Fotos: Eduardo Paulanti
Na manhã desta terça-feira (02), dando prosseguimento ao seminário “A Internacionalização da Ciência Brasileira: Realidade e Desafios”, a ANPG realizou a mesa “Internacionalização, formação e contratação de recursos humanos e a questão das Organizações Sociais na política nacional de desenvolvimento científico”, durante a 9ª Bienal da UNE.
O debate, realizado na ESDI (Escola Superior de Desenho Industrial) da UERJ, contou com os palestrantes Igor Barros Cavalcante, da Coordenação de Ações Internacionais do Programa Ciência sem Fronteiras; Olgaíses Cabral Maués, do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES); e Hélio de Mattos Alves, professor da UFRJ.
Igor iniciou o debate, abordando o Ciência sem Fronteiras: os impactos desta iniciativa, implementada pelo Governo Federal no final de 2011, e as metas do programa. “O Ciência sem Fronteiras tem como objetivo formar e capacitar jovens em instituições de alta capacidade no exterior. Para isso, busca proporcionar novas experiências em outros países, fazendo com que se tenha um processo de aprendizado diferente do que existe no Brasil. Além disso, o programa possibilita a mobilidade internacional tanto de brasileiros quantos de estrangeiros”, explica Igor.
Segundo ele, essa troca entre estudantes brasileiros e estrangeiros cria oportunidades para a interação de universidades de diferentes nacionalidades, propiciando ainda uma cooperação entre elas. Segundo dados apresentados, atualmente, o programa concede 7.559 bolsas para doutorado sanduíche no exterior, 2.642 bolsas para doutorado no exterior e 556 bolsas de mestrado no exterior*, sendo que a área de conhecimento que mais recebe bolsas é Engenharia e demais áreas tecnológicas. O fato de o programa restringir as bolsas concedidas a estudantes de pesquisas aplicadas é uma das críticas que os pós-graduandos presentes no debate levantaram.
O representante do CNPq destacou ainda o caso de Portugal, destino escolhido por grande parte dos bolsistas para o intercâmbio. O motivo principal dessa escolha é o fato de que, neste país, se fala uma língua irmã da nossa. “Portugal chega mais próximo do cenário desejado na distribuição das bolsas, com uma proporcionalidade entre graduação e pós-graduação” comenta.
Igor apresentou em seguida a distribuição de bolsas implementadas por país de destino no estado do Rio De Janeiro, e disse que, no início havia um equilíbrio entre estudantes de graduação e pós-graduação que se beneficiavam do programa, mas gradativamente a meta da graduação foi aumentada, visto a maior participação desta categoria. Segundo ele, a dificuldade em se falar uma língua estrangeira ainda é uma barreira para o processo de internacionalização.
Idiomas sem Fronteiras
A partir da detecção desse problema, foi criado o Idiomas sem Fronteiras, que começou com o nome Inglês sem Fronteiras e depois foi alterado para “idiomas”, pois “vimos a necessidade de ampliar o programa para outras línguas, como o francês, o alemão e até o mandarim”.
Ele ainda apresentou outra iniciativa do governo: o Portal estágios e empregos, dedicado a bolsistas e ex-bolsistas do Ciência sem Fronteiras. “Preocupamo-nos com o que o bolsista faria quando voltasse para o Brasil”.
Igor concluiu sua fala apontando que o “Ciência sem Fronteiras criou condições necessárias para a internacionalização da ciência brasileira, começando pelo ensino no exterior, depois ampliando para pós–graduação, ajudando no desenvolvimento do idioma e fornecendo meios para a inserção no mercado de trabalho”.
Desnacionalização da Educação
Em seguida, Olgaíses, em sua fala, discutiu a visão que se tem da questão da internacionalização, o que esse processo implica e quais são suas consequências no cenário nacional. “O objetivo [de minha fala] é analisar de forma crítica o processo de internacionalização da educação. Para tal, alguma referências, como o papel da OMC (Organização Mundial do Comércio), o papel de alguns organismos internacionacionais, como a UNESCO, e examinar os espaços educacionais criados, que, apesar de abrangerem mais a Europa, envolvem os demais países que estão fora da União Europeia. Também desejo examinar o papel do Mercosul, seu setor de educação, e discutir, ainda, em termos de Brasil, o Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) 2010-2020”, disse a professora.
