Plenária Final: Defender a educação e a ciência para o desenvolvimento do Brasil

A plenária final do 27º Congresso da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) foi aberta, na manhã deste sábado, com o debate “Desafios e perspectivas da educação e da ciência no Brasil”, tendo como participantes o presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luís Davidovich; Marcus Vinicius David, reitor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF); Ana Lúcia Gazzola, professora e ex-reitora da Universidade Federal de Minas Gerais; Ana Estela Haddad, professora da Pós-Graduação em Ciências Odontológicas da USP; Rogério Correia, deputado federal pelo PT-MG, Alice Portugal, deputada federal pelo PCdoB-BA; e Raquel Melo, mestranda da USP. Dirigiram a mesa a presidenta e a vice-presidenta da ANPG, Flávia Calé e Manuelle Matias, respectivamente.

O reitor Marcus Vinicius David, que também representou o Andifes, do qual é vice-presidente, iniciou sua reflexão abordando os riscos de ampliação das desigualdades na aprendizagem, em virtude das disparidades de acesso à conexão de internet. “A crise da pandemia trouxe um desafio para a educação que é como vamos lidar com as perdas que nós tivemos por conta da interrupção e modificação das estratégias das atividades educacionais em nosso país.”

Em sua avaliação, um dos efeitos da pandemia foi alargar assimetrias entre o sistema público e o particular. “Claramente, quando olhamos a educação básica, tivemos uma interrupção drástica de oferta na educação pública, ao mesmo tempo em que o ensino privado conseguiu manter algum nível de atividade usando tecnologias remotas”, exemplificou.

Ele diz que a Andifes procurou as entidades de gestores de secretarias estaduais e municipais de educação, cumprindo um papel que lamentavelmente o Ministério da Educação se omitiu em exercer. “Estamos lidando com uma perda educacional que precisaremos lidar no futuro imediato”.

A professora da UFMG Ana Lúcia Gazzola, ex-presidenta do Andifes, disse que o advento do isolamento social, necessário à contenção da Covid-19, impôs e acelerou processos que até então vinham sendo implantados com vagar, o que traz novos desafios para as universidades. “A vida nos está testando e valores da educação para o século 21, que discutíamos, mas implementávamos em marcha lenta, como adaptabilidade, criatividade, resposta a problemas, trabalho em rede e liderança entraram na ordem do dia como necessários à nossa sobrevivência, não apenas como instituição universitária, mas também como sociedade”, avaliou.

Gazzola alertou para um impasse que se coloca no mundo pós-pandemia: a luta entre os que veem a necessidade de avanço como sociedade ou os que desejam reforçar as iniquidades. “É fundamental que trabalhemos para que o suposto mundo novo se construa na direção que nos pareça correta, e disso não estou segura. Quero acreditar, mas temo que o mundo não reforce os acertos, mas insista em erros que nos afastem de nossa humanidade.”, disse.

Nesse contexto, ela exalta como fundamental o papel das instituições de ensino e dos estudantes para evitar que o pior cenário se concretize. “Mas temos de ter esperança, lutar por ela. E nessa luta, a voz das universidades públicas deve ser um de nossos principais instrumentos para liderar o debate. A voz dos estudantes talvez seja a mais imprescindível, pois sem vocês não há resistência ao arbítrio”.

A professora criticou duramente o governo federal que, em sua opinião, empreende um retrocesso civilizatório no país. “Presenciamos ataques sistemáticos à democracia e à independência entre os poderes. Desunião e confronto entre os poderes da República por parte do executivo, falta de respeito a direitos fundamentais, violências de toda ordem praticadas pelo Estado, ausência de empatia em relação às perdas humanas”, disse.
Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências, lamentou chegar à segunda década do século 21 tendo que voltar a questões superadas há séculos pela ciência e a defender as técnicas que deveriam ser usadas para beneficiar o país. “Eu nunca pensei que agora, em 2020, teria que afirmar que a Terra não é plana, é redonda; que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, ao propagar os incêndios que acontecem na Amazônia, não faz mais nada que difundir dados que são acessíveis universalmente. O que estamos vendo em relação ao INPE é a velha história de matar o carteiro porque a notícia é ruim”, ironizou.

O palestrante alertou para as ameaças que pairam não apenas o INPE, mas outras instituições públicas de planejamento e pesquisa que servem ao Estado. Na sua visão, lideranças de viés autocrático querem impor suas convicções sobre as evidências científicas. “Estamos diante do desafio de proteger instituições públicas como as universidades, o INPE e outras que estão ameaçadas pela inteligência que trazem, porque a inteligência costuma ser uma ameaça a governos autoritários e truculentos”.

