Por meio de projetos pedagógicos inovadores, que consideram as vocações e demandas locais, as quatro universidades federais a serem implementadas em 2010 buscam promover a integração dentro e fora do país
Daniela Oliveira e Vinicius Neder escrevem para o "Jornal da Ciência":
Em 2010, o Brasil terá quatro novas universidades federais – duas no Sul, uma no Nordeste e outra no Norte – cujas propostas apontam como prioridades a integração entre regiões, dentro e fora do país, a inovação nas propostas pedagógicas e o foco nas vocações e demandas locais. O projeto de criação de uma delas, a Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), foi sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na última terça-feira, dia 15.
Primeira das quatro novas instituições a ter o projeto de lei de criação aprovado pelo Congresso Nacional, a Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) será composta por cinco campi, localizados nos municípios de Chapecó, em Santa Catarina, Realeza e Laranjeiras do Sul, no Paraná, e Erechim e Cerro Largo, no Rio Grande do Sul – todos próximos à fronteira com a Argentina.
Segundo Dilvo Ristoff, presidente da Comissão de Implantação da UFFS, a escolha pela fronteira Sul tem como um dos objetivos combater a "litoralização" da população. "Queremos segurar os jovens na região. Quando chega a época do vestibular eles saem, e muitos nunca mais voltam", observa.
Para reverter esse processo de êxodo, a UFFS pretende não apenas oferecer educação superior de qualidade, mas também promover o desenvolvimento regional integrado, que garanta a permanência dos estudantes graduados na universidade. Para isso, os cursos de graduação e as atividades de pesquisa e extensão da UFFS vão explorar as necessidades da região.
Ristoff cita, como exemplo, a presença de uma bacia leiteira muito forte e que pode se beneficiar com os conhecimentos gerados na instituição. Assim, entre os 19 cursos de graduação oferecidos neste primeiro ano estão Medicina Veterinária, Agronomia, com ênfase em Agroecologia, e Desenvolvimento Rural e Gestão Agroindustrial.
Amazônia
Da mesma forma, a Universidade Federal da Integração da Amazônia (Uniam) – que será criada a partir dos campi da Universidade Federal do Pará (UFPA) e da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) em Santarém (PA) – foi buscar nas vocações locais a motivação para implementação das novas graduações. Ao lado dos nove cursos já em andamento (oito da UFPA e um da Ufra), com cerca de dois mil alunos matriculados, entrarão em funcionamento cinco institutos, nas seguintes áreas: C&T das Águas, Biodiversidade de Florestas, Geociências e Engenharias, Ciências da Sociedade e Ciências da Educação.
Idealizada originalmente como Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), a Uniam tem como missão principal atender à população daquela região paraense. Mas a posição estratégica do município de Santarém, localizado no meio do caminho entre Belém e Manaus, e o interesse pela integração regional faz com que a instituição amplie sua área de abrangência.
"Vamos abrir a possibilidade de atrair estudantes de toda a região. E não só da Amazônia brasileira. Queremos desenvolver um programa de cooperação com a Pan-Amazônia, inicialmente em pesquisa e pós-graduação. Mas estaremos atentos também à possibilidade de aceitar alunos, em nível de graduação, dos países vizinhos. Queremos nos tornar, de fato, uma universidade de integração amazônica", afirma José Seixas Lourenço, coordenador da Comissão de Implantação da Uniam.
A dimensão internacional do ensino superior brasileiro será ampliada com a criação de outras duas instituições.
Situada em Foz do Iguaçu (PR), na Tríplice Fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai, a Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila) propõe um projeto pedagógico inovador e ousado. Os cursos de graduação serão divididos em quatro campos temáticos – Espaço Interterritorial e Sociedade; Interculturalidade e Comunicação; Natureza e Vida; Educação e Saúde Pública. Não haverá cursos de graduação convencionais; serão todos interdisciplinares, em áreas não oferecidas tradicionalmente e que deem formação inovadora.
"Não vamos dar curso nem de Engenharia, nem de Direito, nem de Medicina, mas vamos ensinar as três disciplinas", explica Hélgio Trindade, presidente da Comissão de Implantação da Unila. Em vez do curso de Engenharia com suas habilitações – Civil, Mecânica, de Produção etc. -, haverá um curso de Engenharia de Macroinfraestruturas. A formação de Medicina estará no curso de Saúde Coletiva e Preventiva e o curso de História terá foco específico na questão dos direitos humanos.
Também inovador é o projeto da Universidade Federal da Integração Luso-Afro-Brasileira (Unilab), a ser instalada no município de Redenção, no Ceará, primeira cidade brasileira a libertar seus escravos. A instituição oferecerá, inicialmente, cursos nas áreas da saúde (Enfermagem), ciências agrárias (Agronomia), gestão (Administração Pública e Privada), formação docente (Licenciatura em Ciências da Natureza e Matemática) e energia (Engenharia em Energia).
