Por Carla Morgana Castro Amado [1]
A construção da identidade nacional foi basicamente formada por três principais povos os indígenas, os europeus e os africanos. Somos resultado de uma mestiçagem, do encontro de povos, culturas e civilizações. Os indígenas definidos por Darcy Ribeiro por povos autóctones, que são os povos que habitavam essa terra muito antes da chegada dos portugueses, não era uma comunidade de pessoas, era uma riqueza de mais de mil povos com linguagens, costumes e hábitos diferentes, tinha somente em comum as características físicas (cabelos lisos pretos, pele avermelhada, olhos puxados), tinham sistema de governo, econômico e político, porém foram definidos pelo povo recém-chegado como “não civilizado” desprovido de religião ou cultura.
Quando a esquadra de Cabral aqui chegou logo estranhou as características físicas e a nudez dos que eles chamaram de índios. Pero Vaz de Caminha escrivão da frota de Cabral escreveu uma cartaao Rei de Portugal retratando o que havia encontrado por aqui:
Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijos sobre o batel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os pousaram.[2]Esse trecho demonstra a falta de entendimento e aceitação no descobrimento do outro.
Esses contatos possuíram duas dinâmicas: uma que estruturava a dominação e a escravidão, etnocentrada e excludente. Outra dinâmica é aquela que simultaneamente, rompia pela vivência empírica do contato – humano – com o outro (mas não sem traumas e resistências), as concepções tradicionais sobre a restrição da humanidade, da virtude e da racionalidade, aos cristãos; e consequentemente, dos elementos ideológicos que fundavam essa concepção de humanidade. (NETO, 1997)
Foi desrespeitado o povo que aqui estava e tinham seu sistema político definido. Nesse encontro e choque de cultura logo houve a esperteza do povo civilizado que encantado com a beleza exuberante e riquezas naturais, flora e fauna, desfrutasse e desbravasse esse território, o início foi até amigável, em troca da madeira de Pau-Brasil (em que os índios cortavam e carregavam para os navios) para serem transportados para Portugal, recebiam produtos de natureza europeia, espelhos, pentes, roupas etc.
A ambição pelas riquezas naturais encontradas na Nova Terra foi crescendo e os índios logo perceberam que não fazia parte de sua natureza à exploração e resistiram começaram as fugas, os ataques, e a perseguição portuguesa aos índios que fugiam. Não dando certo a exploração de mão-de-obra com os nativos, buscou-se outra alternativaa escravidão africana, o tráfico negreiro deu início no século XVI, com a rota África – Brasil – Europa, perpetuando por três séculos e meio, o que pode ser considerado como uma das maiores atrocidades acontecidas na história da humanidade.
“O negro africano, antes de vir a ser escravo para a América era um ser inteiro: corpo e alma livres”. Porém, lhes batiam na compra, no caminho, nas tarefas… Nem sempre faziam por maldade, o que queriam era tirar dele toda a raça humana que tivera. Queria lhe esvaziar, transformá-lo em bicho. Assim, vazio, o escravo só tinha a servir seus senhores, que para eles, não lhe importavam a cultura, a língua, a arte, a religião e os costumes. Queriam apenas o seu corpo para o duro trabalho. (SANTOS, 1985)
A riqueza de contribuição linguística, musical, da culinária, artesanato, religiosa é enorme, a capoeira, o candomblé, os instrumentos musicais como tambor, berimbau, o caruru, o abará são somente um dos poucos exemplos populares que podemos citar.
Porque é dito que foram os negros os grandes feitores da história brasileira? Foram eles que sustentaram o Brasil e a Europa, em grande escala de tempo. O Brasil fornecia o açúcar e em troca, recebia dinheiro “vivo”. A escravidão afro-americana moderna desempenhou importante função no desenvolvimento de sistema econômico capitalista mundial (PITT; FRUBEL, 2013).
Durante muito tempo foi negado, a história da África na historiografia brasileira, meados do século XX, os historiadores, antropólogos e sociólogos retratavam o negro como coisa, a partir da década de 90 os autores brasileiros colocam o negro no palco principal da cena, e os relata como sujeito social, sujeito na história. Chico Buarque nos define como um país da mistura de milhões de gente que desencontradas, dado a fusão genética, uma vez que a mestiçagem aqui se fez sem freio e sem que fosse crime ou pecado. Sim,a escravidão,à exploração foi feita sem freio, sem ser considerado crime ou pecado.
Na Constituição de 1988 as palavras raça e racismo aparecem três vezes, cada uma delas no sentido de repudiar “raça” como critério de distinção. O inciso IV do artigo 3 reza que, entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, “está a promoção do bem de todos”, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade, quaisquer outras formas de discriminação. O inciso VIII do artigo 4, afirma que a República Federativa do Brasil rege-se nas relações internacionais pelo “repúdio ao terrorismo e ao racismo”. Finalmente, o inciso XLII do artigo 5, define a prática ao racismo como “crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei. (MAGGIE; FRY,2004)
O racismo até hoje é negado, sem que muitos admitam que exista discriminação racial no Brasil, onde vez ou outra assistimos nas mídias de massa que tal famoso foi agredido por palavras ofensivas de cunho discriminatório. Por que essas ofensas só repercutem quando alguém da mídia sofre a agressão? O que acontece nas escolas, nos metrôs, nas esquinas, nos bares, no dia-a-dia com uma população que por quantas vezes é inferiorizada pela cor da pele?
Não é preciso explicar que a prática de racismo é crime garantido constitucionalmente, o que é preciso explicar é por que é aceito, por que as denúncias a essa prática não são feitas diariamente por quem sofre em seu cotidiano. Vinte de novembro é uma data especial, considerado somente esse ano como Feriado Nacional marca da luta de Zumbi, mas assim como a cantora Baby Consuelo canta que “todo dia era dia de índio”, todo dia deveria ser dia de preto, sem preconceito, sem discriminação, sem entendimento de que é a cor da pele que define que alguém seja bom ou ruim.
BIBLIOGRAFIA
FERREIRA, Edgard. “História e Etnia in CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (orgs.).” Domínios da História: Ensaios de Teoria e Metodologia. R. Janeiro: Campus, 1997.
FRÜBEL, Jéssica; PITT, Cristiano. “Zumbi dos Palmares.” Simpósio Científico de Graduação e Pós-Graduação. 2013.
MAGGIE, Yvonne; FRY, Peter. “A reserva de vagas para negros nas universidades brasileiras.” Estudos avançados 18.50 (2004): 67-80.
MUNANGA, Kabengele;GOMES, Nilma. O negro no Brasil de hoje. Global Editora, 2006.
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