Novo modelo de distribuição de bolsas da Capes aprofunda desigualdades regionais

Atualizada em 16 de julho de 2020

 

Nesta segunda matéria produzida pela ANPG sobre o detalhamento da distribuição de bolsas de estudos da Capes (acompanhe a primeira parte aqui), fica demonstrado que o novo modelo, previsto pela Portaria 34, tende a acarretar uma maior concentração da pesquisa científica, agravando ainda mais as assimetrias regionais do país. 

Embora não tenham acontecido cortes no número geral de benefícios nesse primeiro momento, o novo modelo provocou expressiva perda para os pós-graduandos das regiões Nordeste e Sul, em proveito de uma concentração ainda maior no Sudeste.

Antes da Portaria 34, a região Nordeste detinha 7.595 bolsas de mestrado (7.031 vinculadas aos programas e 564 empréstimo) e 7.791 de doutorado (7.585 programa/206 empréstimo), totalizando 15.386 estudantes. Sob os efeitos dos novos critérios, que reduzem as concessões particularmente de programas 3, 4 e 5, o Nordeste passou a contar com 14.266 bolsas, na soma de mestrado (7.682) e doutorado (6.584), uma redução de 1.120 benefícios, aí já incluídas as que migraram de programas para empréstimo (mais detalhes no gráfico I).

 

Gráfico I. Quantidade de bolsas de estudos concedidas pela CAPES antes e depois da portaria 34, distribuídas por mestrado e doutorado entre as regiões do país. 

Legenda: Antes = Efeitos das portarias 18, 19 e 20; Depois = Efeitos da portaria 34; Empréstimo = Bolsas empréstimos; Programa = Bolsas por cota de programas e pro-reitoria. Fonte: Planilha CAPES disponibilizada no processo Inquérito Civil nº 1.29.000.001595/2019-65 da Justiça Federal do Rio Grande do Sul.

 

Cássio Borges, pós-graduando da Universidade Federal do Piauí e vice Nordeste da ANPG, considera que historicamente a região esteve excluída do acesso a bons cursos de pós-graduação strictu sensu, o que torna mais injusto o corte de bolsas nos programas 3, 4 e 5. “Se pegarmos o caso da UFPI, até 2013, só tínhamos 10 cursos de mestrado e 4 de doutorado. Hoje, temos mais de 50 mestrados e 20 doutorados, que, a cada nova avaliação quadrienal da Capes, vêm obtendo melhores resultados. Porém, até que esses programas possam ser conceituados com excelência é necessária produção acadêmica, o que só será possível se as condições materiais forem ofertadas. Cortar as bolsas de programas com conceitos 3, 4 e 5 é um golpe de morte para a pós-graduação do Nordeste”, afirma.

Movimento similar pode ser observado na região Sul do país, o que redundou em perda geral de 782 bolsas, refluindo dos anteriores 20.217 para os atuais 19.435. Com efeito, nas denúncias recebidas pela Ouvidoria da ANPG quando 6 mil bolsas foram desligadas por erro no sistema da Capes, o maior número de queixas individuais veio de estudantes da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Mas há uma diferença no padrão de cortes entre as regiões: no Nordeste, a redução impacta fortemente o doutorado, que decaiu de 7.791 bolsas para 6.584; enquanto no Sul, o prejuízo se concentrou no mestrado, que refluiu de 10.636 para 9.417, ao passo que os doutorandos ganharam 437 bolsas (9.581 antes e 10.018 após a Portaria 34).

As regiões Norte e Centro-Oeste ficaram praticamente estáveis, com 3.323 (acréscimo de 55) e 5.771 (acréscimo de 234) bolsas, respectivamente. Em compensação, o grande beneficiário do novo modelo de concessão é o Sudeste, o que revela o caráter concentrador dos critérios da Portaria 34.

Os estados da região mais rica e desenvolvida do país, que somados detinham 38.015 bolsas de mestrado e doutorado, agora chegam a 41.122 bolsas, um acréscimo de 836 nos mestrados e 2.371 nos doutorados.

Para Flávia Calé, presidenta da ANPG, o olhar acurado nesse fluxo de distribuição das bolsas mostra uma tendência preocupante, que prejudica o desenvolvimento de regiões do país. “O estudo que a ANPG fez mostra um viés concentrador e, portanto, elitista da formação das novas gerações de pós-graduandos, o que tenderá a agravar as assimetrias regiões na produção científica”, aponta. 

A dirigente da ANPG considera que elaborar propostas para equalizar esses desníveis regionais é um desafio do movimento de pós-graduandos. “É preciso pensar em novas saídas para enfrentar esse problema, porque repercute objetivamente em concentração de riqueza e expansão de pobreza. Não se constrói um projeto nacional de desenvolvimento ignorando e agravando as diferenças históricas na formação econômica e social do país”, finaliza Calé.

Essas discrepâncias ficam claras quando são observados os dados da distribuição dos programas de pós-graduação entre as regiões do país (Tabela 1), pois ainda refletem os históricos e massivos investimentos nas universidades e na pós-graduação no eixo centro-sul, desde o surgimento da primeira universidade brasileira até o primeiro programa de pós, cerca de 50 anos depois. E, embora se tenha avançado ao longo dos primeiros quinze anos deste século, com a descentralização de investimentos que permitiu uma gradual diminuição das desigualdades regionais na pós-graduação, ainda há muito para caminhar. 

Cabe destacar que até os anos 2000, cinco estados da região Norte não possuíam nenhum programa. Em 2005, o Amapá foi o último estado brasileiro a ter um programa de pós, conceito 3, e até hoje, essa região, que deveria despontar pela alta riqueza mineral, natural e social, ainda não possui nenhum programa nível 7, um reflexo do histórico de concentração de investimentos.

Tabela 1. Quantitativo de programas de pós-graduação por região brasileiras e seus respectivos conceitos. 

Fonte: GeoCapes 2018

 

SAIBA MAIS: Essa é a segunda matéria de uma série que a ANPG publicará com base nos dados de destinação de bolsas divulgados pela Capes. Acompanhe no site.

 

Uma matéria de Fernando Borgonovi