Os dias que se seguiram entre a eleição e a nomeação da reitora da UFRJ, professora Denise Pires Carvalho, foram de grande expectativa na comunidade acadêmica, pois, em meio às tensões envolvendo o MEC e as universidades, havia o temor que Bolsonaro fosse ignorar a decisão da democracia interna da instituição. Ao nomear a primeira colocada da lista tríplice, parecia que o presidente tinha sido acometido por um súbito bom senso e passaria a respeitar a escolha de professores, estudantes e funcionários.
Mas o que se viu, desde então, foram seguidos golpes contra a autonomia universitária, mostrando que o governo segue obstinado em sua cruzada antiacadêmica. Já são três os casos de universidades que tiveram nomeados reitores à revelia da decisão da comunidade: Universidade Federal do Grande Dourados (UFGD), Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) e UniRio.
Para Flávia Calé, presidenta da ANPG, passar por cima das escolhas da comunidade para a direção das universidades demonstra que os alicerces democráticos do país passam por um período de abalo. “A escolha de reitores para as universidades públicas é importante balizador da vitalidade da democracia na sociedade brasileira. As indicações fora da lista tríplice, além de caracterizarem forte ataque à autonomia universitária, evidenciam a fragilidade da nossa vida democrática”, aponta.
Na UFGD foi nomeada como reitora provisória a professora Mirlene Damázio, que sequer disputou a eleição interna, preterindo os nomes da chapa “Unidade”, vencedora da disputa. Segundo a revista Carta Capital, o que se pretende é fortalecer o grupo de professores alinhados ao bolsonarismo, vez que foi nomeado como vice-reitor o professor Luciano Geisenhoff, apoiador do presidente.
“É uma afronta à autonomia universitária quando um presidente da República deliberadamente resolve não reconhecer uma decisão da maioria da comunidade acadêmica, como aconteceu na Universidade da Grande Doutorados nos últimos dias e nomeia uma interventora”, denuncia José Germano Neto, diretor de Instituições Públicas da ANPG.
O caso da UniRio, que também teve o mais votado preterido, traz ainda um componente inédito: um autogolpe contra a democracia acadêmica. Nas eleições internas, embora a vitória tenha sido da chapa encabeçada por Leonardo Vilela de Castro, com 72% dos votos, seguido de Cláudia Aiub, com 28%, o Colégio Eleitoral resolveu indicar como primeiro nome da lista tríplice o professor Ricardo Silva Cardoso, atual vice-reitor, posição acolhida por Bolsonaro.
Em nota publicada em sua página do Facebook, o DCE da UniRio chama o nomeado de “interventor do MEC” e afirma que “o professor Ricardo Silva Cardoso foi nomeado reitor pelo Ministério da Educação, consolidando assim as estratégias do golpe de 11 de abril: participar sem debater, vencer sem ser votado, assumir sem ser eleito”. A comunidade da universidade também convocou uma assembleia para debater o assunto e tirar apontamentos para o próximo dia 25/6.
Na Universidade Federal do Triângulo Mineiro a tradição de nomear o primeiro da lista foi solenemente ignorada por Bolsonaro, que optou pelo segundo colocado, professor Luiz Fernando Resende. Ocorre que o primeiro nome, professor Fábio Cesar da Fonseca, teve no passado filiações partidárias ao PT e ao PSOL, o que torna evidente que o presidente não acatou a lista pela ligação do escolhido com a esquerda.
Germano Neto considera que tais medidas constituem “um pacote de desmontes” para acabar com a universidade e o pensamento crítico em diversas frentes. “De um lado vai minar a frente do financiamento, fazendo com que as universidades não tenham dinheiro para manutenção e a geração de conhecimento e, por outro, visa fragilizar e flexibilizar os critérios democráticos dentro das universidades”, conclui.