Pós-graduanda relata abusos sofridos na UFSCar

carteira de estudante

A Associação Nacional de Pós-Graduandos tem acompanhado, desde o início, o caso da pós-graduanda Thais Moya, da UFSCar, que relata ter sofrido abusos por parte de seu orientador.

Para entender o caso, leia na íntegra o relato de Thais:

“No dia 28 de maio de 2014, a Coordenação do Programa de Pós Graduação em Sociologia enviou um e-mail com um link para os discentes realizarem “uma pesquisa de opinião sobre o desempenho do PPGS-UFSCar em vários quesitos.” (Coordenação do PPGS- UFSCar, 2014) Na mesma mensagem havia as seguintes orientações acerca do objetivo e privacidade da pesquisa:

A opinião dos discentes é muito importante para a avaliação interna e o planejamento de ações. […] Este link está vinculado, de maneira exclusiva, a esta pesquisa e ao seu endereço de email, apenas para assegurarmos que não serão respondidas por pessoas alheias ao corpo discente. […] Os respondentes não são identificados, as respostas aos questionários não ficarão vinculadas ao email, o que assegura o anonimato das respostas. (Coordenação do PPGS-UFSCar, 2014)

Eu vi nessa pesquisa a oportunidade de relatar institucionalmente, de modo seguro e sem possíveis retaliações, duas situações de abuso de professor contra estudantes. Uma situação na qual eu fui agarrada e beijada pelo meu professor e ex-orientador em duas ocasiões sem o meu consentimento e que, desde então, o mesmo progressivamente retirou-me dos projetos que ele coordena, além de dificultar meu desenvolvimento acadêmico. E outra situação que eu testemunhei de outro professor do Programa humilhar, durante dias, seu ex-orientando por meio da página do grupo de estudo (CIS, atual Quereres) nofacebook e e-mails. Diante de permanente e injustificável perseguição pública, eu, na mesma página do facebook, me posicionei criticamente a tal postura. Desde meu posicionamento, o referido professor – que antes me elogiava publicamente, além de termos tido freqüentes parcerias de trabalho – passou a me tratar friamente e com desprezo.

Embora a pesquisa tenha sido apresentada como anônima, todas as respostas foram divulgadas, por e-mail, ao corpo discente no dia 14 de outubro de 2014. No mesmo dia, a coordenadora do Programa, em reunião previamente marcada com o corpo discente, afirmou – sem explicação – que havia desconsiderado os dados de estudantes matriculados antes de 2010, que os resultados da pesquisa foram bons e que a única demanda dos estudantes era por mais verba/bolsas.

Diante dos relatos publicizados e da afirmação da coordenadora, um grupo de estudantes do Programa que havia lido as respostas da pesquisa na íntegra, se mobilizou, reuniu, procurou orientação da APG, compartilhou – via e-mail – as deliberações ao corpo discente e elaborou uma carta à Coordenação de Pós Graduação (CPG) do Programa, entregue no dia 26 de novembro de 2014, com apoio da Associação de Pós Graduandos – APG-UFSCar.

Desde que a carta citada foi entregue à CPG os estudantes envolvidos com sua elaboração foram abordados, alguns pressionados, por seus orientadores, tanto nas dependências da universidade, como em bares e afins, quanto por mensagens de e-mail. Como, por exemplo, a coordenadora do Programa que postou nofacebook que os estudantes estão criminalizando a “expressão sensual”.

No dia 10 de dezembro de 2014, houve uma reunião, previamente marcada pelo corpo docente com os estudantes, da qual dois representantes da APG foram retirados e, em seguida, a palavra foi dada a uma professora, que falou em nome de todo o corpo docente.

A mesma desenvolveu argumentos de que o Programa estava sangrando nacional e internacionalmente, que dois professores, que são o coração [sic] e o diferencial do PPGS estavam passando por um processo de morte social, por meio de uma “onda denuncista” e fascista que também está ocorrendo em outras universidades. Disse que as denúncias eram anônimas, mas que todos sabiam quem eram e citou os nomes deles. Continuou afirmando conhecer um dos professores há mais de vinte anos, que se trata de um homem comprometido e galante e que ela tem absoluta certeza de que se trata de uma mentira.

A referida professora terminou exigindo a retirada da carta, caso contrário, não haveria qualquer diálogo a respeito com os estudantes. Assim que ela terminou, o professor, que presidia a reunião, tentou abrir as inscrições, porém foi cortado pelo meu ex-orientador, que disse que era melhor o corpo docente sair da sala para os estudantes decidirem se retirariam a carta, já que, segundo eles, não haveria conversa se houvesse uma negativa da parte do corpo discente.