Apontando dados da UNESCO, ela destacou a importância da internacionalização na educação superior dentro de um diálogo intercultural que promova a circulação do saber. Enfatizou ainda que quando falamos de internacionalização é preciso lembrar que esse é um processo que vai além do CsF. “O Instituto de Ensino Superior da América Latina e Caribenha, vinculado a UNESCO, vem trabalhando na direção da internacionalização e criou o ENLACES (Espaço Latino-Americano e Caribenho de Educação Superior)”, exemplificou. Além disso, ela citou ainda universidades criadas no Brasil com o objetivo da internacionalização da Educação, como a UNILA e a UNILAB.
A pesquisadora também apresentou dados que corroboram a visão de que a educação se tornou um negócio altamente lucrativo nos últimos anos, apontando para uma possível mercantilização deste setor, que deveria seri visto como um direito social. “Em 1998, a mobilidade estudantil faturava no mundo todo 30 milhões de dólares, em 2005, saltou para 90 milhões de dólares”, diz. Isso fez com que o capital internacional se voltasse para a área educacional. “De 1997 a 2007, houve um crescimento de 394% na oferta de vagas no ensino superior privado”, indica.
A professora não vê a atual internacionalização com bons olhos. Segundo ela, esse proceso provoca a privatização, mercantilização e a desnacionalização da educação. “Áreas humanas não fazem parte do programa CsF, pois não interessa ao mercado. Mais uma demonstração de como a internacionalização brasileira, de programas como o CsF, está sendo feita, visando principalmente o mercado”, critica.
“Nesses moldes, o papel das universidades brasileiras passa a ser meramente treinar os recursos humanos, e não produzir o conhecimento, o que faz com que utilizemos os conhecimentos importados dos países desenvolvidos”, disse. Por fim, ela deixou a seguinte questão para reflexão: “É preciso pensar qual o modelo de internacionalização da educação nós queremos.”
Desenvolvimento do país
Hélio Mattos palestrou em seguida, ressaltando o importante papel das universidades na formação do “futuro da nação”. Ele reconheceu que o Brasil ainda é um país importador e destacou que a área de Ciência e Tecnologia é fundamental para o desenvolvimento do país.
O professor da UFRJ comentou dados citados anteriormente pelo representante do CNPq e lembrou algum exemplos históricos de internacionalização. “Ao analisarmos alguns dados clássicos desse processo, a criação da USP foi altamente relevante para o sistema das universidades brasileiras, quando o Estado importou pesquisadores altamente capacitados”, disse.
Ele lembrou ainda que os primeiros cursos de pós-graduação foram criados nos anos 60. “Esse tipo de encontro [de pós-graduandos], naquela época, não existia. Os cursos de pós-graduação no Brasil tem uma história relativamente nova. Formamos de 10 a 12 mil pesquisadores por ano, ainda é pouco para um país que é hoje a 5ª economia do mundo”, disse. E completou dizendo que um país para ser forte, precisa ser forte em Ciência e Tecnologia.
Discordando do que havia dito Olgaíses em sua fala, Hélio encara a internacionalização da ciência como algo positivo, que contribui para o processo de desenvolvimento do país. “É uma via de mão dupla. A interação é fundamental, isso de forma alguma desnacionaliza o Brasil, mas oxigena o sistema”, diz.
Hélio é a favor do intercâmbio, mas ressalva que todo aluno deveria fazer iniciação científica quando votasse desses países, empregando o conhecimento adquirido de sua experiência no exterior para a pesquisa no Brasil.
Divisão de opiniões
As intervenções dos pós-graduandos, após as falas dos palestrantes, foram diversas, e o assunto dividiu opiniões acerca do processo de internacionalização do conhecimento, criando uma dicotomia entre internacionalização versus desnacionalização. Houve quem dissesse que essa dicotomia está equivocada. Dentre as questões levantadas por eles, estão “Qual o modelo de desenvolvimento nós queremos para o nosso país?”, “Qual retorno deve ser exigido do jovem que vai ao exterior?” e “Apesar da importância de se aprender outras línguas, também não é importante reforçar a nossa língua?”.
O seminário “A Internacionalização da Ciência Brasileira” continua na amanhã (04), a partir das 10h, com o tema “Impactos sociais e econômicos da cooperação e do desenvolvimento científico e tecnológico no cenário internacional”, e vai até quinta (05), no campus ESDI (Escola Superior de Desenho Industrial), da UERJ, na rua Evaristo da Veiga, 95, Lapa, Rio de Janeiro.
Por Natasha Ramos, do Rio de Janeiro