As ferramentas digitais e pesquisa nas universidades brasileiras, por Heitor Loureiro

carteira de estudante

 

No dia 29 de março o sítio da ANPG publicou a matéria Biblioteca Digital de Teses da USP está entre as 15 maiores do mundo. Através do twitter, o mestrando em História Social pela PUC/SP, Heitor Loureiro, entrou em contato conosco e enviou-nos artigo em que aborda a notícia também sobre outros aspectos.

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Leia abaixo a íntegra do artigo.

*As opiniões aqui reproduzidas são de responsabilidade de seus autores e não representam, necessariamente, a opinião do entidade.

 

 

As ferramentas digitais e pesquisa nas universidades brasileiras

Heitor de Andrade Carvalho Loureiro

Graduado em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF/MG), mestrando em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Bolsista CNPq

 

No dia 29 de março de 2011, a Biblioteca Digital de Teses da Universidade de São Paulo (USP) foi classificada pelo Conselho Superior de Pesquisas Científicas da Espanha como a 14ª maior biblioteca do gênero. A divulgação de tal classificação consolida os avanços que o Brasil tem conseguido nas áreas de educação e pesquisa e a consequente divulgação dos resultados destas na internet.

A Plataforma Lattes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) tem sido modelo a ser seguido por diversos países no mundo. O CNPq vem dando consultoria para congêneres de Portugal e EUA, a fim de implantar sistemas semelhantes nestes países. A ferramenta permite a qualquer pesquisador divulgar as suas pesquisas e trabalhos de forma aberta e transparente, e também conecta acadêmicos que possuem interesses em comum, resultando num maior diálogo entre pares e, consequentemente, uma possibilidade de enriquecimento das pesquisas.

O “Domínio Público”, mantido pelo Ministério da Educação é outro exemplo de uma biblioteca digital, multidisciplinar e gratuita. Unificando teses acadêmicas, literatura, música e imagem que já se encontram em domínio público, a ferramenta é outro mecanismo importante para a difusão de conhecimento e cultura pelo país.

Embora seja notável o nível alcançado pela Biblioteca Digital de Teses da USP e da excelência da Plataforma Lattes, é preciso colocá-lo no contexto atual das universidades brasileiras.

Há pouco mais de um mês, foi divulgado que o Brasil não possui sequer uma única universidade entre as cem melhores do mundo. Na contramão de países que vem ganhando peso no cenário internacional, como China, Rússia, África do Sul, Índia, Coreia do Sul, etc. (alguns com até mais de uma universidade entre as cem primeiras do ranking), o Brasil não conseguiu conciliar o desenvolvimento econômico vivido nos últimos anos com um avanço significativo no âmbito de desenvolvimento tecnológico e pesquisa de alto nível oriunda de instituições de educação.

A Universidade de São Paulo vem traçando uma trajetória de queda no ranking de excelência das universidades no mundo. Nos últimos anos, seus indicadores pioraram vertiginosamente, fruto de anos de investimentos muito aquém do necessário para se manter uma universidade de ponta. No último vestibular de ingresso, cerca de 25% dos estudantes provados não fizeram a matrícula, compondo o cenário de declínio vivido da instituição.

A causa de tamanha desistência, segundo alguns analistas, teria sido os investimentos do governo federal nas suas universidades. O aumento da oferta de vagas nestas instituições, bem como a seleção via ENEM, que permite o estudante escolher para qual universidade irá de acordo com a sua nota e, por fim, ao Prouni, que dá bolsas de estudos nas universidades privadas abriram o leque de possibilidades para diversos estudantes que antes tinham menos opções para cursar uma faculdade. Diante da nova perspectiva, muitos estudantes dizem “não” à universidade que outrora fora motivo de orgulho das elites paulistas.

Então, devemos comemorar o fato da USP ter uma Biblioteca Digital de Teses reconhecida internacionalmente? Com certeza, isso não é pouco. Mas também não é o suficiente. O velho jargão “tamanho não é documento” se aplica muito bem ao caso. Temos que nos questionar acerca do que é produzido e publicado no Brasil nos últimos anos e, principalmente, qual é a qualidade e a relevância de muitos estudos feitos, principalmente no âmbito da pós-graduação, principal lócus de desenvolvimento de pesquisas de ponta.

Em um panorama de cortes no orçamento da União, que inevitavelmente vão afetar a educação, defasagem dos valores de bolsas de estudo da pós-graduação e a queda constante e acentuada dos índices internacionais de qualidade da maior universidade do país, o momento que se apresenta é de lutas por parte de estudantes, professores e outros profissionais da educação. Lutas para manter as boas ferramentas que possuímos, cuja importância é inegável e incomensurável. Contudo, a luta também deve ser deflagrada em um campo mais amplo, para que não sejamos apenas uma espécie de operários mal-qualificados em uma fábrica com ferramentas de última geração, que não sabemos usar da forma mais proveitosa possível para todos.