Insegurança jurídica ainda é grande nos marcos regulatórios em P,D&I

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O novo marco regulatório para incentivar os investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação (P,D&I), como a Lei de Inovação e a Lei do Bem, previram medidas que não se efetivaram ou tiveram uma eficácia limitada por causa da interpretação jurídica muito conservadora feita pelos órgãos de controle. A crítica foi feita pelo advogado Rubes Naves, do escritório RNSJ Advogados Associados, durante a conferência “Marcos Legais e Inseguranças Jurídicas”, apresentada na 63ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), no início deste mês.
 
Para ele, o grande desafio está no nível cultural, em que pesa a desconfiança dos órgãos controladores em relação aos servidores e empresas. “A lei, por si só, não resolve nossas questões, é preciso criar uma cultura efetiva para que as leis tenham impacto”, alertou. Para ele, a leitura enviesada da legislação gera uma proliferação de normas que acabam por provocar um quadro de insegurança na aplicação das mesmas, desestimulando os investimentos e comprometendo a eficácia do sistema como um todo. “As atividades de ciência e tecnologia estão entre as que mais sofrem com a burocracia estatal. Não surpreende o poder público se tornar inepto no financiamento de projetos de pesquisa e inovação”, completou.
 
Naves comentou que é muito comum haver um esforço para tornar leis mais flexíveis, mas na interpretação delas, o país acaba retornando para o nível burocrático que engessa a esfera pública. “Há um esforço legislativo, mas ele esbarra na burocracia de inúmeras agências, cujas ações e normas se sobrepõem muitas vezes”, apontou. Como exemplo, ele citou as autarquias, as fundações públicas e as sociedades de economias mistas. Criadas com o propósito de serem mais flexíveis e ágeis, acabaram enquadradas pelos órgãos de controle e perderam essa flexibilização.
 
Entre os maiores problemas em relação ao marco legal para ciência, tecnologia e inovação (C,T&I) hoje no Brasil, Naves reconheceu três como prementes, tendo em vista os impactos no sistema: o regime jurídico de compras, contratações e parcerias; as leis que regem o acesso a biodiversidade; e a importação de insumos para pesquisa. Esses pontos vão integrar uma proposta a ser enviada para o Congresso Nacional e o governo que está sendo montada por um grupo de trabalho do Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de Ciência e Tecnologia e Inovação e do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Consecti e Confap, respectivamente), iniciativa da qual a SBPC participa. Espera-se para final de agosto a conclusão do texto final da proposta.
 
“O aperfeiçoamento do regime nesses quesitos citados deve figurar no topo da agenda de prioridades. É papel da SBPC, da ABC (Academia Brasileira de Ciências) desenvolver um projeto, pensar em como fazer a articulação para termos novas normas e implementarmos uma nova cultura, a cultura da confiança”, recomendou. O advogado disse que a grande mudança cultural que precisa ser feita deve se encaminhar para a difusão da ideia de que as pessoas trabalham com boa fé, ou seja, da presunção de legitimidade. “Elas não podem trabalhar sob o manto da desconfiança que prevalece nos órgãos de controle”, prosseguiu.

Conforme explicou a presidente da SBPC, Helena Nader, apresentadora dessa conferência, Naves e os advogados de seu escritório estão trabalhando junto com a entidade nas discussões que a SBPC vem fazendo desde a gestão anterior, de Marco Antonio Raupp, a respeito dos problemas relacionados ao marco legal.

Naves explicou que, em termos de parcerias, contratações e compras, o grande problema para institutos e universidades públicos, onde estão concentradas as atividades de pesquisa no Brasil, é a obrigação de seguir a lei 8.666/1993, conhecida como Lei das Licitações nas compras. “Alguns dos critérios genéricos estabelecidos pela lei são incompatíveis com o processo de desenvolvimento científico e tecnológico. Os gestores precisam de autonomia científica, administrativa e de gestão financeira”, prosseguiu.

Outro problema são os prazos e valores fixos nos contratos, exigência não compatível com projetos científicos. “A ciência é muito dinâmica, é uma atividade que demanda regras flexíveis, não podemos fixar previamente prazos e valores, sob pena de tornar o projeto inexequível”, apontou. Ele também comentou que o foco nos procedimentos, e não nos resultados, é outro grande obstáculo colocado pelos órgãos de controle.
 
Sobre o acesso à biodiversidade, a regulamentação do acesso foi classificada por Naves como um desafio urgente. “A legislação é incompatível com a aceleração de produção de conhecimento necessária para que possamos conhecer e explorar e preservar nossa biodiversidade”, destacou. Para ele, a associação de atividades de pesquisa com o crime ambiental revela a incompreensão dos órgãos reguladores na aplicação das normas. No que tange aos obstáculos para importações, ele disse que é fundamental promover mudanças nas regras porque parte da infraestrutura  necessária para as atividades de C,T&I ainda é feita no exterior.
 
Por fim, o advogado alertou para o fenômeno da judicialização da política. Ele citou como exemplo que ilustra esse fenômeno uma ação civil pública de um órgão do Judiciário, o Ministério Público, contra um representante do Poder Executivo, no caso, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, que não teria assegurado número de vagas suficientes para as crianças nas creches da cidade. “Esse fenômeno da judicialização da política é mundial, e já chegou à área de C&T, inclusive no Brasil. Não dá mais para ignorar essa variável”, concluiu.

Fonte: SBPC