“É preciso celebrar as conquistas, fazer um balanço e apontar as lutas desse momento para a superação da desigualdade de gênero e emancipação das mulheres e da sociedade”, diz Lúcia Rincón, da União Brasileira de Mulheres, em entrevista à ANPG
Graduada em História pela Universidade Federal de Goiás (1974), mestre em História Regional pela Universidade Federal de Goiás (1981) e doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2002), Lúcia Helena Rincón Afonso é Secretária Geral da Associação dos Professores da Universidade Católica de Goiás, professora adjunto da Pontifícia Universidade Católica de Goiás e Membro efetivo do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, representando a União Brasileira de Mulheres. No CNDM (Conselho Nacional dos Direitos da Mulher), faz parte da Câmara Técnica de Monitoramento, participando na SPM (Secretaria de Políticas para as Mulheres) do Comitê de Monitoramento das Políticas para Mulheres do PNPM (Plano Nacional de Políticas para as Mulheres).
Para este dia tão representativo para a luta feminista, o 8 de março, Dia Internacional da Mulher, a ANPG entrevistou a Lúcia Rincón, que fala sobre as conquistas alcançadas e a luta feminista na academia e na sociedade como um todo.
ANPG: No cenário nacional e internacional, qual o atual momento de inserção das mulheres na academia e na pesquisa?
Lucia Rincon: Existem dados que comprovam uma presença importante das mulheres na academia de forma geral, seja na pesquisa, seja docência. Entretanto, com certeza, ainda registramos um número muito pequeno, principalmente, na pesquisa; as áreas continuam segmentadas por sexo e ainda há dificuldades das mulheres de conseguirem financiamento. Inclusive, foi denunciado recentemente por um órgão da Inglaterra, que o montante destinado à pesquisa realizada são menores não só para as áreas ditas femininas, mas para as mulheres acessarem. De fato, a discriminação de sexo aparece em todas as áreas de ensino e pesquisa de forma geral, dentro das universidade e fora delas, em institutos, apesar de ser maior o número de mulheres entre 18 e 24 que frequentam o ensino superior. Segundo dados de 2011 do IBGE, 57,8% de estudantes que frequentam o ensino superior são mulheres. As áreas ainda são muito segmentadas por gênero: nas Ciências Sociais, Negócios e Direito, 46,2% são homens, enquanto 32,8% mulheres. Na área de Educação, com graduação concluída, 28,4% de mulheres e 8,4%, homens. Saúde e Bem-Estar, 14,8% mulheres e 9,5% homens. Engenharia, Produção e Construção, 13,7% são homens, enquanto apenas 2,8% são mulheres. Na área docente, temos um número ainda maior, mais segmentado por áreas conhecidas como femininas.
ANPG: Recentemente, temos recebido alguns casos de mulheres que relatam ter sofrido assedio sexual e/ou moral na pós-graduaçào. O que você acha que isso significa? Isso pode ser um indicativo de que a sociedade está questionando mais o assédio em relação a mulher?
L.R.: A academia sempre se achou acima dessas questões, e eu faço parte dela, como se aqui não acontecesse isso, como se na Educação fosse todo mundo educado. Isso não é verdade. A sociedade patriarcal perpassa todas as instâncias, espaços. Novamente, a visibilidade está se ampliando. Hoje, as mulheres, um pouco mais empoderadas, sabendo que são mais respaldadas, sentem mais segurança para fazer a denúncia, não precisam se calar mais.
ANPG: Como você acha que podemos combater o patriarcado na Academia?
L.R.: Uma medida é ainda a abordagem dessa questão e a incorporação dela nas atividades, nas instâncias que nós temos: no currículo, na prática, na extensão, nas pesquisas. Não só para dar visibilidade, mas também como mecanismo de combate. Tenho colocado que nos cursos de formacao de professores é fundamental a discussão sobre o caráter do patriarcado, da estruturação na sociedade e como isso se manifesta dentro da educação. Até na forma de apresentar a pesquisa, como combater a opressão de gênero. Quando falamos de universidade, estamos falando quase sempre de educação formal, mas em áreas como a Comunicação, que é a educação profissional, também é importante se discutir essas questões. O peso da mídia é cada vez mais forte nas vidas das pessoas. Ao formar os profissionais que vão trabalhar com a mídia é importante abordar essas questões do patriarcado e da opressão de gênero.
ANPG: Só há pouco tempo as pós-graduandas conquistaram o direito à licença-maternidade, mas ainda há uma luta para que isso seja regularizado em lei. Em sua opinião, quais são ainda os avanços da emancipação da mulher no Brasil (em relação, ao trabalho, à pesquisa, etc.) que precisam ser conquistados?
L.R.: Nós entendemos que é preciso caminhar; existem dois sistemas muito embrincados que se autoalimentam: o capitalista e o patriarcado. Portanto, a exploração acentuada da mulher reforça o ideário patriarcal, que reforça a inferioridade da mulher, indicando a sua permanente submissão ao capital. Assim, o que precisamos fazer é uma luta permanente no cotidiano, para superar a sociedade de classes, combater o sistema capitalista e superar o patriarcado. Nesse cenário, as conquistas que as pós-graduandas alcançaram é extremamente importante, um marco das conquistas nessa situação de igualdade.
ANPG: Por que essa data (8 de março) ainda é muito importante?
L.R.: Porque ela é um marco. Foi criado num congresso de mulheres socialistas no inicio do século passado, que reuniu mulheres do mundo todo, para lembrar a todos que esse é um dia de lutas e avanços. É preciso celebrar as conquistas, fazer um balanço e apontar as lutas desse momento para a superação da desigualdade de gênero e emancipação das mulheres e da sociedade.
ANPG: Gostaria que você comentasse uma das reinvindicações da UBM para o 8 de março, que é a ampliação da participação das mulheres na política.
L.R.: A sociedade brasileira vive, nos últimos tempos, um processo de polarização que precisa ser enfrentado. Nós saudamos e queremos o aprofundamento da democracia e, hoje, existem algumas ações que são urgentes para preservação da democracia. A primeira delas é a reforma política democrática, que implica em paridade de gênero. Não há como fazer democracia com metade da população de fora, em detrimento das mulheres. A sociedade está muito polarizada pela grande mídia, que está dando o tom dos setores conservadores. Nós entendemos que esse é um governo progressista, que tem o compromisso com o aprofundamento da democracia, tanto nas propostas como na própria estrutura de poder, no momento que busca aprofundar os instrumentos de participação democrática. Mas, é importante indicar que esse é o caminho que deve ser trilhado. Por isso, nós da UBM, pautamos o empoderamento das mulheres para uma reforma política democrática.
ANPG: Na questão da Inclusão do agravante de feminicídio no código penal brasileiro, como você acha que isso aponta para um questionamento maior da opressão vivenciada pelas mulheres e exercida pelos seus próprios parceiros?
L.R.: Nós dissemos, muitas vezes, que conseguimos igualdade na lei para depois conseguir igualdade na vida. A inclusão do agravante de feminicídio no código penal brasileira traz um significado de reconhecimento de uma realidade, para indicar à sociedade que é preciso levar isso em consideração, para, em seguida, intervir nesse processo de horror para as mulheres. Uma sociedade civilizada não pode ficar inerte diante desse quadro.
Da redação