A Proposta de Emenda Constitucional 55, em tramitação no Senado, que na Câmara dos Deputados estava identificada como PEC 241, deverá ser votada em plenário até o dia 15 de dezembro. A medida, uma das principais missões assumidas pelo governo de Michel Temer (PMDB), vem recebendo duras críticas. No dia 09/11, a PEC 55 foi aprovada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), por 19 votos a 7.
Entre os movimentos sociais e organizações da sociedade civil ligadas à educação, o rechaço é praticamente unânime. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o Movimento Todos pela Educação, Instituto Alana, Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil ( MIEIB), a Rede Nacional Primeira Infância (RNPI) e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) são algumas das entidades que se manifestaram criticamente em relação à aprovação da PEC.
São diversos os estudos realizados que apontam para a diminuição de verbas para a educação nos próximos 20 anos. Isso em um contexto no qual a demanda histórica do setor, de 10% do PIB para a área, havia sido reconhecida e estabelecida como meta dentro do Plano Nacional de Educação, feito lei em 2014.
Com base em estudos, notas técnicas e artigos, o Centro de Referências em Educação Integral separou 5 argumentos contrários à proposta.
#1. A PEC 55 fere a soberania e o voto popular.
Imaginemos que, nas próximas eleições, um candidato proponha medidas econômicas distintas às do atual governo Michel Temer. Caso eleito, dificilmente poderá colocá-las em prática. Em outras palavras: se o povo brasileiro quiser que a economia mude, não terá como propor essa mudança a partir das urnas. A PEC, se aprovada, valerá por 20 anos, o equivalente a 5 mandatos presidenciais, havendo uma possibilidade de revisão apenas em 10 anos, em 2027.
Esse tem sido um dos argumentos para atestar a inconstitucionalidade da PEC 55. Segundo documento apresentado por senadores contrários à medida, a elaboração da peça orçamentária anual e plurianual e seu encaminhamento ao Congresso para discussão e aprovação são das atribuições mais importantes em uma República. “É na peça orçamentária que se materializam as concepções de organização e funcionamento do governo; é onde se externam o papel do Estado e os mecanismos de articulação com a sociedade. É nesse instrumento que as políticas públicas, programas e projetos de governo ganham forma”, afirma o documento lido na CCJ nesta quarta-feira (9/11) por Roberto Requião (PMDB-PR).
Segundo esse entendimento, a proposta tira a possibilidade de o chefe do Poder Executivo – legitimamente eleito pelo povo, por intermédio do voto direto, secreto, universal e periódico – definir o limite de despesas de seu governo. “Em última análise, significa impedi-lo de exercer, em sua plenitude, o mandato que lhe foi conferido pela soberania popular, prevista no parágrafo único do art. 1º da CF”.
#2. Nenhum país do mundo definiu, por lei, limite de gastos públicos.
De acordo com estudo, disponível em inglês, do Fundo Monetário Internacional (FMI), alguns poucos países no mundo adotam um limite para os gastos. A modalidade em que ocorrem obedecem a regras e funcionamentos particulares. Na maior parte dos casos, esses tetos são definidos em acordos políticos entre as forças que compõem o governo, e não por lei. Em nenhum caso esse limite está posto na Constituição ou possui prazo que extrapole um período de um mandato, como é o caso da PEC 55.
A maior parte dos países que adota um teto são nações ricas, com reconhecidos estados de bem estar social que não apresentam os mesmos desafios históricos que o Brasil em áreas como saúde e educação. Holanda, Dinamarca, Finlândia e Suécia são alguns exemplos. Nos países estudados pelo FMI, os acordos de teto de gastos são renovados – ou não – a cada mandato, observando a autonomia e soberania do governo eleito por voto popular que, em muitos casos, altera os acordos anteriores.
Vale lembrar que, no caso da Holanda, foi também imposto um limite ao pagamento de juros da dívida pública. Essa tem sido uma proposta alternativa levantada pelos críticos à PEC, mas rejeitada pelo governo e sua base parlamentar.
Nas experiências de outros países também foram definidos gastos com percentuais acima da inflação, garantindo aumento real, e não apenas uma correção segundo a inflação, como quer a PEC 55.
#3. A PEC 55 irá aprofundar a desigualdade e injustiça social.
Embora o governo federal e parlamentares de sua base afirmem que as verbas para a saúde, educação, assistência social e cultura não diminuirão ao longo de 20 anos, vários estudos, notas técnicas e outros documentos atestam que as perdas são certas.
Se o argumento central do governo é que se gastou mais do que o país podia na última década, e que a PEC tem o objetivo de limitar gastos, como argumentar que as despesas não diminuirão, se esse é justamente o principal objetivo da PEC?
