José Gomes Temporão é ex-ministro da Saúde e Reinaldo Guimarães foi secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde. Artigo publicado no jornal O Globo de 27 de janeiro deste ano.
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São intensas e crescentes as relações entre a saúde e a economia. Representando no Brasil cerca de 9% do PIB e empregando 4,5% da força de trabalho, o setor incorpora um poderoso complexo econômico de indústrias e serviços de saúde. Disso decorre que a questão central da política pública de saúde, que é a ampliação do acesso da população a bens e serviços de qualidade, está crescentemente matizada por condicionantes postos pelo complexo econômico-industrial da saúde. E como consequência de decisões políticas, na última década, pesquisa, desenvolvimento, inovação e política industrial vêm se tornando temas importantes dessa política pública.
A política industrial brasileira recente é uma política transversal formulada sob a liderança do Ministério do Desenvolvimento, em particular através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Mais recentemente, com o aumento da musculatura da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação tem também ocupado posição de liderança nessa matéria. Mas um dos aspectos relevantes dessas políticas é a presença crescente do setor de saúde como segmento industrial prioritário e a presença do Ministério da Saúde como ator central no seu gerenciamento.
A atuação do Ministério da Saúde no campo do fomento industrial direto é muito limitada, restringindo-se à pequena, embora importante, rede de laboratórios oficiais produtores de medicamentos. Mas, por outro lado, em quatro outros aspectos da política industrial – que são mecanismos indiretos de fomento industrial -, o ministério vem tendo atuação crescente. São eles: as articulações com o BNDES e a Finep no sentido de estabelecer o rol de produtos prioritários para o sistema público de saúde e que serão objeto de fomento prioritário pelas duas agências; esforços no sentido do deslocamento da política de propriedade intelectual em direção ao interesse público; o estabelecimento de parcerias entre indústrias privadas e laboratórios oficiais para a produção de medicamentos e vacinas prioritários para o SUS; utilização do poder de compra de produtos industriais pelo SUS (hoje, em torno de R$12 bilhões/ano) como ferramenta de fomento industrial indireto.
Temos uma situação nova no Brasil e no mundo. Por aqui, há uma indústria farmacêutica que se reorganiza em bases muito mais sólidas do que jamais tivemos. Hoje, ela já é grande produtora de genéricos (80% do mercado fabricado no País) e dando seus primeiros passos em direção a produtos inovadores. No terreno dos equipamentos médico-odontológicos, as indústrias de capital nacional estão ainda numa situação de relativa fragilidade, mas grandes empresas multinacionais do complexo eletroeletrônico estão para fazer investimentos produtivos no País.
No mundo, a luta por consumidores é feroz e especialmente o mercado brasileiro vem sendo disputado agressivamente, para venda de produtos que vão desde automóveis a frangos e suínos, passando por eletroeletrônicos. Na área da saúde, o nosso mercado público oferece espaço de compras centralizadas em escalas imensas, e isso tem feito a alegria dos importadores. Por que não estimular a produção nacional?
O déficit da balança comercial setorial da saúde passou de US$11 bilhões em 2011. É legítimo se perguntar: mas qual o problema se a balança comercial é, no agregado, superavitária? Dois pontos importantes: a velocidade do crescimento do déficit – em 2005, não passava de US$3 bilhões. Talvez a meta não seja ser superavitário no setor, mas reverter uma taxa de crescimento do déficit que é avassaladora; trata-se de um setor estratégico, inclusive no conceito militar – na Guerra das Malvinas nossos vizinhos ficaram sem insulina, por dificuldades na importação e falta de produção local.
A visão de que a política pública de saúde deve andar de mãos dadas com as políticas de desenvolvimento e de inovação faz bem à saúde da população e do País.