Foto: Bruno Bou Haya
O 4º Salão Nacional de Divulgação Científica da ANPG, realizado entre os dias 12 e 17 de julho, na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), contou com vasta programação, que incluíram debates acerca do Financiamento da Ciência Brasileira, duas conferências, uma mostra científica e atos políticos contra os cortes orçamentários na Educação, Ciência, Tecnologia e Inovação, além de programação cultural diversificada e a comemoração dos 29 anos da entidade.
Com tão vasta programação, não poderia ser diferente que os ex-presidentes da Associação Nacional de Pós-Graduandos estivessem presentes nos debates, prestigiando o evento.
Hugo Valadares, professor no curso de Engenharia Eletrônica na Universidade Tecnológica Federal do Paraná e graduado, mestrado, doutorado e pós-doc pela UNICAMP, e, além de tudo, presidente da gestão 2008-2010, foi um deles. Em entrevista à nossa equipe, ele comenta as lutas de sua gestão, a situação do Brasil e a luta dos pós-graduandos. Confira:
Quais foram as principais lutas empreendidas durante a sua gestão (2008-2010)?
O marco principal da minha gestão foi a construção da ANPG no meio institucional. Fizemos um trabalho, que já vinha desde a fundação da ANPG, que tivemos a oportunidade de fazer a ANPG conhecida dentro do meio governamental, onde já tinha uma grande entrada, mas conseguimos estreitar relações com o Ministério de Ciência e Tecnologia, da Educação, com os conselhos (Confap, Conset) e as amis diversas universidades. Um ponto fundamental para conseguir fazer essa inserção na comunidade acadêmica e transformar a ANPG em uma entidade mais conhecida, foi a criação do 1º Salão, em 2009. Foi um momento muito importante que foi capaz de catapultar bastante essa visibilidade que a ANPG acabou tendo e hoje, com a presença do ministro no 4º Salão, vemos o avanço que alcançamos com aquele gérmen que foi plantado lá em 2009. Em seis anos, tivemos uma virada. E claro, a participação que temos tido na SBPC, que começou a ser bem mais visível, começamos a ter uma relação muito mais próxima, inclusive a Tamara hoje participa da mesa de abertura. Então a marca daquela gestão foi muito institucional e também de termos feito um congresso, o CNPG, onde quase mil pessoas participaram desse congresso no Rio de Janeiro, entre delegados e observadores, ante os 127 que participaram do congresso anterior, em Campinas. Então, costumo dizer que a nossa gestão foi a que cavou a ANPG no seio da discussão da ciência e tecnologia no país e que a gente passou a ser mais ouvido. Claro que isso se tornou uma coisa mais gradativa, hoje a ANPG tem mais voz, é muito mais reconhecida e tá no meio da discussão da ciência e educação nacionais. E claro, essas pautas que a gente discutiu hoje, como o avanço e o aumento de bolsas, são pautas permanentes, pois infelizmente ainda continuamos aquém daquilo que a gente precisa, mas a ANPG nunca deixou de olhar o lado do estudante/pesquisador/trabalhador com um olhar muito atento. Infelizmente, ainda temos muito o que alcançar, mas a ANPG joga um papel fundamental nesse sentido.
Gostaria que você comentasse como era a situação do país durante a sua gestão.
Estávamos no segundo governo Lula e era um momento de certa estabilidade institucional no Brasil. Apesar de ter passado, poucos anos antes, a questão do mensalão, o Lula estava com a popularidade muito alta, estava conseguindo implantar algumas medidas importantes. Estávamos no meio da crise econômica, mas essa só veio nos afetar posteriormente. Então, nesse aspecto, continuamos tendo a expansão de vagas na universidade, das vagas para professores. Eu mesmo, sou um remanescente da última parcela do REUNI. O país estava numa evolução rápida, os recursos não estavam tão escassos como hoje. Foi um momento propício para termos recursos para fazer nossas atividades e toda essa questão institucional.
Como você vê a ANPG antes e como você a enxerga agora?
A ANPG sempre foi uma entidade muito importante, com pautas muito avançadas, mas creio que hoje é uma entidade massificada dentro da pós-graduação brasileira. Antes, era um ilustre desconhecido, que representava os estudantes de pós-graduação estatutariamente. Mas como eu disse, o Congresso que nos elegeu, teve a participação de 127 pessoas, incluindo os delegados, e dentro dessa perspectiva você vê que a ANPG era uma entidade classista, que representa os pós-graduandos, mas que, naquela época, ainda estava um pouco incipiente. Hoje, a Tamara dá entrevista para o Jornal Nacional, vejo o ministro de Ciência e Tecnologia vindo na tenda da ANPG participar de um debate junto com o vice-presidente da SBPC, então fundamental do movimento social dentro do debate de C&T e, principalmente, na valorização daquilo que eu chamo de profissão de pós-graduando, que, apesar de ser um momento de formação do pesquisador, este está fazendo muito trabalho. Essas dicotomias ainda permanecem na pós-graduação brasileira, mas acredito que, em termos de entidade, vem uma crescente muito importante, então acho que a tendência é que isso continue e se amplifique no futuro.
