Por Antônio Arapiraca*
Como de costume, causou bastante furor na mídia internacional o anúncio dos laureados com o prêmio Nobel de 2010. Na Física, os ganhadores foram André Geim e Konstantin Novoselov, da Universidade de Manchester, na Inglaterra. Eles coordenam uma pesquisa com um novo tipo de material chamado grafeno – uma forma de carbono muito fina – que pode substituir o silício no processo de fabricação de chips de computadores. O grafeno chega a ser cerca de 200 vezes mais forte do que o aço estrutural e tem excelente comportamento como condutor.
Acredito que este seja um momento para debater a questão da ciência, da tecnologia e da inovação no mundo. Em se tratando do Brasil, parece que a forma em que vem sendo discutido o processo eleitoral tem abafado qualquer outro debate. Um rápido olhar na mídia mostra que a pauta sobre o Nobel no país não vem tendo a mesma relevância dada pela mídia internacional.
A concessão de um Nobel seria um ótimo momento para explorar nos meios de comunicação os extraordinários avanços que o país obteve na seara científica e tecnológica nas últimas décadas. Hoje, o Brasil conta com uma ciência em franca ascensão e a produz num nível comparável ao dos grandes centros científicos do mundo. E no tema do qual trata o Nobel 2010 o país já tem especialistas em grande quantidade.
Nova fonte de radiação foi pouco divulgada
Um bom exemplo disto é o do físico Daniel Cunha Elias, que realiza pesquisas no laboratório da dupla laureada, em Manchester. Elias publicou entre 2008 e 2009 dois artigos (1,2) sobre suas descobertas experimentais relacionadas ao grafeno em parceria com os ganhadores do Nobel em duas das mais prestigiosas revistas científicas do mundo. Mas, ao contrário do que muitos poderiam pensar, o cientista não é um destes pesquisadores brasileiros que tiveram suas formações no exterior. Ele concluiu em 2009 o doutorado no Departamento de Física da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), orientado pelo professor Elmo Salomão, um experimentado pesquisador brasileiro na área. Ou seja, o cientista teve toda sua formação feita no país, com alguns estágios no exterior e foi nessa fase que começou a colaboração com Geim e Novoselov.
Vale ressaltar que o Departamento de Física da UFMG é um reconhecido centro de excelência internacional na pesquisa em física e engenharia de materiais. Neste departamento existem diversos pesquisadores que dominam as técnicas de produção de dispositivos semicondutores, que servem de base para a construção de chips de computador. Estes chips são a pedra angular da microeletrônica e alteraram de forma marcante o nosso modo de vida.
Podemos citar também o Laboratório Nacional de luz Síncrotron (LNLS), em Campinas/SP, que é um grande acelerador de elétrons que permite que radiação eletromagnética possa fazer investigação da estrutura molecular dos mais diversos tipos de materiais, o que traz o desenvolvimento de novas tecnologias, como por exemplo, fármacos inteligentes que ajudariam com mais eficiência no tratamento de diversas enfermidades. Ainda sobre LNLS, é de causar estranheza que o anúncio da construção de uma nova fonte de radiação, maior e mais potente, tenha sido pouco alardeada. Esta nova fonte síncrotron, com 3 GeV de capacidade energética, é equivalente às fontes Alba (Espanha) e Diamond (Reino Unido), e é superior à fonte Soleil (França), que conta com 2,75 GeV. Não é preciso ser um expert em análise política internacional para perceber que a construção de um equipamento deste tipo consolida o país como potência detentora de uma bem sucedida engenharia de aceleradores. Os esforços empreendidos internacionalmente na construção dessas facilidades para investigações científicas e industriais poderiam ser um indicativo da necessidade de maior atenção da mídia nacional?
Expansão da rede de educação tecnológica
Além disto, o papel destacado do Brasil neste contexto tecnocientífico tem chegado aos editorias das publicações especializadas, como é o caso de editorial de 15 de julho de 2010 da publicação inglesa Nature, intitulado "Brazil’s biotech boom". Neste editoral a Nature analisa a biotecnologia no Brasil e passa em revista os impressionantes avanços conquistados em 10 anos de investimentos massivos nesta área. A Nature deixa subjacente que um país com um dos maiores biomas do mundo tem muito a acrescentar nesse contexto e complementa dando destaque à pesquisa coordenada por instituições brasileiras que levou ao sequenciamento do DNA da Xyllela Fastidiosa que é uma bactéria que acomete plantações de cítricos, como a laranja.
Não se trata aqui de negarmos a importância do papel das eleições como forma de consolidação da democracia no país, mas reafirmar a necessidade de os meios de comunicação com maior visibilidade adotarem uma agenda que promova, a um patamar de destaque, pautas como estas sobre o atual estágio de desenvolvimento nacional, notadamente o verificado na última década. Talvez um pouco mais de espaço para discutir a participação brasileira no cenário científico e tecnológico internacional fosse mais benéfico para a nação. Talvez informar a população que um país que tem microeletrônica, biotecnologia e engenharia de aceleradores, como no caso do LNLS, é um país forte, é um país que se impõe no cenário internacional e que é bem visto nas negociações geopolíticas, se gabaritando a conquistar novos horizontes.
Gostaria de deixar claro que esses foram apenas três exemplos da grande rede tecnocientífica que existe no país hoje. Um exame mais acurado, para além do campo visual do autor deste artigo, vai mostrar que muitos passos, além dos já citados, foram dados na consolidação da hegemonia brasileira no cenário mundial da tecnologia. É evidente que essas são tarefas hercúleas, sobretudo quando falamos no diálogo com a indústria e na formação de quadros para alimentar todo o sistema. Inclusive, uma preocupação recente com a formação de recursos humanos altamente especializados técnica e culturalmente vem justificando a expressiva expansão da rede de educação tecnológica do país.
Mas, informar a população disto tudo, sobretudo a juventude, é crucial, pois é preciso deixar claro que investimentos deste tipo são uma parte do esforço para ajudar o país a ter mais inclusão social.
Fontes: Observatório da Imprensa e Blog pessoal de Antônio Arapiraca
* Antônio F. C. Arapiraca é Professor do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico – CEFET – MG e Douturando em Física pela UFMG.