Ministério Público Federal recomenda que a CAPES revogue ou suspenda os efeitos da portaria nº 34. Entenda o que isso significa!

Expedida na última sexta-feira, dia 27 de março, o MPF recomenda que a CAPES REVOGUE OU SUSPENDA OS EFEITOS DA PORTARIA Nº 34, DE 9 DE MARÇO 2020. O movimento nacional de pós-graduandos dá mais um passo em defesa da pesquisa brasileira!

Um dos instrumentos de fiscalização de órgãos públicos disponível ao Ministério Público Federal (MPF) são as “recomendações”. Por meio de uma recomendação, o MPF orienta o cumprimento de determinados dispositivos legais ou constitucionais que, em não sendo cumpridos, podem ensejar abertura de uma ação judicial. Em outras palavras, a partir de uma recomendação do MPF, o órgão recomendado deve manifestar-se por que deixou de cumprir os determinados dispositivos e, ainda, apresentar medidas práticas para sanar as questões levantadas.

Na última sexta-feira, dia 27 de março, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Rio Grande do Sul, através do Procurador da República Enrico Rodrigues de Freitas, expediu uma Recomendação que orienta a CAPES para que “revogue ou suspenda os efeitos da portaria nº 34”. Neste documento, o Procurador apresenta uma lista bastante ampla de razões pelas quais a portaria nº 34 da CAPES desrespeita direitos de pós-graduandos e fere princípios constitucionais e democráticos. Dentre os direitos desrespeitados, destaca-se o direito à educação, o direito à transparência dos atos do poder público e o direito adquirido. Já entre os princípios, a principal argumentação é de desrespeito à boa-fé, à proibição de retrocessos, bem como a imposição às partes de não fraudar expectativas criadas por seus próprios atos.

Nesse sentido, basta um exemplo para entender por que o ato da CAPES é recheado de ilegalidades: ao assinar o Termo de Compromisso, o pós-graduando deve ter dedicação exclusiva, não tendo outro vínculo, fora outras condições impostas pelos programas de pós-graduação, como residir na localidade da instituição, entre outras.. Assim, uma vez cumprido esses requisitos por parte de um/a pós-graduando/a, ao assinar esse Termo, cria-se uma expectativa de recebimento da bolsa. Ao emitir a portaria nº 34 e recolher as bolsas de inúmeros pós-graduandos que já haviam adequado-se às exigências, a CAPES ignora a existência de qualquer expectativa ou direito adquirido.

Não obstante, a emissão da portaria termina por fraudar expectativas legítimas, criadas por atos da própria CAPES, pois as portarias anteriores de nº 18, 20 e 21 de fevereiro de 2020, além da portaria nº 150 de junho de 2019, foram abruptamente interrompidas pela portaria de nº 34. A medida em questão não chegou sequer a ser debatida entre as entidades acadêmicas e científicas que integram a pós-graduação brasileira, gerando um uníssono pedido pela revogação imediata, como apresentado pelo FORPROP, ANDIFES, SBPC e ANPG. Do ponto de vista da ANPG, as portarias anteriores caso não alterassem alguns aspectos, como aumento do peso dos menores IDHM e diminuição ou retirada do fator da quantidade de titulações já poderiam representar um aprofundamento das desigualdades entre os programas, especialmente por não dar condições de programas de menor conceitos avançarem no sistema de avaliação, mas a portaria n° 34 aprofunda essa situação. Dessa forma, fica explícito por que entendemos que a portaria nº 34 é um ataque frontal aos direitos dos/as pós-graduando/as e pode representar um colapso do sistema nacional de pós-graduação.

Por último e não menos grave, a forma como se deu a emissão da portaria também foi questionada pela Recomendação: sem nenhuma transparência, como já supracitado. Até agora, a CAPES não divulgou nenhuma planilha que demonstre de onde foram retiradas ou cortadas bolsas em andamento e para onde foram distribuídas novas bolsas. O que temos de mais frequente por parte dos representantes do governo são tweets raivosos e contraditórios frente às informações concretas recolhidas pelas Universidades e entidades representativas.

