A promessa mais palpável das células-tronco começa a sair do papel. Pesquisadores nos EUA conseguiram usar versões reprogramadas dessas células para simular, em laboratório, uma moléstia devastadora do sistema nervoso. De quebra, usaram isso para testar remédios contra ela.
O ponto crucial é que as células foram obtidas de crianças e adolescentes com a doença. Por isso, são geneticamente idênticas aos neurônios dos doentes e permitem estudar o problema com grande precisão.
Lorenz Studer e seus colegas do Instituto Sloan-Kettering, em Nova York, relatam os resultados em artigo na revista científica "Nature" desta semana. A moléstia estudada é a disautonomia familiar, que atinge famílias de origem judaica.
Por causa de uma troca numa "letra" química de DNA, os portadores sofrem degeneração dos neurônios sensoriais (tendo problemas na percepção da dor ou no paladar) e autônomos (que controlam a respiração e a digestão). Poucos chegam aos 30 anos de idade.
Reprogramação celular
É muito difícil estudar a evolução da doença, conta Studer. "As pessoas tentavam fazer isso com camundongos, mas os bichos morriam cedo demais." Contudo, a história seria outra se fosse possível enxergar a progressão do sistema nervoso dos próprios doentes. Entra a cena a reprogramação celular.
Adicionando certos genes a uma célula da pele, por exemplo, dá para fazer com que ela "pense" ser uma célula-tronco embrionária -capaz, portanto, de assumir o papel de qualquer tecido do corpo. Ela se transforma numa célula iPS, conhecida como célula-tronco "ética", porque não envolve destruição de embrião.
Usando outras substâncias, é possível transformar essa célula em num neurônio (veja quadro). Tal neurônio terá a mesma carga genética do paciente e, espera-se, vai se comportar de forma muito parecida com os neurônios naturais.
E é o que os dados obtidos indicam. O estudo verificou que os neurônios assim produzidos não conseguem assumir sua função correta no sistema nervoso, o que explicaria os sintomas dos pacientes.
Stevens Rehen, biólogo da UFRJ, aponta outro detalhe. "Eles mostraram que os neurônios obtidos também têm dificuldade de migrar de um lugar para outro", conta. Isso impediria que as células assumissem sua posição correta.
Testes abrem possibilidades
Rehen também ressalta o fato de que os pesquisadores usaram as células para testar drogas contra a doença. Um exemplo é a cinetina, um hormônio vegetal que se mostrou capaz de impedir a produção da proteína doente codificada pelo gene alterado dos pacientes. "Para testar medicamentos, a resposta desse tipo de modelo será bem melhor do que o que vemos em camundongos nocauteados", diz Studer.
Alguns especialistas apontam até que esse será o principal e talvez o único uso biomédico das células-tronco no futuro próximo, porque ainda é difícil controlar a especialização delas. Transplantá-las em pessoas ainda envolve incertezas, como o risco de tumores. "Creio que há certo grau de verdade nessa visão", diz Studer. "Em doenças como o mal de Alzheimer, na qual há danos extensos em várias áreas do cérebro, esse tipo de transplante seria mesmo inútil."
Fonte: Reinaldo José Lopes, Folha de S. Paulo – 20.08.09