Na sua opinião, qual os principais avanços na luta dos pós-graduandos ao longo dos 29 anos da ANPG? Comente a atual situação que o Brasil passa e quais os desafios que a ANPG precisará enfrentas nos próximos tempos.
A criação da ANPG se confunde um pouco com a gênese do MCTI, períodos muito parecidos, então você tinha uma pós-graduação, 29 anos atrás, muito incipiente. Era algo que atingia gente da classe mais abastada, que tinha acesso à universidade e a poder se tornar um professor universitário e, principalmente na década de 90, a pesquisa e a pós-graduação passaram por um período de muita dificuldade. As universidades regrediram a quantidade de investimento que recebiam; não havia programas consolidados de pós-graduação em quantidades necessárias para um país de proporções continentais como o Brasil; e é claro que a importância da ANPG cresce junto com a importância da pesquisa e pós-graduação dentro do próprio país. Hoje, é muito comum encontrar alguém que faz mestrado, que faz doutorado, não que a pós-graduação, assim como o ensino superior público, esteja universalizada, mas já é possível afirmar que, hoje, a pós-graduação já deixou de ser uma “super novidade”. É claro que ainda existem muitos desafios, a classe trabalhadora, o filho do pedreiro, ainda não está chegando na pós-graduação, até porque a pós-graduação de excelência ainda é feita pelas universidades públicas, e quase cem por cento retroalimentada por estudantes provenientes de universidades públicas. Então acredito que a pós-graduação brasileira, nesse aspecto, não está, ainda, nem perto do desafio que lhe é colocado para um país de extensões continentais. Uma vez ouvi um comentário do professor Jorge Guimarães, quando fiz parte da elaboração do Plano Nacional de Pós-Graduação 2011-2020, em que ele colocava que, no Brasil, de dez doutores, nove estão empregados e o outro está fazendo pós-doc. Era uma perspectiva legal de se imaginar que já tinha emprego praticamente certo, mas ao mesmo tempo, é um dado muito preocupante, pois significa que não existe doutor sobrando. Ou seja, nós ainda não formamos doutores suficientes para suprir a necessidade do país. Eu vejo que se o Brasil quiser sair dessa posição de exportador absoluto de commodities, e para usar uma frase de Lula, começar a exportar caixa de chip ao invés de toneladas e toneladas de arroz, acredito que seria muito importante esse investimento na área de C&T e em todas as áreas, nas ciências duras, não só naquelas que, aparentemente, respondem por um produto, mas precisamos pensar que ainda precisamos evoluir na pós-graduação. Já demos passos importantes, todavia, o valor da bolsa, que ainda não aumenta, congelado há três anos; a quantidade de bolsas, que ainda é insuficiente; a burocracia, eu diria, em algumas áreas, dificulta mesmo a importação de suplementos que são necessários para a realização das pesquisas. Isso, para mim, é uma questão muito absurda. Hoje ainda não existe uma licença saúde, uma licença maternidade institucionalizada. Existe apenas uma portaria, que pode ser revogada a bel prazer de um ministro. Ainda existe um debate muito forte na academia sobre o produtivismo, sobre a quantidade versus a qualidade. Hoje, o que a CAPES me cobra, como doutor recém-formado, é que eu indexe artigos em revistas importantes, se ele vai ter impacto, se serve para algo, se tem relevância para o Brasil, isso pouco importa. São debates nos quais ainda não conseguimos avançar. Tenho esperança que a gente consiga. É importante que a pesquisa brasileira esteja vinculada aos problemas brasileiros, que a pesquisa de base seja muito incentivada, mesmo que não traga um produto imediato, mesmo que ela não chegue num denominador que apresente um resultado financeiro direto, precisamos ter espaço para isso. Claro que a ciência aplicada, que traz resultados para amanhã, é importante. Tudo é importante no rol da ciência, e vejo que esses desafios, apesar de só acontecerem porque a pós-graduação ter se tornado algo maior, apesar de não tão grande assim. A gente avançou muito pouco no que tange os direitos dos pós-graduandos, mesmo que tenhamos avançado. Eu desejo que a ANPG consiga manter essa importância que tem hoje, se tornar uma entidade ainda mais conhecida no meio científico. Eu acredito que a gente tem muita condição de poder trazer essa discussão para o debate e fazer com que seja ouvida e que a gente consiga avançar na importância que se tem o pós-graduando para todo um sistema científico, tecnológico, produtivo e de formação para o nosso país.
Confira as entrevistas com outros ex-presidentes da ANPG:
Especial ex-presidentes no 4o Salão – Hugo Valadares
Especial ex-presidentes no 4o Salão: Elisangela Lizardo
Da redação