Mediante toda essa situação, a Recomendação do Ministério Público Federal orienta que, até o dia 31 de março de 2020, a CAPES responda aos seguintes itens:

(a) Informar as razões de edição da Portaria CAPES nº 34, de 9 de março 2020, tendo em conta a edição das recentes Portarias CAPES 18, 20 e 21, de fevereiro de 2020;
(b) Cópia integral do procedimento e estudos que levaram à edição da Portaria CAPES nº 34, de 9 de março 2020;
(c) Apresentar as planilhas de distribuição de bolsas, demonstrando-se os quantitativos de reduções de 2019, bem como às simulações do impacto dos modelos propostos e o resultante da portaria CAPES nº 34/2020, por curso de pós-graduação, por instituição e o total geral;
(d) Informar os quantitativos de bolsas em janeiro de 2019, janeiro de 2020 e a estimativa do quadro de bolsas no país, com a implementação da Portaria CAPES nº 34, de 9 de março 2020, por curso de pós-graduação, por instituição e o total geral;
(e) Informar se houve determinação ou orientação oriunda do Ministério da Educação para a edição da Portaria CAPES nº 34, de 9 de março 2020, encaminhando cópias dessas orientações e ou determinações;
(f) outras informações que entenda pertinentes.

Caso não haja cumprimento à orientação, o MPF pode abrir uma ação civil pública contra a CAPES, assim como pode tomar outras medidas que achar necessário para auxiliar na investigação.

A ANPG entende que com essa Recomendação demos um passo muito importante na defesa da educação, da ciência e da tecnologia em nosso país. Além disso, a investigação do Ministério Público Federal vai contribuir em muito para avançarmos na temática dos direitos dos/as pós-graduandos/as, que hoje são bastante escassos no Brasil e não representam a realidade de nosso trabalho. Essa medida soma-se nos esforços coletivos para revogação da Portaria 34. O abaixo assinado já consta com mais de 150.000 mil assinaturas e já temos protocolado seis projeto de decreto de legislativo que visam sustar a medida e seus efeitos.

A expansão da pós-graduação foi um dos pilares do crescimento da pesquisa brasileira nas duas últimas décadas, e os/as pós-graduandos/as trabalham cotidianamente para contribuir com a produção da ciência, da tecnologia e da educação no país. As atuais orientações políticas do governo federal vão na contramão de todo este trabalho, ao cortar bolsas, congelar os valores e distribuí-las para menos de 50% de quem está na linha de frente: estudantes de pós-graduação. Expressas por Weintraub no Ministério da Educação, essas ações resultam na precarização das condições da pesquisa e limitam as possibilidades da ciência contribuir com a resolução de problemas – como a pandemia do Coronavírus – ou questões estruturais da formação brasileira como habitação, saneamento, educação, saúde, violência de gênero, dentre outros temas fundamentais para a população.

Destacamos, por último, que essa iniciativa do Ministério Público Federal foi mobilizada por diversos movimentos de pesquisadores, docentes e discentes de Universidades, além de fóruns da educação articulados por parlamentares, os quais tiveram importante papel para acumular força e provocar o MPF a se posicionar. Ademais, há muitas iniciativas em paralelo, seja na Câmara dos Deputados, seja nas Universidades, que não podem parar! Ao contrário, incentivamos que nossa campanha se massifique e que, uma vez derrotada a portaria nº 34, possamos retomar nossas lutas históricas!

Portanto, convocamos todos os pós-graduando e pós-graduandas a mobilizarem-se junto das suas APG’s e instituições para que possamos fazer uma frente sólida de estudantes organizados. Neste momento, mesmo que não possamos sair das nossas casas, precisamos manter-nos unidos e mobilizados para conseguir pressionar o governo a recuar nesta portaria que é mais um passo do projeto nefasta de desmonte da pesquisa brasileira.