a educação pública e todo funcionalismo público. É hora de construir unidade na luta e criar condições para uma política de ciência e tecnologia pautada pelas demandas da classe trabalhadora e da soberania nacional. Condições dignas de pesquisa e estudo. Política de reajuste anual das bolsas de pós-graduação.

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[i] https://capes.gov.br/36-noticias/10179-capes-adota-modelo-inedito-de-concessao-de-bolsas

[ii] http://cad.capes.gov.br/ato-administrativo-detalhar?idAtoAdmElastic=3282#anchor; http://cad.capes.gov.br/ato-administrativo-detalhar?idAtoAdmElastic=3285#anchor; http://cad.capes.gov.br/ato-administrativo-detalhar?idAtoAdmElastic=3284#anchor.

[iii] http://avaliacaoquadrienal.capes.gov.br/resultado-da-avaliacao-quadrienal-2017-2

[iv] Média do número inicial de bolsas dos três colégios apresentadas nas Portarias nº 18, nº 19 e nº 20 da CAPES, de 20/02/2020.

[v] De acordo com Painel Dinâmico de Consulta – Resultado da Avaliação Quadrienal, disponível em: http://avaliacaoquadrienal.capes.gov.br/resultado-da-avaliacao-quadrienal-2017-2.

[vi] É o resultado da multiplicação do número inicial de bolsas por PPG pelo Número de PPG.