Por Gabriel Nascimento*
Poucas vezes na história do Brasil grandes fenômenos sobreviveram durante muito tempo. Somos um país de governismo, onde os extremos são problemáticos. Vejam só os dois partidos que representam, respectivamente, as forças de esquerda e de direita, PT e PSDB. Suas defesas, embora ideológicas, são comedidas. De um lado, a defesa da taxação das grandes fortunas precisa se encontrar com a defesa do ajuste fiscal, para o bem e para o mal. Do outro, o golpismo latente se encontra com a reminiscência da história mal resolvida de um partido que surgiu querendo ser novidade, se tornou o maior representante da burguesia rentista atrasada e da classe média moralista e ascética, sendo que, não por acaso, mesmo as defesas de extrema direita nesse tal partido (como a cobrança de mensalidade nas universidades por quem ganha mais) precisam contrastar a tentativa do partido de ser um partido popular de massas – cheirosas. Fenômenos não duram muito porque sempre estão alijados dos meios e apegados aos extremos.
Eduardo Cunha é um fenômeno na história política brasileira. O ex-tesoureiro ligado a PC Farias, agora presidente da Câmara, não entendeu o governismo brasileiro. Ao mesmo tempo em que há golpes em andamento, qualquer passo além das possibilidades pode significar uma armadilha. O golpe branco (porque parecido com o colonizador) é aquele em que os golpistas não se declaram tão abertamente golpistas, como o faz Cunha. Em alerta, o deputado rompe pessoalmente, como se fosse uma criança bruta, com o governo. Confunde a Câmara dos deputados com a mesa de bar, acusa o governo e se isola. Tudo isso por ser acusado de receber uma propina milionária. Como talvez não saiba que os golpistas no Brasil nunca se autodeclararam abertamente, Eduardo Cunha talvez tenha infringido a primeira regra de nossa história golpista. A segunda regra é que, se declarando abertamente, ele desmoraliza o golpe branco em andamento. Inclusive a oposição começa a perceber o quanto um golpe branco seria problemático eleitoralmente para a própria oposição. Se o juiz do impeachment é um deputado que recebeu 5 milhões em propina, então precisamos julgar primeiro o juiz. Depois disso talvez a cabeça de Dilma volte a virar alvo.
Tanto a governabilidade quanto o golpismo no Brasil precisam ser discretos. Não há receita, nem remédio. Cid Gomes gritou as palavras que todos queríamos gritar e se despediu da esplanada naquela mesma hora. Quebrou ali a discrição do governismo. Eduardo Cunha e Aécio fazem um papel patético em achar que a ruptura democrática terá adesão da maior parte da população brasileira. Vociferam o golpismo, quebrando a tradição republicana discreta do golpismo praticado pelo legislativo. Mesmo as pesquisas que demonstram a pouca popularidade da presidenta, são pesquisas que mostram que a popularidade dela se mantém entre os mais carentes. Aventuras ainda são um perigo para a cabeça governista do brasileiro. Na década de 90, a eleição entre Collor e Lula derrotou o sapo barbudão porque ele representava uma “aventura”, uma ameaça à instabilidade como demonstram pesquisa ampla de cientistas políticos. Tanto o proletariado quanto as faixas de subproletários são muito conservadores. Para eles, a aventura pode ser muito perigosa. A classe média, essa sim golpista e aventureira, tem um problema muito forte de moralidade. O conservadorismo dela não engole um Eduardo Cunha. O que resta a Cunha é a população evangélica.
O estilo autoindulgente do deputado Eduardo Cunha vai ter que lidar com os entraves da história. Ninguém é maior que a República, seja ela o que for, e não vivemos no parlamentarismo. O pau que bate em Chico, bate em Francisco e em Eduardo Cunha.
*Gabriel Nascimento é diretor da Associação Nacional de pós-graduandos, mestrando em Linguística Aplicada e presidente da APG UnB
**Artigo originalmente publicado no Agência Popular
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