Por Leandro Peña-Salvático*
Nos últimos anos, o Movimento Estudantil e o Movimento Negro brasileiro conquistaram importantes vitórias na Luta por Reparações Históricas do Povo Negro, que foram a aprovação da Lei 12.711/2012, que estabelece o Sistema de Cotas Raciais com Recorte Social para 50% dos ingressantes em cursos de graduação nas Universidades Federais; e a da Lei nº 12.990/2014, que estabeleceu uma cota de 20% das vagas em concursos públicos federais fossem destinadas à pessoas negras.
À estas conquistas seguiram-se outras a níveis estaduais e municipais, como a aprovação de Cotas Raciais com Recorte Social na UNESP (à contragosto do Governador Alckmin que propôs a criação de uma “Universidade Virtual” para estudantes de escola pública) e as Cotas em concursos da Prefeitura de São Paulo, lei sancionada por Haddad em 2014.
Existem iniciativas para adoção de Cotas na Pós-Graduação em programas específicos, mas não possuímos um projeto sistematizado que busque reverter o cenário de exclusão neste segmento das universidades brasileiras, onde uma fração ínfima de pós-graduandos e professores são negros.
Reverter este cenário de quase-ausência de negros na Pós-Graduação, dando aulas e ocupando cargos de liderança nas universidades se apresenta atualmente como uma tarefa urgente e necessária para avançarmos na luta por reparações históricas e justiça social no Brasil.
Inúmeras pesquisas demonstraram um aumento significativo no ingresso de negros nas universidades e em cargos públicos sem que houvesse nenhuma perda em qualidade do ensino e produtividade. Alguns autores, inclusive, apontaram para o fato de que o Sistema de Cotas aumentou a eficiência do investimento público pois a evasão dos estudantes cotistas é menor, consequentemente, diminuiu-se o “custo total / estudante graduado” nas universidades que adotaram o sistema de cotas raciais.
Apesar dos excelentes resultados, o sucesso dos Sistemas de Cotas adotados não podem ser medidos somente pelo incremento na eficiência financeira e na produtividade acadêmica das universidades, pois temos de adicionar a estes indicadores o fato de que esta ferramenta contribui para reverter a exclusão étnica-racial presente na sociedade e que se intensifica nas universidades brasileiras, onde somente as classes sociais com alto poder aquisitivo estiveram historicamente presentes.
Tomemos a USP como exemplo, a maior universidade pública brasileira (em números de estudantes e orçamento) possui uma média de 10-12% de ingressantes negros em seus cursos de graduação, número extremamente baixo considerando que os negros compõem 51% da sociedade brasileira e 35% da população residente no Estado de SP.
É inegável que 10-12% de ingressantes negros é pouco, mas a situação se torna alarmante quando fazemos um recorte por curso e identificamos que nos cursos de Medicina, Direito e Engenharia apenas 0,9% dos alunos são negros/as e que nos anos de 2010 e 2011, nenhum estudante de cor preta ingressou no curso de Medicina da USP.
A herança cultural da população negra, oprimida pelo tratamento social negativo (leia-se racismo) na escola, lhes confere menos oportunidades de ascensão social e lhes imputa a necessidade de sobrevivência através de trabalhos de baixa remuneração, o que faz com que uma grande parcela dos jovens negros optem (sem ter opção de fato) por pararem de estudar. Este fato é comprovado quando pelos números de evasão escolar e tratamento no Ensino Fundamental e Médio com recorte de raça e gênero.
Quando, em muitos casos, o jovem estudante negro tenta vencer este ciclo-vicioso, ele se depara com um cenário de condições extremamente desvantajosas de disputa e se vê obrigado a, novamente, sucumbir ‘ao seu lugar de origem-destino na sociedade’.
Outro fator a ser considerado é a herança cultural que faz com que a ausência de ‘negros estudados’ ao longo de séculos gerasse a ‘ausência de modelos profissionais negros’ e, por conta disso, um jovem negro que nunca viu um médico negro na vida, não tem um engenheiro ou advogado ou professor negro na família (vivo ou morto) para que possa se espelhar e acaba não acreditando que pode romper o ciclo-vicioso negativo no qual está inserido.
Este fato é demonstrado quando cruzamos os dados da FUVEST e percebemos nitidamente que a maior parte dos (poucos) negros que ingressaram na USP nos últimos anos são filhos de pais que possuem ensino superior completo, ou seja, eles foram os ‘modelos de seus filhos’. À herança cultural identificada nas estatísticas soma-se e confunde-se com o fato de que pais graduados tendem a ter melhores condições financeiras de prover uma boa educação, tanto formal quanto informal, a seus filhos. Tanto a análise individual quanto a sobreposição de cenários expressa acima corroboram com a tese de que as Cotas contribuem para inclusão étnica-racial.
As Cotas Raciais, com ou sem recorte de classe, são um importante instrumento para a promoção da igualdade racial no Brasil e devem ser implementadas através da reserva de vagas em todos os níveis das esferas pública e privada, visando a superação do racismo remanescente na sociedade brasileira.
As Cotas na Pós-Graduação das Universidades Públicas devem garantir o ingresso de negros/as em percentual igual ou superior à sua composição social e devem vir acompanhadas de políticas de permanência estudantil e de bolsas de estudo específicas visando a superação das barreiras sociais, econômicas e geográficas que afetam a população negra e indígena de nosso país.
A adoção de Ações Afirmativas como o Sistema de Cotas não é suficiente para, sozinha, acabar com um racismo cultivado por mais de 500 anos, todos sabemos disso, mas elas se mostraram eficazes na redução da disparidade racial nos EUA e nas Universidades brasileiras onde foram implementadas, isto já embasa e justifica a sua adoção e, a sua ampliação para todos os cursos de Pós-Graduação das Universidades públicas brasileiras.
*Leandro Peña-Salvático é Engenheiro Bioquímico, Fundador e CEO da SustenCorp, Mestrando no Instituto de Energia e Ambiente da USP e Coordenador do Núcleo de Consciência Negra na USP.
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