Metade das vagas na instituição será oferecida para estudantes de países de língua portuguesa, especialmente os africanos. A outra metade deverá atender à região do Maciço do Baturité, composta por 13 municípios sem atendimento de ensino superior público ou privado. "Trata-se de uma região com potencial econômico e cultural muito grande, e estamos trabalhando com o governo do Ceará a implementação de um programa de desenvolvimento regional para esta área. Creio que a universidade terá uma repercussão muito grande", afirma Paulo Speller, coordenador da Comissão de Implantação da Unilab.
Semelhanças
Consideradas as especificidades, as novas federais terão outros pontos de aproximação. Um deles é a estrutura da formação em ciclos, com a adoção de um tronco comum de disciplinas nos períodos iniciais. Outro aspecto compartilhado pelas instituições é a preocupação com a formação de professores – as quatro oferecerão também licenciaturas, em diferentes áreas.
No total, as novas universidades pretendem receber, já no próximo ano, quase cinco mil alunos, a serem selecionados pelo novo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). No caso da Unila e da Unilab, haverá reserva de 50% das vagas para estudantes de fora do país. Eles prestarão o exame, com provas adaptadas à realidade de seus países de origem e, para os candidatos à Unila, traduzidas para o espanhol.
O quadro de docentes e técnicos-administrativos necessário para atender aos novos graduandos será composto por meio de concursos públicos, previstos para acontecer ainda este ano. A Uniam, no entanto, já conta com os recursos humanos dos campi da UFPA e da Ufra em Santarém, que reúnem atualmente cerca de 80 professores e 70 técnicos-administrativos. A nova universidade paraense poderá aproveitar também a infraestrutura física de suas antecessoras, o que não acontece com Unila, UFFS e Unilab.
De acordo com a previsão das comissões de implantação, as quatro universidades necessitarão cerca de R$ 1 bilhão para sua plena instalação. O projeto de lei orçamentária para 2010, enviado pelo Executivo ao Congresso Nacional, prevê R$ 46,33 milhões para a implantação da UFFS; R$ 27,2 milhões para a Unilab; R$ 22,9 milhões para a Unila; e R$ 5,85 milhões para a Uniam.
Unila já conta com Instituto de Estudos Avançados
O caráter inovador do projeto da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila) vai além da proposta pedagógica, chegando a seu formato de implantação. Com a inauguração, em 20 de agosto, do Instituto Mercosul de Estudos Avançados (Imea), as atividades já começaram: ao longo deste semestre, 10 cátedras serão oferecidas e valerão créditos para pós-graduação.
A primeira cátedra inaugurada foi "Ciência, Tecnologia, Inovação e Inclusão Social", com Amilcar Herrera (Argentina) como patrono. Fundada pela venezuelana Hebe Vessuri, ela foi ministrada entre 31 de agosto e 5 de setembro. As nove outras cátedras funcionarão em sete blocos sucessivos, até dezembro – veja a programação em www.unila.ufpr.br
Entre os patronos, estão nomes como Celso Furtado, Crodowaldo Pavan e Juan José Giambiagi. Os seminários terão a duração de uma semana e os alunos de pós-graduação terão direito a créditos acadêmicos reconhecidos em seus currículos, por diploma expedido pela UFPR.
Hélgio Trindade, presidente da Comissão de Implantação da Unila, destaca o pioneirismo de dar os primeiros passos da instituição no âmbito do Imea, com atividades de pós-graduação. "Nenhuma universidade federal começou tendo como unidade precursora um instituto de estudos avançados", lembra.
A atuação do instituto permitirá a integração entre graduação, pós e pesquisa, uma das inovações do projeto pedagógico. "Cada catedrático, além dos seminários sobre as áreas em que são especialistas, vai propor a forma de organizar o ensino de graduação e de pós-graduação e, ao mesmo tempo, as linhas de pesquisa prioritárias para atingir esse benefício", diz Trindade.
Para o presidente da CI-Unila, o funcionamento do Imea garante o caráter internacional da construção da nova universidade. O instituto foi inaugurado já com um Conselho Consultivo (Consultim), formado por 25 membros de 15 países latino-americanos. Trindade lembra de outro detalhe para mostrar que a integração latino-americana já começou na prática: as atividades do Imea são transmitidas, ao vivo, no site da Unila.
Nota da redação: Esta matéria foi publicada originalmente no "Jornal da Ciência", que tem conteúdo exclusivo. Informações sobre como assinar a edição impressa pelo fone (21) 2295-6198 ou e-mail [email protected]