Dito isso, todos os docentes presentes se levantaram e começaram a sair. Nesse ínterim, eu tentei dialogar e demonstrar que aquela postura apenas reforçava o modo como as relações no Programa são opressivas e anti-democráticas, que não haveria condições dos estudantes decidirem desse modo, sob pressão e arbitrariamente. Meu ex-orientador disse que deveríamos ouvir o que os representantes discentes tinham a dizer sobre a reunião da CPG, que ocorreu exatamente antes, pois eles estavam a par das condições estabelecidas. Todos docentes saíram, deixando os estudantes presentes em situação de terror.

Os representantes discentes foram os primeiros a falar e expuseram que, durante a CPG, foram ameaçados de serem processados judicialmente caso a carta dos estudantes não fosse publicamente retirada, pois, teoricamente, eles respondem judicialmente por tudo que o corpo discente faz. Os dois estavam absolutamente abalados e amedrontados. Não havia menor condição de dialogar democraticamente diante dos termos colocados.

Depois de uma hora de discussão acalorada e amedrontada, decidiu-se pela retirada da carta, por meio de outra carta, que usasse outro tom, mas que mantivesse o conteúdo e a necessidade de diálogo sobre os relatos de abusos nela relatados. Também foi deliberado um repúdio sobre a fala da professora, que se pronunciou pelo corpo docente, acerca de afirmar que meus relatos eram mentirosos.

Com a volta dos docentes, a decisão descrita acima foi comunicada e foi acordado que a retirada da carta poderia ser realizada no início do próximo semestre letivo, com calma e diálogo entre os estudantes. O áudio de tal reunião foi gravada e está disponível no link: https://www.facebook.com/video.php?v=797076667051996&pnref=story.

Confesso que eu nunca presenciei uma situação tão abusiva e opressora como essa reunião conduzida pelo corpo docente do PPGS. Depois de muito pensar e ponderar, decidi raspar meus cabelos e publicar meu protesto em minha página do facebook, pois estava evidente, para mim, que as vias oficiais não funcionam, pelo contrário, nos casos relatados foram válvulas de ação do corporativismo presente em algumas esferas de nossa universidade.

Após meu protesto, uma comissão de averiguação foi aberta pela reitoria em razão de um Ato estudantil, organizado pela APG e DCE da UFSCar, que demandou respostas da universidade.
Paradoxalmente, o PPGS também enviou à reitoria uma solicitação de abertura de investigação no mesmo dia em que publicou uma declaração oficial, dizendo que os “docentes do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS) da UFSCar vêm sendo caluniados e difamados pelas redes sociais, por uma aluna que partilha de nossa convivência e formação há mais de dez anos.”(Ver: http://www.ppgs.ufscar.br/#&panel1-7) Percebe-se, portanto, mais uma vez, um julgamento já definido, por parte dos professores, antes mesmo das investigações serem iniciadas.

Infelizmente, é necessário registrar que mesmo depois da visibilidade do caso, a coordenação do PPGS continuou pressionando a representação estudantil retirar a carta protocolada, em mais uma tentativa de silenciar os relatos de assédios. Além disso, professores do Programa publicaram em suas páginas pessoais declarações e cartas abertas apontando-me como caluniadora e difamadora.

O prazo para a comissão de averiguação entregar o relatório terminou no último 6 de março. Agora, cabe ao reitor deferi-lo, ou não, e encaminhar o que for necessário e devido.

Eu estou bastante tranqüila, pois tenho certeza que apresentei provas mais do que suficientes para o processo seguir para instâncias adequadas, como um processo administrativo e/ou sindicância, por exemplo.

Tenho confiança de que a UFSCar será pioneira e exemplar à todas Instituições de Ensino Superior do país no tratamento responsável e não-corporativista dos casos de assédio sexual e moral entre professores e estudantes, pois, se há algo positivo no que aconteceu, se trata das milhares de pessoas, de todo o Brasil e fora dele, que se manifestaram publicamente, afirmando que já vivenciaram ou testemunharam abusos e assédios nas comunidades acadêmicas brasileiras, saindo, portanto, da situação silenciada pelo medo das retaliações.”

Matéria relacionada:
17/03/2015: Nota de repúdio aos casos de assédio na UFSCar