Davidovich traçou um paralelo entre o que houve no mundo após a 2ª guerra e o que se espera do pós-pandemia. No Brasil, por exemplo, foi um momento de valorização da ciência, quando foram criados o CNPq e a Capes. O físico valorizou conquistas das universidades brasileiras em seu tempo relativamente curto de existência, como a separação de isótopos do urânio e a descoberta do pré-sal, energia de biomassa, dentre outras.

Apontando as insuficiências que ainda existem em nosso sistema nacional de C&T, o presidente da ABC falou sobre o baixo número de pesquisadores, critério em que o Brasil perde para outras nações em desenvolvimento. “O número de pesquisadores por milhão de habitantes no Brasil é cerca de 700. A Argentina nos ganhou nessa: eles têm 1.100 por milhão de habitantes, 50% a mais”.

O professor desmontou o argumentou de que o Brasil gasta muito com educação em relação a outros países, como alguns economistas liberais afirmam. “Em 2016, o Brasil gastou cerca de U$ 3800 por aluno do ensino fundamental (a média da OCDE é U$ 8600); U$ 3700 por aluno do ensino médio (média OCDE: U$ 10200) e U$4100 por aluno do ensino médio e ´[os-ensino médio não superior (média da OCDE: US10000)”, apresentou em slide.

Rogério Correa, deputado federal mineiro, caracterizou o governo Bolsonaro como de ultradireita e obscurantista, que não apenas nega como trabalha contra a ciência. “O presidente transformou a pandemia no Brasil em um genocídio. Já passamos de 130 mil mortos, vamos passar 150 e, nesse ritmo, chegaremos a 200 mil mortos. Isso acontece principalmente pela negação da ciência”.

O deputado fez coro com outros participantes na revolta contra a intervenção em universidades federais e as tentativas de calar o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional. Mas também caracterizou o governo como ultraliberal e, dessa forma, defendeu a luta para recompor o orçamento da Educação no próximo ano e aprovar leis que garantam o não contingenciamento dos recursos para as universidades, como forma de limitar o poder de retaliação do bolsonarismo.

Lembrando o “tsunami” da educação, Correa enalteceu a resistência popular contra os desmandos do governo, que conseguiu impedir o avanço de certas pautas e até vitórias pontuais. “É importante ressaltar as vitórias que tivemos ao inviabilizar que eles conseguissem destruir as universidades e IFES. E temos outras vitórias, como o Fundeb. Aprovamos o Fundeb com muita pressão popular. Isso acena com a possibilidade de obter vitórias mesmo nesse momento”.

A deputada federal baiana Alice Portugal ressaltou o papel desempenhado pelos pós-graduandos que têm atuado na linha de frente do combate à pandemia de Covid-19. “Não há dúvida de que nos laboratórios deste país, muitas vezes sem bolsa, com bolsas suspensas, estão os pós-graduandos brasileiros a enfrentar a pandemia, a dar lições de solidariedade, a produzir álcool gel e outros EPIs nas universidades brasileiras, contraditando a opinião atrasada e incorreta de setores do governo”, disse.

Alice também destacou a importância da organização e mobilização dos pós-graduandos através da ANPG, que foi voz ativa em todos os grandes debates educacionais dos últimos anos, seja nos avanços produzidos pelos governos de centro-esquerda, como a destinação de 10% do PIB e de recursos do pré-sal para a área, seja agora, na resistência contra os ataques da ultradireita.

Ana Estela Haddad, professora da USP, também fez referência ao papel das mobilizações estudantis contra o governo. “Vocês que foram às ruas para questionar esse estado de coisas, de negação de tudo, negação da política, da saúde, da educação, da ciência e tecnologia… tudo está em risco, tudo está sendo destruído.”

Ela lembrou as políticas do ciclo progressista que quadruplicou os recursos da Educação e multiplicou o número de estudantes no ensino superior. Afirmou que nessa área as políticas se relacionam e influenciam, desde o ciclo básico até a pós-graduação, de forma sistêmica. Fez ainda referência à importância de defender o setor público dos ataques do atual governo. “Nesse período de crise sanitária, a resposta maior veio das universidades, veio das instituições públicas.”

A mestranda da USP Raquel Melo afirmou que a síntese que o 27º Congresso da ANPG traz é um chamado à unidade dos estudantes para resistir ao desmonte das instituições e políticas públicas pelo projeto neoliberal. “Precisamos de unidade para revogar a Portaria 34 da Capes, para derrubar a PEC do teto de gastos, para derrotar Bolsonaro e Mourão e seu projeto”, afirmou. “Por isso é tão importante a gente ver uma ANPG cada vez mais democrática, com mais forças políticas da esquerda conseguindo conversar, conseguindo construir e avançar com a entidade”, finalizou.

Raquel também falou sobre a necessidade de democratizar cada vez mais a universidade e apresentar o projeto dos pós-graduandos para a educação e a ciência. “Cada um precisa sair daqui para organizar sua APG, organizar os pós-graduandos, porque nós precisamos resistir, mas também precisamos avançar!”