Alguns defensores da medida, mais sinceros, admitem o corte. Em entrevista ao Estado de S. Paulo, em abril deste ano, Roberto Brant, que coordenou a elaboração do documento “Uma Ponte para o Futuro”, que reúne as propostas do PMDB, afirmou que a proposta é impopular e jamais passaria ao crivo das urnas. “Esse documento não foi feito para enfrentar o voto popular. Com um programa desses não se vai para uma eleição”, vaticinou.
Ainda ontem (8/11), o representante do Ministério da Fazenda, em audiência pública na CCJ, afirmou que o Plano Nacional de Educação foi aprovado “porque as pessoas não acreditam no realismo orçamentário, ao votar isso, não acreditavam que se iria colocar efetivamente 10% do PIB na educação”, desdenhou. Saiba mais aqui.
#4. Os gastos brasileiros com saúde, educação e assistência social não estão fora de controle. Não há “gastança”.
Um argumento muito presente é que os gastos primários (saúde, educação, assistência social, cultura, defesa nacional etc) do país saíram do controle nos governos do Partido dos Trabalhadores, de 2003 a 2016. Houve, assim, uma “gastança desenfreada” e resta ao Brasil, agora, pagar uma espécie de penitência por tantos anos de irresponsabilidade orçamentária. Essa foi a tônica da maioria dos discursos de parlamentares favoráveis à medida.
Segundo o economista e docente da UFRJ, João Sicsú, em artigo escrito para a Carta Capital, “não há desequilíbrio fiscal estrutural, crônico e agudo, nas contas do setor público”.
“O governo faz dois tipos gastos: os primários e o pagamento de juros da dívida pública”, explica Sicsú. “Excetuando os dois últimos anos (2014 e 2015), os diversos governos fizeram superávit no orçamento primário. Sempre gastaram menos do que arrecadaram. Em todos os anos, sem exceção”.
Para Sicsú, a PEC diminui as despesas apenas retirando investimentos de áreas sociais, sem, no entanto, tocar no pagamento de juros da dívida que, esse sim, pressiona as contas do país para que se configure um déficit orçamentário. Ainda assim, o professor argumenta que, quando há crescimento, o Estado consegue fazer os gastos primários e pagar os juros. Portanto, o centro da discussão, agora, deveria ser como voltar a crescer economicamente e superar a crise, sem deixar de investir na educação e saúde.
Em audiência no Senado no dia 1/11, Orlando do Amaral, da Andifes, afirmou que os recursos para as despesas primárias se mantiveram constantes desde 2002. “Do ponto de vista do PIB, as despesas não estão fora do controle”, sustentou, apresentando dados.
Em audiência na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), Felipe Rezende, professor associado do Departamento de Economia da Hobart and William Smith Colleges, apontou que apenas 11 países no mundo mantêm, hoje, seus gastos primários abaixo de 16% do PIB, como a PEC propõe que o Brasil esteja em 10 anos: Guatemala, Irã, Bangladesh, Sudão, Turcomenistão, Nigéria, Singapura, Macao, Madagascar, Congo e República Centro Africana. Os três últimos estão presentes na lista dos 15 mais pobres do mundo.
#5. Há alternativas. Mexer na estrutura tributária é uma delas. E é urgente.
Para diversos economistas, o problema atual na economia é um problema de receita e não de gastos excessivos. Precisamos arrecadar mais e não gastar menos. Como o Estado pode arrecadar mais? Por meio de impostos. Mas quem pagaria mais impostos? Os ricos e, principalmente, os muito ricos.
Segundo diversos estudos, a estrutura tributária brasileira é desigual e recai mais sobre os pobres e a classe média que sobre os mais abastados. De acordo com o Ipea, os mais pobres destinam 32% da renda para impostos, enquanto os mais ricos pagam apenas 21%.
“No orçamento brasileiro cabem todos os direitos previstos na Constituição de 1988”, escreveu Grazielle David, na Carta Capital. “O que não cabe no orçamento são as ‘bolsas milionários’, a ampliação das desigualdades fiscais e sociais, os privilégios, as manobras para transferir renda para os ricos, um Robin Hood às avessas. O que definitivamente não cabe no orçamento são as receitas que deviam chegar a ele, mas que são sonegadas, evadidas, inscritas na dívida ativa e nunca pagas. A alternativa é a Justiça Fiscal.”
Fonte: Centro de Referências em Educação Integral
Link para a matéria: http://educacaointegral.org.br/reportagens/selecionamos-5-argumentos-contrarios-pec-55-confira/